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O futuro pode ser a idade da pedra

A falência ambiental faz treze municípios do Rio de Janeiro viverem quebrando pedra. Em notícia da própria Assembléia Legislativa e comentários do deputado Jorge Picciani.

27 de novembro de 2008 · 15 anos atrás
  • Marcos Sá Corrêa

    Jornalista e fotógrafo. Formou-se em História e escreve na revista Piauí e no jornal O Estado de S. Paulo. Foi editor de Veja...

A RA, revista publicada desde o ano passado pela Assembléia Legislativa do Rio de Janeiro, traz em seu último número uma bela reportagem sobre a chegada do noroeste fluminense à idade da pedra rachada. Essa notícia não é tão curiosa quanto o fato, em si, de que os deputados estaduais, esparramando-se num conglomerado jornalístico, já têm até revista. O que a torna irresistível é o título: Futuro Lapidado.

Pelo tom, parece que vem mais uma jóia do empreendorismo nacional. Não é bem isso. Trata-se de uma história contada em oito páginas com louvável objetividade, pela RA,  cobrindo vários lados da ruína ambiental de 13 municípios que, tendo devorado tudo o que era possível tirar de seus territórios, roem atualmente sua ossada mineral. Tudo aquilo foi região cafeeira até meio século atrás. Quando o solo se esgotou, subiu as encostas desertadas pelo café um gado rústico, apto a ruminar tufos de capim seco em pastos calvos.

Pedra pura

De vinte e poucos anos para cá, nem esse boi pé-duro agüentou. E o futuro a economia local foi tomando outra forma, mais bruta. Sem matas e com os campos depenados, bastava correr os olhos pelos morros para ver no substrato exposto, os recursos naturais faiscando no chão tostado. Era pedra limpa, pronta para o corte.

Os fazendeiros chegaram a esse tesouro pelo mesmo desvio que em priscas eras levou os nativos da ilha de Páscoa, isolados no meio do Pacífico, ao canibalismo. Primeiro, eles se livraram de todas as árvores em seu território. Sem madeira, não tinham mais barcos para pescar. Privados do peixe, passaram a comer ratos silvestres, em terra firme. Até deixarem nos sítios arqueológicos vestígios de carne humana, que entrou em sua dieta à medida que a civilização da escassez ganhava terreno.

No caso do estado do Rio, felizmente, havia as pedras. Elas hoje empregam seis mil pessoas, rendem 75 milhões de reais por ano e sustentam 300 pedreiras. Como declarou o ex-lavrador José Mauro à RA, “pedra é muito melhor”. Seu único inconveniente é a informalidade. Dois terços dos trabalhadores que ela emprega – por exemplo, “a R$ 2 por metro quadrado de lajotas rachadas à mão” – nunca viram a côr de uma carteira assinada. Raros usam botas, luvas, capacetes e outros equipamentos de segurança. Ou, pelo menos, “têm o primeiro grau completo”.

Licenciamento ambiental

E, produto de uma imprevidência apocalítica, a indústria da pedra nasceu poluente e relaxada. Quando o Ministério Público resolveu legalizá-las, 30 empresas locais não tiveram salvação. Sem contar que “havia um grande número operando na clandestinidade”. Outras 155 assinaram termos de ajustamento de conduta, para continuar funcionando. E com isso seus pequenos empresários, que nisso pelo menos se comportam como os grandes, ganharam o direito de se queixar que seu “grande gargalo é o licenciamento ambiental, que demora a sair”.

Mas nada disso valeria a leitura da revista, se a reportagem não viesse escoltada pelo editorial do deputado Jorge Picciani, em pessoa. Como presidente da Assembléia, ele apresenta a história como um atestado da “recuperação econômica dos municípios fluminenses, por obra e graça do Legistativo, e um exemplo de “solução encontrada para os problemas ambientais gerados pelo desenvolvinento do setor”.

Fala de cátedra. Legítimo representante da auto-complacência brasileira, Picciani também é pecuarista. Tem fazendas no estado do Rio e no Mato Grosso. Há cinco anos, a Polícia Federal apanhou-o em flagrante de trabalho escravo, nas terras de São Félix do Araguaia. Usava essa mão de mão-de-obra semi-cativa para fazer desmatamentos ilegais. Por sorte, um dos contratados tinha só 17 anos, e essa irregularidade extra valeu-lhe a prerrogativa de responder ao processo sob segredo de Justiça, porque o caso envolvia um adolescente.

Ele andava esquecido. Agora a RA, por tabela, destampou-o. Ponto para a revista, que deu mostra de independência editorial. Sua equipe garante que a a Casa não interfere em suas páginas. Mostrou, portanto, que a  política brasileira não precisa de denúncias. Seus artefatos de propaganda, pela variedade e abundância, já dão de sobra para informar e até alertar a opinião pública.

Resposta do deputado Jorge Picciani

Caro jornalista Marcos Sá Corrêa,

Sabedor do seu prestígio e reputação de profissional sério no meio jornalístico, confesso minha surpresa ao ler seu artigo “A propaganda política ataca outra vez”, publicado hoje, dia 26 de novembro, no jornal O Estado de S. Paulo. Nele, o senhor se utiliza de informações contidas numa matéria da última Revista da Alerj, que trata da atividade de extrativismo de rochas no Noroeste Fluminense, para me atacar do ponto de vista pessoal.

Não pretendo entrar no mérito da reportagem da revista, pois percebo que o senhor já a leu atentamente – tanto, que tirou dali todos os dados para o seu artigo. Portanto, pôde perceber que, ao tratar da principal atividade econômica da empobrecida região Noroeste do Estado do Rio – e que gera empregos para uma população que, na falta de alternativas, talvez estivesse hoje passando fome –, a matéria não deixou de abordar as dificuldades e os esforços feitos para que o setor trabalhe em sintonia com as legislações ambiental e trabalhista. 

No entanto, o que me realmente me causou estranheza foi perceber que o senhor usou desta reportagem para trazer de volta um assunto do qual a Justiça já me absolveu há tempos, usando informações que não correspondem á verdade.

Saiba o senhor que eu não respondi nem respondo a nenhum processo sob acusação de manter trabalhadores em regime de escravidão. O assunto não anda “esquecido”, como o senhor diz em seu artigo, pelo fato de ele estar correndo em segredo de Justiça. A denúncia feita contra mim sequer foi aceita pela Justiça, 01 porque o Ministério Público concluiu que, ali, também eu fui vítima. Não há nem houve processo a ser respondido. É igualmente falsa a informação contida em seu artigo de que os trabalhadores estavam em minha fazenda para fazer “desmatamento ilegal”. 

Para seu conhecimento: por 11 votos a 3, o Tribunal Regional Federal da 2ª Região considerou improcedente a denúncia feita contra mim pelo Ministério Público Federal. Contra essa decisão, o MP sequer recorreu. Os autos foram enviados ao Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, fórum competente para receber a denúncia, como peças de informação. E, como tal, foram definitivamente arquivados.

Em documento homologado pela Justiça, o Ministério Público do Trabalho de Mato Grosso reconhece que fui uma vítima dos “gatos” que atuam na região, contratando mão-de-obra sem lhe dar a mínimas condições de trabalho. Hoje, também para o seu conhecimento, a Agrovás é usada como exemplo pelo MP de Mato Grosso em suas palestras a fazendeiros sobre como trabalhar de acordo com as normas legais. Em maio de 2008, no lançamento de uma campanha contra o trabalho escravo promovida pelo MP daquele estado, a Agrovás foi convidada para mostrar, através de um vídeo (que está no Youtube), o seu exemplo.

Portanto, caro Marcos Sá Corrêa, apesar do prejuízo político que esse episódio me proporciona, minha consciência está tranqüila. Quem me conhece sabe da correção que tenho com todos os meus empregados. Quem convive comigo é testemunha do meu caráter e me respeita. Converse com o empresariado e suas entidades do Rio e pergunte o que acham de mim. Converse com os deputados estaduais, que me elegeram três vezes presidente da Alerj por praticamente a unanimidade dos votos e questione por que gozo de tamanho apoio entre todos os partidos. Se quiser o senhor mesmo conversar comigo, estarei à sua disposição.

Respeitosamente,
Jorge Picciani

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