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A midsummer’s night dream

Um aspecto relevante dos paises “em vias de desenvolvimento” é o atraso mental. A exdrúxula proposta brasileira levada à Bali mostra desleixo do governo com o desmatamento.

18 de dezembro de 2007 · 16 anos atrás
  • Paulo Bessa

    Professor Adjunto de Direito Ambiental da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO)

Good morrow, friends. Saint Valentine is past:
Begin these wood-birds but to couple now?
W. Shakespeare

Uma das mais notáveis características do ser humano é a sua capacidade de sonhar. Fernando Gabeira, no entanto, acredita que, às vezes, sonhamos o “sonho errado”. Já Martinho da Vila disse que: “Sonhei que estava sonhando um sonho sonhado.” Alguns interpretam sonhos. Alguns outros tantos se encantam com os próprios sonhos e se despregam da realidade. Esta foi a posição defendida pelo Brasil em Bali, com a idéia de contabilizar a redução do desmatamento como crédito de carbono, ou algo que se lhe valha. Oniricamente poderia comparar a proposta brasileira ao policial que é encarregado de um determinado bairro no qual existe uma elevada taxa de homicídios e que reclama uma verba extra se os homicídios diminuírem, ou mais cinicamente diz que são os homicídios evitados, como se o exercício regular de sua profissão ficasse condicionado a um aumento de vencimentos.

O esdrúxulo da proposta brasileira pode ser identificado na resposta da Sra. Thelma Krug, secretária de Mudanças Climáticas do Ministério do Meio Ambiente e ex-vice-presidente do IPCC ao jornal O Globo: “Quem apóia o Brasil? Bem, Tuvalu está do nosso lado.” Sinceramente, isto lembrou-me a resposta de Carlos Alberto Torres quando perguntado qual seria a escalação do time do Flamengo: “Bigú e mais 10”. A questão importante a ser observada, em meu ponto de vista, é que desmatamento e queimadas, salvo algumas poucas exceções legais, são atos ilícitos perante o direito interno e, portanto, cabe ao governo combatê-los de ofício. As dificuldades encontradas pelo governo para combater tais práticas ilícitas e nocivas são conhecidas e, sinceramente, não dependem de uma contabilização como créditos de carbono para que sejam evitadas. Por outro lado, está embutida na proposta a admissão de uma taxa constante de queimadas e desmatamento, como se a administração só pudesse constatá-la e não combatê-la.

A posição brasileira, evidentemente, parte de um conceito de que a poluição atmosférica por CO2 é fruto da atividade industrial e, portanto, é majoritariamente da responsabilidade daqueles que se industrializaram primeiro. O que é, sem dúvida, uma realidade. O equívoco do raciocínio é que ele está sendo baseado no retrovisor e não no olhar à frente. Se existe um problema, a primeira coisa que precisamos fazer é encontrar os culpados. “Prenda os suspeitos de sempre”, diria o capitão Louis Renault. Um dos aspectos mais relevantes do antigamente chamado subdesenvolvimento, hoje paises “em vias de desenvolvimento” é o atraso mental. A poluição que já foi feita, não será desfeita. O que se pode é evitar nova poluição. Se reduzir as emissões de carbono de origem antrópica é uma meta, esta deve ser encarada como uma preocupação de todos e não de uma parte do grupo. Mais coerente, em meu ponto de vista. Seria a adesão às teses daqueles que sustentam que a emissão antrópica é desprezível se comparada com a natural.

Penso que não exista outra alternativa senão a construção de um mecanismo que seja capaz de estabelecer alguma proporção entre todos aqueles que contribuem no total da emissão de gases estufa, com vistas a assegurar que todos possam ir diminuindo suas participações. Não se deve esquecer, ademais, que o mecanismo de desenvolvimento limpo (MDL) é um instrumento bastante útil para acelerar desenvolvimento em outras bases e que ele está disponível para os países “pobres”, dentre os quais se inclui o Brasil que é uma das 20 maiores economias do mundo!

Estou absolutamente seguro que Bali é um lugar maravilhoso e que fazer turismo na ilha deve ser muito legal, mas francamente, para ficar ao lado de Tuvalu, a desculpa poderia ter sido outra.

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