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Oliver Twist

O novo filme de Roman Polanski traz cenas que lembram algumas das desgraças cotidianas em centros brasileiros. Parece que ainda vivemos como a Londres de 1850.

22 de dezembro de 2005 · 18 anos atrás
  • Paulo Bessa

    Professor Adjunto de Direito Ambiental da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO)

As recentes notícias sobre grandes derramamentos de produtos químicos em rios da China que vieram à baila nas últimas duas semanas me trouxeram à mente as cenas do excelente filme Oliver Twist, dirigido por Roman Polanski, que se encontra em cartaz na cidade do Rio de Janeiro. Além de uma história muito bem contada e da esplendorosa atuação de Ben Kingsley, o filme traz muitos ensinamentos para quem se preocupa com o meio ambiente. Em algumas cenas do filme parece que estamos vivendo na cidade do Rio de Janeiro do ano 2005: rios sujos de esgoto, mendicância nas ruas, pequenos furtos, exploração de menores por espertinhos, gigolotagem, prostituição, pivetes e tudo aquilo que infelizmente, ocorre em boa parte de nossa cidade. Certamente, a Londres de Dickens, em começos do século XIX, era uma cidade que passava por um enorme crescimento econômico, com as distorções que lhes foram inerentes, como a maciça chegada de migrantes do campo que, sem qualificação profissional e sem emprego, engrossavam as levas do chamado exército industrial de reserva, servindo para baixar o preço da mão de obra. Como pano de fundo da história se encontra a Lei dos Pobres de 1834, que realçava o papel dos internatos profissionais para os jovens órfãos pobres.

O fato econômico relevante, naquela época, era a acumulação de capital feita sob muita repressão e trabalho praticamente forçado, com o direito penal exercendo um importante papel como “contratador de mão de obra”. A Inglaterra passou por um crescimento alucinante: Londres teve a sua população quadruplicada, desde o início até a primeira metade do século XIX. As conseqüências de tal crescimento desequilibrado rapidamente se fizeram sentir: a taxa de mortalidade entre os anos 1831 e 1844, em Birmingham passa de 14.6 para 27.2 por mil habitantes; de 16.9 para 31, em Bristol; de 21 para 34.9 em Liverpool. A população britânica aumentou de 9 milhões para 18 milhões. A riqueza nacional triplicou entre os anos de 1801 e 1851. A presença da indústria na riqueza nacional se ampliou fortemente, chegando a cerca de 40% do total. Tudo isso teve um custo social e ambiental que o filme retrata para aqueles que souberem ver.

Nos chamados países “em vias de desenvolvimento”, o filme se repete: agora como farsa, não como tragédia. Na China do século XXI, o processo de acumulação primitiva de capital está se reproduzindo de forma quase tão brutal quanto aquela que se passou na Inglaterra. Só que sob a direção do “proletariado”. A diferença significativa é que se Charles Dickens fosse chinês estaria preso ou, na pior das hipóteses, teria sido condenado à morte por fuzilamento, mandando-se a conta do projétil assassino para a família do infeliz escritor. O crescimento chinês é vertiginoso e, igualmente vertiginosa é a degradação ambiental que vem sendo produzida paralelamente ao aumento das atividades industriais. A dramática necessidade de energia para sustentar o “desenvolvimento” chinês fez com que, em 1993, tivesse início a construção da Hidrelétrica de Três Gargantas, projeto polêmico por excelência e que tem merecido muitas críticas.

A emissão de CO2 chinesa é crescente. A acumulação primitiva chinesa faz com que o país possa “competir” no mercado de forma “favorecida” visto que não internaliza em seus produtos os custos sociais e ambientais de suas ações, isto para não falarmos da rapinagem pura e simples de marcas e produtos. Todas essas questões passam ao largo do raciocínio (?) de nossa companheirada que já chegou a falar em “mercado comum com a China”. Deve ser para “acirrar as contradições” e acabar de vez com o que ainda resta da economia brasileira que vem sofrendo um processo de “desindustrialização” acelerado e retornando ao status de país tipicamente agrícola. É na base de destruição do meio ambiente, salários de fome e repressão às liberdades civis que se faz o “crescimento” chinês.

Quase duzentos anos depois, vemos que Londres desenvolve um vigoroso projeto de despoluição do Rio Tâmisa e investe na proteção do meio ambiente. Apesar do Tatcherismo (Reaganomics) tão bem cantado em seus aspectos sociais pelo Simply Red (1), o fato é que, hoje, a visão ambiental da Inglaterra e dos países desenvolvidos é bastante diferente daquela de 200 anos atrás. Isto faz com que uma questão relevante se coloque ante nossa indagação: pode haver outro padrão de crescimento econômico? É possível desenvolver e não apenas crescer?

Postura brasileira

O Brasil, considerando-se os dados referentes ao século XX, foi um dos países que alcançaram as maiores taxas se crescimento econômico durante toda a centúria. O crescimento populacional foi exponencial, a urbanização, a migração rural e os problemas correlatos. A poluição gerou situações como Cubatão, Cidade dos Meninos, lixões, poluição de rios e lagos. Tais questões foram um pouco abrandadas em função de algumas intervenções governamentais e, principalmente, pela desaceleração da atividade econômica que vem se verificando no Brasil nos últimos 25 anos. Ainda que, “nunca o país tenha crescido tanto”, o “espetáculo de crescimento” é uma piada de mau gosto que só produz sorrisos amarelos.

O desafio que se coloca para o nosso país no século XXI é bastante claro: não reproduzir o modelo de “crescimento” disponível. É uma tarefa árdua, visto que mesmo os chamados países de “socialismo real”, nada mais fizeram do que reproduzir a acumulação primitiva de capital, com métodos muito mais violentos e repressivos e com resultados econômicos pífios. A brutalidade de Stalin e Mao Tsé Tung só gerou lágrimas. O Brasil está preparado para o desafio? Do ponto de vista retórico, indiscutivelmente. Do ponto de vista concreto, não. Retoricamente, temos os instrumentos legais mais ou menos apropriados; temos uma estrutura administrativa relativamente organizada; há uma sociedade civil que, de uma forma ou de outra, cobra resultados. Entretanto, ainda falta muito. Não falarei desta bobagem que se repete acriticamente: a tal vontade política. Se algo não acontece é por falta de “vontade política”. Seja lá o que for esta tal vontade política, não me parece que a questão possa se resumir a ela. O problema é que não temos planejamento econômico de longo prazo e, portanto, não podemos implementar uma política ambiental que seja capaz de entender as necessidades prementes do desenvolvimento, com as igualmente prementes necessidades de defesa do meio ambiente.

Os nossos órgãos de controle ambiental, devido à falta de uma política a ser implementada, perdem tempo com bobagens impressionantes. Já falei aqui da história do papagaio da minha amiga. Um dos últimos capítulos da novela é a “exigência” de que ela leve ao órgão ambiental uma escritura passada em cartório que ateste a idade do bicho. Ante a inexistência de mecanismos concretos de incentivos à utilização de tecnologias mais limpas, aperta-se o comando e controle das empresas licenciadas, muito embora a maioria delas não exista para os órgãos de controle ambiental. Por falta de política urbana, aceita-se que favelas ocupem encostas, devastem morros, mas não se admite que legalmente se construa em encostas, com a utilização de parâmetros urbanísticos e ambientais seguros.

Já vimos o que aconteceu em muitos países. Não aprender com os erros e acertos deles é indesculpável e terá um preço muito alto. É hora de deixar de lado o palavrório vazio e, silenciosamente, fazer e implementar as alternativas corretas. Precisamos sair da condição da Londres do século XIX.

1. I’ve been laid off from work my rent is due/My kids all need brand new shoes/So I went to the bank to see what they could do/They said Son looks like bad luck got a hold on you/Money’s too tight to mention/I can’t get an unemployment extension/Money’s too tight to mention/I went to my brother to see what he could do/He said Brother I’d like to help but I’m unable to/So called on my father, father

Almighty father, he said/Money’s too tight to mention/Oh money money money money/Money’s too tight to mention/I can’t even qualify for my pension/We’re talking ‘bout reaganomics/Oh lord down in the congress/They’re passing all kinds of bills/From up there on capitol hill, we’ve tried it/Money’s too tight to mention/Oh money money money money/Money’s too tight to mention/Cutbacks!

We’re talking ‘bout the dollar bill/And that old man who’s over the hill/Now what are we all to do /When money’s got a hold on you/Money’s too tight etc.We’re talking ‘bout money moneyWe’re talking ‘bout money money/I’m Talk ‘bout Ronnie Ronnie/Did The Earth move for you Nancy/Yeah, I’m Talk Nancy Yeah, I’m Talk Money/ Money, Money, Money, Money !/ Money’s Too Tight

Money’s too tight to mention.

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