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Um é pouco, dois é demais

Em quatro anos de governo, o Ministério do Meio Ambiente não teve uma política para o IBAMA. Soa estranho que agora se precise de uma Medida Provisória para enfrentar problemas.

3 de maio de 2007 · 17 anos atrás
  • Paulo Bessa

    Professor Adjunto de Direito Ambiental da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO)

A divisão do IBAMA, com a instituição do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade – Instituto Chico Mendes pela Medida Provisória nº 366, de 26 de abril de 2007 tem dado margem a muita discussão e polêmica. Um dos pontos relevantes que têm sido esquecidos no debate é que, evidentemente, a criação de uma autarquia não se reveste dos pressupostos constitucionais do artigo 62 (urgência e relevância), sendo portanto um ato arbitrário e contrário à soberania do Congresso Nacional; este último, contudo, seguramente não está se importando com o fato. Penso que a separação das atividades de licenciamento ambiental das de proteção da biodiversidade, em minha opinião, era uma medida que já se fazia necessária desde há muito. Neste aspecto, a iniciativa é bem-vinda.

O IBAMA acumulou uma série de tarefas para as quais, obviamente, não está preparado tecnicamente, ante a falta de recursos financeiros e humanos. A própria administração que agora divide o IBAMA foi a que criou uma diretoria para populações tradicionais, ampliou a burocracia dos recursos genéticos, lutou para que os transgênicos fossem submetidos ao licenciamento ambiental, criou uma grande quantidade de áreas protegidas, defenestrou servidores do órgão mediante ações policiais e muito mais. Ou seja, o Ministério do Meio Ambiente, ao longo de 4 (quatro) anos não teve uma política para o IBAMA, nem para as questões pelo órgão tratadas. Soa estranho que, agora, se precise de uma Medida Provisória para enfrentar problemas que, em quatro anos, poderiam ter sido tratados adequadamente e que a solução seja esfacelar o que veio sendo fortalecido.

Em meio a tal situação surge uma greve “em defesa” do Ibama e das suas atribuições e toda a diretoria se exonera em solidariedade ao ex-Presidente da autarquia que, segundo nos informa a Senadora Marina Silva permanece no cargo, ainda que em vias de substituição. Hoje já não se fala mais em nomear o Chefe da Polícia Federal para chefiar o IBAMA, ou o que resta dele. Com todo respeito ao profissional Paulo Lacerda que fora cogitado para o cargo, o seu perfil não é o mais adequado para tratar de licenciamento ambiental, a menos que a concepção que sustente a sua indicação,seja a de que o licenciamento é uma atividade praticada por bandidos que necessitam de polícia para controlá-los. Não me parece que seja o caso. Aliás, se houve uma tônica com relação ao IBAMA no governo Lula I, foram as ações policiais, a prisão de servidores e, do ponto de vista prático, muito pouco. O caso da prisão de uma alta autoridade do IBAMA em Mato Grosso demonstra cabalmente os absurdos cometidos.

Fala-se em uma crise devido à política ambiental. Na verdade, como já venho dizendo há algum tempo, não há política ambiental. Existem ações que são muito contraditórias entre si e que mantêm um único ponto de contato: a negativa pura e simples para qualquer medida que implique na implementação de projetos. Qual é a política ambiental aplicável à geração de energia no Brasil. Arrisco-me a responder: nenhuma. O Ministério do Meio Ambiente e o IBAMA conseguem ser ao mesmo tempo contra as hidrelétricas (em razão dos danos ao meio ambiente, ao alagamento, aos atingidos por barragens), contra as térmicas a gás natural (dificuldades crescentes no licenciamento de gasodutos, de perfuração de poços, do licenciamento das usinas), das térmicas a carvão (repercussão no efeito estufa), da geração nuclear (fantasma de Chernobil, rejeito de alta toxicidade) e se posicionam a favor das energias alternativas, como se elas fossem capazes de tocar uma economia como a do Brasil para diante. Certamente, as energias alternativas devem ampliar a sua participação em nossa matriz energética, mas achar que ao nível da atual tecnologia elas sejam capazes de fazer o serviço necessário é impressionante. Não podemos nos esquecer que parte dos problemas que temos com o gás natural boliviano foi incentivado pela ação dos órgãos ambientais que passaram a exigir gás natural em quase todas as indústrias, sem se preocuparem com o relevante problema da segurança energética.

Todas as questões que têm sido suscitadas pelas prováveis futuras hidrelétricas do Rio Madeira são bastante interessantes e merecem um exame isento. Não pretendo discutir o EIA/RIMA que foi produzido pelos empreendedores pois não o conheço e seria muito leviano ser mais um a entrar na turma dos palpiteiros. Aliás, em toda a questão o que menos importa é o conteúdo do EIA/RIMA, pois como se sabe, eles podem ser bons ou ruins, dependendo de quem os elabora. A questão é outra, ou melhor, as questões são outras.

Aparentemente, o EIA/RIMA está sendo produzido com vistas à concessão de uma Licença Prévia que, como sabem todos que militam nas questões do licenciamento ambiental, não dá direito ao início das obras. Assim, o fato de que um empreendedor tenha uma LP não indica que a construção das obras possa ser iniciada. Isto somente é permitido com a LI, ou licença de Instalação. Logo, a celeuma em torno da concessão de uma LP é muito exagerada e eu diria: despropositada. As Licenças ambientais são emitidas com as chamadas exigências ou condicionantes que são pontos que deverão ser observados pelo empreendedor, sob pena da Licença perder sua validade e não dar margem à emissão da licença subseqüente. Chegando-se ao limite do raciocínio, um empreendimento já construído (implantado) poderá não funcionar caso não tenha observado às condicionantes da LI, não fazendo jus à LO.

O ponto que me parece relevante é que, ao receber o processo de licenciamento ambiental, o órgão ambiental faz um exame preliminar da viabilidade do empreendimento e, portanto, admite examinar a obra de forma mais detalhada. Não se esqueça que hidrelétricas e outros empreendimentos de infra-estrutura são obras que não se fazem da noite para o dia. Assim, se haverá ou não haverá assoreamento do lago da barragem, se os sedimentos irão para a Bolívia ou não e, por fim, se o bagre terá dificuldades, são questões que podem ser definidas até a emissão da Licença de Instalação sem qualquer problema. Aliás, podem ser condicionantes da LP que se não forem solucionadas em determinado prazo poderão implicar na negativa de fornecimento da LI. Cuida-se de uma simples medida de bom senso e de “pensar a favor”.

O episódio de agora, que acabou nos legando “dois IBAMAS”, com tudo o que isto representa, para o bem e para o mal, demonstra que a desinformação em termos ambientais é uma constante. Os impactos ambientais efetivos somente podem ser conhecidos com o detalhamento do projeto, o que permitirá, também, o detalhamento das medidas mitigadoras. Já falei de Tellico Dam nesta coluna. Nós agora temos o nosso snail darter.

O Ministro Silas Rondeau, com clareza acachapante, diz que a necessidade de energia implicará na adoção de novas medidas, tais como as térmicas ou as nucleares. Por mais dura que seja a intervenção dele, ela é rigorosamente verdadeira. Infelizmente, energia das marés, eólicas, solar e tantas outras formas alternativas quantas existam, não são capazes de gerar a quantidade de quilowatts necessária ao país com preços aceitáveis. O Ministro demonstrou com segurança, que o órgão ambiental acaba gerando uma ação anti-ecológica por “proteger” o meio ambiente.

Até onde se sabe, as hidrelétricas projetadas para o Rio Madeira são as chamadas a fio de água, com lagos pequenos e com menor impacto ambiental. Talvez o impacto possa ser mais reduzido, ainda. Não sei e não é da minha competência sabê-lo. Contudo, impacto sempre haverá. O importante é comparar tais impactos com outros produzidos por outras fontes, levar em conta os custos e, finalmente, definir a melhor opção entre as disponíveis. É parte da política ambiental de um governo “facilitar” determinados licenciamentos em detrimento de outros, tendo em vista o tipo de atividade que a Administração quer incentivar. O Ministério do Meio Ambiente quer incentivar as térmicas? Do meu ponto de vista, tudo bem. Mas a opção deve ser explícita e clara. Porém, os problemas do licenciamento se repetem em todo e qualquer licenciamento, pois todos têm as mesmas dificuldades. E, certamente, a maior dentre todas as dificuldades é a incapacidade do órgão ambiental em dizer sim ou não rapidamente.

A demora do licenciamento, a insegurança de sua condução, a transformação do licenciamento em instrumento de política social, gerando compensações muitas vezes absurdas e sem qualquer finalidade, são medidas cujo único resultado prático e objetivo é gerar a insegurança, a incerteza e, seguramente, a busca de caminhos heterodoxos e pouco usuais para a solução de conflitos. A crítica ao licenciamento ambiental, tal como vem sendo a prática brasileira, de meu lado, não se confunde com uma apologia ao fim do licenciamento ambiental. Tal solução seria pior do que o que hoje temos. O que necessitamos é que o licenciamento ambiental seja um processo administrativo regulado em lei, com direitos e obrigações para as partes, com participação comunitária, discussão séria sobre os temas e marcha para frente.

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