Colunas

A desocupação do Parque Nacional do Iguaçu

A saída de 400 famílias do Parque Nacional do Iguaçu é exemplo de que com respeito e muita conversa é possível remover quem vive indevidamente em unidades de conservação.

3 de julho de 2007 · 17 anos atrás
  • Maria Tereza Jorge Pádua

    Engenheira agrônoma, membro do Conselho da Associação O Eco, membro do Conselho da Fundação Grupo Boticário de Proteção à Nat...

Como é de conhecimento público, o V Congresso Brasileiro de Unidades de Conservação foi realizado em junho deste ano no Parque Nacional do Iguaçu. Lá estávamos todos nós, os mal chamados de “parquistas”, naquele Parque que abriga entre outras maravilhas as estonteantes Cataratas do Iguaçu, as mais belas do mundo, indubitavelmente. Lembrei-me, então, de ter de contar, porque presenciei e participei, com quase nenhum dado bibliográfico, ou algo mais concreto, como se desocupou e se salvou o Parque Nacional do Iguaçu, na integridade de seus 185 mil hectares, em fins da década de 70.

O Parque Nacional do Iguaçu foi o segundo estabelecido no Brasil, em 1939, embora fosse proposto por Santos Dumont em 1916. Como é fácil de constatar, hoje em dia representa o último grande remanescente protegido terra a dentro no estado do Paraná, cercado de soja e outros cultivos e de povoados por todos os lados. Sofreu, ao longo de sua breve história, sérias ameaças, sendo a mais recente a insistente reivindicação da abertura da estrada do Colono, que felizmente foi rechaçada, após ferrenha luta. No entanto, ainda é palco de extração de palmito, caça e outras ilegalidades, mas nada tão sério como foi a ocupação de 12 mil hectares da sua extensão por mais de 400 famílias há mais de 30 anos.

Naquela ocasião, até mesmo renomados ambientalistas não acreditavam na viabilidade de desocupar esses 12 mil hectares do Parque. Os ocupantes eram formados por uns poucos pequenos agricultores com direitos reais de posse e muitos invasores recentes. Mais, até duas grandes empresas rurais se contavam entre os ocupantes. Os ambientalistas, desesperados e no afã de salvar algo, propuseram ao então Instituto Brasileiro de Desenvolvimento Florestal (IBDF), responsável pelos Parques Nacionais na ocasião, o desmembramento do Iguaçu. As Cataratas seriam categorizadas como Monumento Natural, a área ocupada ou invadida seria liberada para os agricultores e suas famílias e o restante da área seria categorizado como Reserva Biológica, ou seja, submetida ao mais elevado nível de preservação. Essa decisão cercearia a área e a faria muito mais susceptível à erosão genética e a outras ameaças.

Felizes daqueles que ainda acreditam em milagres na área ambiental. Um pequeno grupo de funcionários muito novatos pertencentes à minimizada repartição do IBDF que por então era responsável das unidades de conservação não se rendeu e partiu para a briga. Não contra os ocupantes da área do Parque que pretendiam salvar, porém contra a inércia do setor público, a descrença de políticos e governantes e a falta de coragem daqueles ambientalistas experimentados. Ante o determinismo que repetia incansavelmente ser impossível a desocupação de Iguaçu sem mortes e medidas de força, os funcionários rebeldes argumentaram que existia outra opção: a do diálogo com os invasores e o trato justo e eqüitativo de suas legítimas aspirações. Assim, com muito esforço, convenceram o Incra de então colaborar na remoção dos colonos, que seria feita sem traumas e com compensações adequadas, com terra titulada fora da área do Parque Nacional, nas suas imediações, com suporte de assistência técnica e insumos.

E pasmem, conseguiram. Todos os ocupantes saíram. Todos foram indenizados e obtiveram terra boa nas proximidades do Parque Nacional do Iguaçu. Está bem que na época medidas como essa eram bem mais fáceis que hoje. Mas o sucesso foi conseqüência da decisão de fazê-lo com muito cuidado e respeito aos agricultores. Os ocupantes chegaram a ficar muito contentes, pois os mesmos tiveram êxito na produção de soja no projeto OCOI, chegando mesmo a alcançar recordes de produção por hectare.

A afirmação corriqueiramente feita, no sentido de que se exercem medidas de força para a desocupação de áreas de Parques Nacionais e outras unidades de conservação de uso indireto, não procede, no caso do Brasil. Na grande maioria dos casos em que a desocupação de terras invadidas ou legalmente ocupadas foi feita, foi o produto de anos e até décadas de discussões com as populações afetadas. Só se procede à sua remoção com a anuência da imensa maioria deles e a participação plena de seus representantes ou líderes locais e com compensações indiscutíveis como aconteceu recentemente no Parque Nacional do Grande Sertão Veredas. Neste caso, uma vez mais, o êxito foi obtido com ajuda e participação do Incra. Através da reforma agrária, como instrumento, o Parque foi desocupado sem traumas e com benefícios evidentes para as cerca de 90 famílias que estavam no seu interior, morando em condições miseráveis devido à baixa qualidade da terra para o cultivo.

Imaginem se o Parque Nacional do Iguaçu tivesse sido extinto e no local existisse tão somente um Monumento Natural e mais além uma Reserva Biológica, entremeados por plantios de soja. Seguramente nesse quadro hipotético pode-se imaginar que, além do enorme prejuízo para o ambiente de se perder a integridade do Parque Nacional, a região como um todo teria perdido muito. As reservas biológicas não permitem o turismo nem a visitação e, por isso seus vizinhos não obtêm nenhum proveito direto ou evidente dessa categoria. O turismo seria menor, também, porque a importância da área teria sido muito reduzida e não teria o status internacional que hoje tem. Ter-se-ia menos empregos. A região seria mais poluída, tanto em termos de recursos hídricos, como visuais e do ar. Enfim seria bem mais pobre e menos bonita. O Parque Nacional do Iguaçu é o que recebe o maior número de turistas, dentre todos os 62 do Brasil e é a maior atração da região onde se insere.

A recomposição da mata nos 12 mil hectares desocupados é um testemunho do que acontece com a regeneração natural, quando se faculta que a natureza aja sem interferências humanas e quando há matrizes e condições climáticas para tal. Até para especialistas é hoje difícil perceber na mata daquele parque a área que foi usada pelos agricultores que foram reassentados.

Assim, porque técnicos e alguns dirigentes conseqüentes compraram a briga e muito mais, pois foram atrás de soluções criativas e aparentemente difíceis, mais difíceis ainda no mundo de hoje, dominado por representantes de populações tradicionais que parecem desejar que as mesmas continuem sofrendo para viver na base do extrativismo, se salvou o Parque Nacional do Iguaçu. Foi um ato corajoso, embora devesse ser de praxe, porque a pressão política e as ameaças estiveram muito presentes.

Ter a coragem de brigar pela integridade de áreas protegidas e fazer cumprir a legislação em vigor é dever dos funcionários do sistema e de todas as autoridades responsáveis, que, em geral, não enfrentam os problemas por simples apatia, por querer agradar a todos, ou para não perderem seus cargos comissionados. A vida sem luta não vale a pena. Lutar é viver.

É uma pena que a história da desocupação do Parque Nacional do Iguaçu não tenha sido devidamente registrada e que tenha se perdido no tempo. Nem mesmo seus planos de manejo registraram com propriedade a ocupação referida. Seria um excelente exemplo para que o pessoal hoje responsável pelas unidades de conservação do Brasil se inspirasse e passasse a protegê-las com responsabilidade, ao invés de propor sua dupla afetação, ou sua mudança de categoria, ou, ainda, sua simples extinção.

O ocorrido no Parque Nacional do Iguaçu seria ou deve ser um cala boca para aqueles que defendem os invasores em detrimento da proteção da biodiversidade, por pura demagogia ou desconhecimento de que se pode fazer a desocupação de áreas protegidas de uso indireto, com técnica e humanidade e que todos podem sair ganhando. Este foi o caso das 400 famílias removidas do interior do Parque Nacional do Iguaçu, que também ganhou e é hoje o Parque Nacional mais famoso e um dos mais bem implementados do nosso país.

Leia também

Salada Verde
19 de abril de 2024

Lagoa Misteriosa vira RPPN em Mato Grosso do Sul

ICMBio oficializou a criação da Reserva Particular do Patrimônio Natural Lagoa Misteriosa, destino turístico em Jardim, Mato Grosso do Sul

Salada Verde
19 de abril de 2024

Museu da UFMT lança cartilha sobre aves em português e em xavante

A cartilha Aves do MuHna, do Museu de História Natural do Araguaia, retrata 10 aves de importância cultural para os xavante; lançamento foi em escola de Barra do Garças (MT)

Salada Verde
19 de abril de 2024

ICMBio abre consulta pública para criação de refúgio para sauim-de-coleira

Criação da unidade de conservação próxima a Manaus é considerada fundamental para assegurar o futuro da espécie, que vive apenas numa pequena porção do Amazonas

Mais de ((o))eco

Deixe uma resposta

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.