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A cotia que atravessou o caminho da onça

Iguaçu precisa limitar velocidade na BR-469. Em média, morrem vinte animais por mês na rodovia. Assim como o rio, a fauna silvestre do Iguaçu está baixando.

13 de maio de 2009 · 15 anos atrás
  • Marcos Sá Corrêa

    Jornalista e fotógrafo. Formou-se em História e escreve na revista Piauí e no jornal O Estado de S. Paulo. Foi editor de Veja...

Com o diretor Jorge Pegoraro ao volante, o carro da administração rodava sem o menor sacolejo no asfalto amarrotado que leva às Cataratas do Iguaçu. Naquela hora da manhã, os portões do parque nacional ainda estavam fechados aos turistas. As cotias trafegavam pelo capim do acostamento, na borda da floresta, como se a estrada fosse delas.

Pegoraro dirigia devagar, contornando uma a uma as rugas da pavimentação. Vista assim, ninguém diria. Mas aquela é uma uma rodovia federal, a BR-469, entregue a uma dessas instâncias técnicas do governo que os políticos ocupam para adequar aos rumos e urgências do calendário eleitoral. O piso é sempre feito às pressas e dura um mandato. Acaba datado pelos sucessivos remendos, como uma linha do tempo em extratos geológicos.

Dia da caça

A qualidade do asfalto é uma das queixas que, como chefe do parque, Pegoraro mais ouve, descotado neste momento o clamor das agências turísticas contra a estiagem que secou antes do tempo a maior parte das cachoeiras, reduzindo o cenário espetacular do Iguaçu a um cânion de pedras nuas com a Garganta do Diabo ao fundo. Ali, o rio despeja de uma vez a água que sobra em sua calha.

Mas o diretor falava de outro assunto: o da onça-pintada que morreu atropelada semanas atrás, na unidade de conservação. A seca assusta e afugenta visitantes, mas sua lembrança será lavada na certa pelas chuvas da próxima primavera. E onça morta é problema irremediável. A baixa do mês passado pode ter reduzido em dez por cento a distância que separa a espécie do sumiço total no Iguaçu. Contam-se nos dedos, literalmente, as onças que vivem no parque.

Era um macho jovem, com seus cinco anos de idade. Estava em plena forma. O choque demoliu-o por dentro, causando hemorragia em órgãos vitais. Mas deixou intatos seus ossos. E, por fora, só uma escoriação no pelo da cabeça marcou o ponto em que o corpo raspou o asfalto. Virou uma peça perfeita para a taxidermia.

Mas não é bem disso que o parque precisa. Ele precisa, antes de mais nada, de um limite sério de velocidade na BR-469, e contra isso conspira a grita permanente da ala pró-asfaltamento. Em média, morrem vinte animais por mês em sua rodovia. E, como o rio, a fauna silvestre do Iguaçu está baixando – no caso, de maneira lenta, meio invisível e potencialmente definitiva. No dia em que o parque não tiver mais onça, começará o declínio de sua floresta. E, sem a floresta, ele corre o risco de se transformar num mafuá aquático, como o de Niágara. É pouco futuro, para quem nasceu Iguaçu.

No quilômetro 26, Pegoraro aponta o lugar onde a onça caiu. Um barranco baixo e quase a prumo separa, naquele trecho, a mata do asfalto. Pela impressão das patas dianteiras na beira do asfalto, chegou à pista num único salto, saindo do escuro, no meio da noite. Não era o dia da caça. Só seis carros passaram pela entrada do parque naquela hora, incluindo um ônibus que trazia de um jantar na cidade hóspedes do Hotel das Cataratas. Ele ficou sendo o principal suspeito. Mas o inquérito policial não conseguiu achar o culpado.

Conhecer o local do crime dá a tentação de pôr um ponto final na história, como obra da fatalidade. Até que, de repente, uma cotia se assusta e atravessa a estrada, bem na frente do carro. Pegoraro freia. A cotia some por um instante embaixo do párabrisa e reaparece adiante na moldura da janela lateral, ilesa, correndo livre para o mato. A manobra durou menos de um segundo. Tempo de sobra para demonstrar de uma vez por todas por que só profissionais da conservação deveriam dirigir em parques nacionais.

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