Colunas

A conservação trocada em miúdos

Com gente oferecendo seqüestro de carbono em leilões na internet, Ricardo Bayon, Ecosystem Marketplace, avisa que natureza já tem preço no varejo para o que sempre deu de graça.

6 de outubro de 2006 · 18 anos atrás
  • Marcos Sá Corrêa

    Jornalista e fotógrafo. Formou-se em História e escreve na revista Piauí e no jornal O Estado de S. Paulo. Foi editor de Veja...

O aquecimento global caiu na rede. Agora, quem procura por carbono no E-bay, o balcão de leilões na internet, entre filtros, tubos de ligas leves para bicicletas e produtos tão especiais que os anunciantes nem se preocupam em explicar para que eles servem, pode topar, sem mais, nem menos, com certificados de que o comprador tem créditos de CO2 com o planeta.

O atestado custa 75 dólares. O endereço do vendedor fica em Tulsa, no Oklahoma, que é mais ou menos o Tocantins dos Estados Unidos. O papel vem garantido por uma tal de Clean Air Action Corporation, que assina o diploma vistoso, afirmando que só em 2005 tirou cinco toneladas de carbono da atmosfera, através de árvores plantadas na Índia, no Quênia, na Tanzânia e em Uganda. Metade da folha é decorada pela fotografia de gente em trajes étnicos, agachada à sombra de uma copa frondosa.

Beatrice, por exemplo

Mas é preciso ir mais fundo para encontrar, por trás do certificado, histórias como a da africana Beatrice Ahimbisibwe, uma professora de Geografia em Bushenye, nos confins da selva ugandesa. Em sua vizinhança fica o parque nacional Rainha Elizabeth, terra de leões, elefantes e hipopótamos. E em seu horizonte se erguem as montanhas azuladas do Rwenzori, santuário de gorilas.

Como professora primária, ela ganha cerca de US$ 150 por mês. Nada mal, numa região onde a renda mensal per capita anda pela casa dos US$ 70. Ahimbisibwe é viúva, mãe de dois filhos. Três anos atrás, ela aceitou a proposta de uma ONG africana para investir no mercado global do seqüestro de carbono, antes mesmo que o Protocolo de Quioto deixasse o berço de seus entraves diplomáticos.

Tudo o que ela tinha que fazer para isso era devolver ao mato um pedaço de sua roça, plantando mudas nativas e deixando que elas cresçam em paz pelo menos a maturidade. Ahimbisibwe reservou ao programa de reflorestamento um hectare dos 100 que cultiva, o suficiente para tirar do ar em dez anos 57 toneladas de carbono, que acabaram vendidas como créditos à TetraPak, fabricante inglesa de embalagens descartáveis. Não chegava a ser um negócio da China, o de Uganda. Se tudo der certo, a US$ 8 por tonelada, Ahimbisibwe colherá ao todo US$ 456. Pagos em longas prestações que não ultrapassam, na melhor das hipóteses, US$ 120.

Em compensação, ela tem pouco a perder com o investimento em despoluição, exceto a certeza de que, sem mato perto de casa, os macacos e os rinocerontes continuarão longe de suas safras. Enquanto as árvores sobem, ela está livre para soltar suas cabras no bosque. Para cortar galhos para usar na cozinha como lenha. E sobretudo para fazer planos de vender a madeira, se precisar de dinheiro quando se aposentar, lá pela década de 2020.

Ahimbisibwe, se tivesse escolha, plantaria eucaliptos, em vez de espécies africanas “que a maioria de nós nem conhece”. Mas parece difícil vender cotas de carbono extraídas de um eucaliptal em Uganda a fregueses como Mick Jaegger, Leonardo di Caprio e Pink Floyd, que enfeitam a clientela de corretoras desses títulos. Como a The CarbonNeutral Company, que recentemente negociou 10 mil toneladas de carbono seqüestrado por pequenos agricultores de Uganda. Não era, no caso, o CO2 de Ahimbisibwe. Mas nunca se sabe o dia de amanhã, num mercado que nasceu outro dia mesmo e só no ano passado apostou US$ 100 milhões em modestos negócios como o da professora.

“É assim que as coisas começam”, diz o ambientalista colombiano Ricardo Bayon, que trouxe esta semana ao Brasil histórias como a de Ahimbisibwe. E fica difícil não ouvir seus argumentos quando, para apresentá-los, ele passou a noite num vôo San Francisco ao Rio de Janeiro, desembarcou no Galeão às sete e meia da manhã, antes das nove já mandava e-mails do táxi engarrafado a Linha Vermelha para avisar estava meia hora atrasado, apresentou-se para a conversa sem passar no hotel e, movido a meia xícara de café, falou sem parar pelo dia adentro, alinhavando os sinais de que passou o tempo em que o mundo parecia dar tudo de graça.

Uma tonelada de carbono já vale 17 euros. É o primeiro aprender a pagar por ar, água e, quem sabe, canto de passarinho. Bayon dirige nos Estados Unidos o Ecosystem Martketplace. Acredita tanto no mercado que acha possível virá-lo pelo avesso.

Leia também

Reportagens
16 de abril de 2024

Projeto de Lei tenta reduzir área do Parque Nacional Montanhas do Tumucumaque

Proposta está para ser votada na Comissão de Constituição e Justiça do Senado. Área que se pretende desafetar sofre com expansão de garimpo no Amapá

Salada Verde
16 de abril de 2024

Gestão da água no RJ será debatida no Encontro dos Comitês de Bacias Fluminenses 

Tema central do encontro é a união de esforços para a gestão sustentável da água. Evento começa nesta quarta, 17/04. As inscrições estão abertas ao público

Reportagens
16 de abril de 2024

Indígenas conservam floresta que protege rio de 600 km no Maranhão

Estudo mostra que restam menos de 20% de Floresta Amazônica na Bacia do Rio Pindaré (MA) e que essa pequena porção conservada se encontra completamente dentro de Terras Indígenas

Mais de ((o))eco

Deixe uma resposta

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.