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Faltou explicar o teorema de Stephanes

O mais espantoso na discussão do ministro da Agricultura com o do Meio Ambiente é que, à primeira ordem de fechar a boca, eles se calaram como alunos em sala de aula.

30 de janeiro de 2009 · 15 anos atrás
  • Marcos Sá Corrêa

    Jornalista e fotógrafo. Formou-se em História e escreve na revista Piauí e no jornal O Estado de S. Paulo. Foi editor de Veja...

Governo, por dentro, deve ser uma coisa muito boa. Ou não daria para entender por que os ministros Carlos Minc e Reinhold Stephanes, à primeira ordem para calar a boca, puseram a viola no saco. São dois homens feitos. Estavam metidos num debate em que, pelo menos, o assunto era muito sério. Divergiam tanto em suas opiniões que, se um deles chegasse a provar que estava certo, o outro estaria tão errado que não lhe restaria outro caminho senão o da porta de saída. E sua exaltação parecia sincera.

Mas emudeceram como meninos apanhados pelo bedel conversando em sala de aula. Minc, pelo menos, defendia a lei. E engole, no Ministério do Meio Ambiente, contratempos que entalavam dramaticamente na goela da antecessora Marina Silva. Mas o ministro da Agricultura, Reinhold Stephanes, provocou a discussão para mudar a legislação vigente. Estava em campanha para alterar o Código Florestal, alegando que os agricultores brasileiros, principalmente os pequenos, são incapazes de se manter na parte que lhes cabe em seus minifúndios, sufocados pelo arame farpado dos dispositivos que protegem as matas e as águas de suas propriedades.

Código Florestal

Até onde deu para acompanhar seu raciocínio, antes de baixar o silêncio, ele sustentava que, na prática, 20% de pequenas propriedades são mais do que 20% das grandes, quando se trata de definir reservas. Ou coisa que o valha. O argumento era complicado demais para ser digerido pelo senso-comum à primeira leitura de jornal. E daí? O último teorema de Fermat também é e nem por isso os matemáticos se calaram sobre ele nos últimos trezentos e tantos anos.

O ministro deixou as dúvidas no ar, como se elas se demonstrassem por si mesmas. Também não lhe deram tempo de esclarecer como o Código Florestal caiu sobre os produtores rurais sem aviso prévio, querendo de uma hora para outra fazer a legislação ambiental retroagir sobre seus direitos adquiridos. O código pode ser uma lei tardia. O Brasil remanchou tanto para adotá-lo, que ele, quando enfim furou a casca, veio datado de janeiro de 1934 num Diário Oficial de 1935.

De lá para cá, sofreu remendos periódicos. Mas, essencialmente, em seus artigos originais já capitulava entre as infrações ambientais, passíveis de multa ou cadeia, certas tradições rurais que nunca chegaram a ser abolidas, como botar fogo em florestas para ampliar a fronteira agrícola, desmatar encostas ou arrasar a vegetação na beira de rios, lagos e estradas. Logo, há 75 anos, quem faz isso aposta que a lei nunca irá pegá-lo. Só pode se queixar de que foi apanhado desprevenido pelo Código Florestal quem estava derrubando mato antes que ele mandasse parar.

Exemplo do Paraná

Ou seja, tem que ser um agricultor, pequeno ou grande, para lá de octogenário. Quantos produtores rurais ainda ativos se enquadram nessa moldura cronológica, só o Stephanes deve saber. Presume-se que sejam muitos, para justificar a urgência do ministro em aliviar um sufoco que vem dos anos 1930, quando seu estado, o Paraná, ainda estava debaixo de florestas praticamente contínuas, do litoral ao extremo oeste.

Lá, por sinal, está em curso o Sistema de Manutenção, Recuperação e Proteção da Reserva Florestal Legal e Áreas de Preservação Permanente. Nasceu no governo Jaime Lerner, depois, grandes fazendeiros paranaenses perderam, na Justiça, um recurso contra os tais 20% do Código Florestal, que o ministro da Agricultura acha incompatíveis com a produção e a prosperidade no campo.

O sistema estadual tenta fazer com que o impasse se resolva devagar, dando um prazo de 20 anos aos agricultores para se adaptar à lei, andando para frente, em vez de exigir que a lei se adapte aos agricultores, recuando até onde eles se encontram. Aplica-se a todos os donos de terra, grandes e pequenos. Propõe a reposição gradual dos 20% de reservas que eles descumpriram, ao ritmo de 1% ao ano. Sem dar esse passo, eles não podem licenciar, no Instituto Ambiental do Paraná, a compra, a venda, a transmissão por herança ou arrendamento das propriedades. Enquanto espera os ajustamentos, não penaliza diretamente a exploração produtiva da terra.

Mais conciliatória do que essa, é difícil imaginar outra proposta de ajustar os infratores à lei. Mas, embora seja catarinense de nascimento e paranaense na política, o ministro aparentemente está convencido de que ela não serve para o Brasil. Deve ter lá suas razões. Quais são, os brasileiros não podem saber, com ele de castigo em sua cadeira. Logo, estão convidados a supor o que quiserem – como faz este artigo.

Octogenários do campo

Podem por exemplo, lastimar a sorte dos octogenários, que foram varridos para a ilegalidade pelo Código Florestal e lá ficaram, mourejando de sol a sol, convertidos à ilegalidade por seu trabalho honesto, sob a tutela de autoridades que criam leis ambientais retroativas, vendo seus 20% de reservas crescerem vorazmente para cima dos 80% de suas lavouras.

Ou não era bem isso que ele queria dizer. Mas, agora, tanto faz. Se ele mesmo não se importa em esclarecer o que dizia, cada brasileiro pode interpretá-lo como bem entender. Há riscos em ser obsequioso, dizia o príncipe Hamlet, o clássico das intrigas palacianas.

Digamos que Stephanes abandonou sem luta seus octogenários no campo, para não provocar vagalhões internos, numa hora em que o governo está às voltas com a marolinha da crise econômica internacional. Nem assim, seria justo. Quem desmatou suas terras na vigência do código não merece muita consideração. Mas os velhinhos de Stephanes não merecem que ele engula seus argumentos, só porque o Palácio do Planalto o amordaçou com o artigo 12 do Código de Conduta da Alta Administração.

Este, sim, é um Código arbitrário e cabalístico. Contorceu-se todo para enquadrá-lo, invocando um dispositivo mais traiçoeiro que os 20% do Código Florestal. Em princípio, o artigo 12 veda às autoridades “opinar publicamente a respeito da honorabilidade e do desempenho funcional” das outras.  E isso, até o onde deu para ouvi-los, Minc e Stephanes não estavam fazendo, quando baixou a lei do silêncio. Se o governo da metamorfose ambulante não tem um ponto de vista definitivo sobre o Código Ambiental, ou sobre qualquer problema nacional, cada ministro pode ter o seu. E é preferível não chocar as divergências no silêncio dos gabinetes.

Stephanes, não só porque teve a iniciativa de abrir a polêmica, como por ter seus velhinhos a legalizar, deveria se empenhar, antes de mais nada, na reforma do Código de Conduta da Alta Administração, antes que a Alta Administração se agache de novo. Mudá-la é mais urgente do que atualizar o Código Florestal, para abolir um artigo que implica a humilhação pública de ministros, botando-os de castigo por crimes de opinião. Os octogenários do campo na certa saberão reconhecer a grandeza do gesto. PI.

PI é Ponto de Ironia. À falta de um sinal próprio, ele passará a ser usado nesta coluna para evitar que se leve o autor ao pé da letra. O político Carlos Lacerda dizia que ele era indispensável à língua portuguesa. Podia estar exagerando nisso, como em tudo. Mas não se pode negar que o tal ponto de ironia faz mais falta que as reformas ortográficas, tão insistentes quanto as do Código Florestal.

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