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A estréia do Enem na luta pela Amazônia

É melhor rir das bobagens que os secundaristas escreveram sobre meio ambiente na prova do Enem do que ouvir calado o que as autoridades brasileiras ensinam sobre a matéria.

8 de maio de 2009 · 15 anos atrás
  • Marcos Sá Corrêa

    Jornalista e fotógrafo. Formou-se em História e escreve na revista Piauí e no jornal O Estado de S. Paulo. Foi editor de Veja...

Saiu mais uma edição das pérolas do Exame Nacional do Ensino Médio. Este ano, na série de antologias do humor involuntário, traz uma seleta de bobagens sobre o meio ambiente. E gravita pela internet na órbita do Enem como a cauda luminosa de um cometa.

Ela é, de novo, tão engraçada que não parece autêntica, mas uma caricatura feita por profissionais do riso, do tempo em que Stanislau Ponte Preta assinava o Efebeapá. É engraçada demais para ser obra de amadores. E, como diria o presidente Lula, vem carregada daquela “transcendência incomensurável” típica das idéias que brigam com os fatos que acabaram de encontrar pela primeira vez, na fronteira remota e bravia do conhecimento humano.

Escolas e gabinetes

Mas as gafes do Enem pelo menos provam que o problema do desmatamento finalmente deve estar rondando as salas de aula no ensino secundário, o que nem sempre se pode dizer dos gabinetes de Brasília. Para quem vai se acostumando a encontrar quase diariamente nos jornais a campanha do ministro Reinhold Stephanes contra o Código Florestal, onde ele prega com todas as letras que os agricultores brasileiros só produzem porque não cumprem a lei, exagero de secundarista é coisa que eleva e consola.

Que mal faz um aluno escrever que “a Amazônia está sofrendo um grande, enorme e profundíssimo desmatamento devastador, intenso e imperdoável”, se o presidente da República pode resumir a complicação de uma licença ambiental como o caso da perereca que atrasou a construção de um viaduto? “Aí teve que contratar gente para procurar perereca, e procure perereca, e procure perereca…” é o tipo da frase que não faria feio numa seleta do Enem.

No exame, teve gente querendo que o desmatamento “seja instinto”. E “a fonte de inlegalidade e distruição da froresta amazonia”. Ou achando que sua principal vítima é “a vida ecológica”. Não é bem assim. Mas, procurando bem, dá para vislumbrar um lampejo de verdade, ou pelo menos de boa intenção, no escuro da selva ortográfica. Por baixo do sermão da perereca, tudo o que se encontra é balela pura.

No Enem, um radical propôs “destruir os destruidores porque o destruimento salva a floresta”. Pode não ter razão. Mas foi menos subversivo do que o ministro Stephanes. Afinal, “a floresta tá ali paradinha no lugar dela e vem o homem e créu”. E não haveria melhor programa contra o desmatamento do que a idéia lançada no teste de que se passe a explorar a floresta “sem atingir árvores sedentárias”. Se essa recomendação fosse cumprida à risca, as madeireiras morreriam de inanição. Basta, de fato, proteger as árvores sedentárias. As outras árvores que tratem de fugir da motosserra com suas próprias raízes.

A preservação da Amazônia plantou no currículo a noção de que a floresta tem, literalmente, “valor ilastimável”. E os atentados que sofre, “percussão mundial”. Ela está “sendo devastada por pessoas que não tem senso de humor”, o que é muito provável, porque todo pirata é, por tradição, mal-encarado. Os alunos aprenderam que “a cada hora muitas árvores são derrubadas por mãos poluídas, sem coração”, o que é incontroverso. E que “várias Ongs já se estalaram na floresta”.

Apesar da difamação oficial da perereca anti-PAC, a meninada bem que tentou defender a fauna, levando em conta que a Amazônia “tem muitos animais: passarinhos, leões, ursos etc.” e, ao mesmo tempo, “está cheia de animais já extintos”. No fundo, tudo pode ser tão simples como na fábula da perereca: “Tem que parar de desmatar para que os animais que estão extintos possam se reproduzirem e aumentarem seu número respirando um ar mais limpo.” Senão, “o que vamos deixar para nossos antecedentes?”

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