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A culpa é nossa, dos ambientalistas e socioambientalistas

A política anterior fez a população acreditar que o Brasil protegia de fato o que não se protege. Agora o governo vende a ideia que o Brasil já fez demais

21 de janeiro de 2019 · 5 anos atrás
  • Marc Dourojeanni

    Consultor e professor emérito da Universidade Nacional Agrária de Lima, Peru. Foi chefe da Divisão Ambiental do Banco Interam...

Boi na Floresta Nacional de Jamanxim. No papel, essa unidade deveria ter exploração controlada de madeira e produtos florestais. No mundo real, está se transformando em pasto. Foto: Bernardo Camara.

A responsabilidade de discursos como o de Evaristo de Miranda é, em grande medida, nossa. Ambientalistas e socioambientalistas têm alimentado os inimigos do meio ambiente por décadas, aparentando fazer muito mais do que realmente foi feito. Agora vem a hora de pagar a conta, nas mãos dos aliados e prepostos do novo governo que, abusando de má fé e aproveitando duma real ou pretensa ignorância, usam essa munição para sustentar que o Brasil já fez demais para cuidar da natureza, mais que o resto do mundo, e que chegou a hora de abrir mais oportunidades ao desenvolvimento.

Não é preciso insistir no que tantos têm demonstrado. A política ambiental anunciada pelo governo entrante é absurda, às vezes, ilegal e, sem dúvida, geradora de grandes riscos para o futuro. É tão fora do senso comum e da realidade que muitas das promessas e anúncios feitos pelas novas autoridades foram progressivamente desfeitas ou desmentidas por elas mesmas. Ainda assim, é enorme o risco de que a prepotência e a improvisação destes governantes, no que concerne a recursos naturais e ao mundo indígena, provoquem calamidades irreversíveis, já no curto prazo.

Que culpa cabe aos ambientalistas e em especial aos socioambientalistas nesses fatos? Muita. Como se sabe bem, para conservar amostras viáveis da natureza é indispensável estabelecer verdadeiras áreas naturais protegidas, como parques nacionais ou estaduais, reservas biológicas ou estações ecológicas, que protegem a diversidade biológica sem interferência da exploração dos seus recursos, nem populações residentes. Mas, em especial a partir da Lei 9.985 do ano 2000, se incorporaram outras categorias que aparentam beneficiar a população, mas, que conservam pouco, muito pouco e até nada. Que outra coisa são quase todas as áreas de proteção ambiental (APAs) ou, em especial, as gigantescas e inúteis reservas de biosfera? Nelas a proteção da natureza é a mesma que a lei manda em qualquer outro lugar do território. Claro que dentre as APAs existem meritórias exceções, mas são as que confirmam a regra. O caso das florestas nacionais é igual. Essas florestas foram ideadas para produzir madeira de forma sustentável, mas não para serem unidades de conservação como alguns iluminados propuseram e conseguiram.  E o caso das reservas extrativistas e, até certo ponto também, as de desenvolvimento sustentável? As primeiras foram reiteradamente denunciadas como atos dissimulados de reforma agrária e, de fato, o desejo manifesto das populações morando nelas é desenvolver atividades agropecuárias e explorar a floresta. E, embora às vezes necessárias, acaso não são o mesmo as grandes zonas de amortecimento que rodeiam as unidades de conservação? E, assim mesmo, aconteceram exageros, em número e tamanho, no estabelecimento de unidades de conservação de qualquer categoria, apenas para “mostrar serviço”, sem necessidade cientificamente demonstrada. Hoje a maior parte das unidades de conservação do Brasil pertence a essas categorias que, quando ideadas, deviam ser complementares e excepcionais.

Mas, em especial a partir da Lei 9.985 do ano 2000, se incorporaram outras categorias que aparentam beneficiar a população, mas, que conservam pouco, muito pouco e até nada.

Os casos anteriores têm permitido ao Brasil aparentar fazer muito para conservar a sua biodiversidade quando na realidade, no concreto, faz mais ou menos o mesmo que países vizinhos e, obviamente, menos que muitos países europeus na atualidade. Essa inflação da realidade é o que alguns dos defensores radicais do agronegócio e os que não acreditam nas evidências de mudança climática utilizam para seus discursos. E, claro, fomos nós que providenciamos esses argumentos. Teria sido ainda pior se nesse afago inflacionário, como proposto pelo socioambientalismo, se consideraram as terras indígenas como unidades de conservação. Os próprios índios se opuseram. E isso é lógico já que eles, como os habitantes das reservas extrativistas e muitas outras “unidades de conservação”, desejam, preveem e lutam para expandir suas atividades econômicas. Por isso, as terras indígenas não podem ser consideradas áreas protegidas. Pelo momento essas terras são um reconhecido freio à expansão agropecuária, mineração ou madeireira. Oxalá elas cumpram essa função ainda por muito tempo. Mas, é inexorável que com o passar do tempo, essas terras sejam utilizadas pelos seus próprios habitantes e por outros. Não é, pois, correto, incluir essas terras como “área preservada”. Na verdade, são terras reservadas para seu uso futuro.

Como já foi dito em várias respostas ao discurso do Evaristo de Miranda, nele ignorou de forma retorcida e propositalmente os serviços ambientais que a natureza oferece à agricultura moderna e eficiente que ele mesmo preconiza. Quando ataca a finalidade e a prática das reservas legais e áreas de preservação permanente, ele é ridiculamente incorreto. Esconde a evidente e indiscutida utilidade e rentabilidade econômica dessas áreas para a própria atividade agropecuária e distorce os fatos da aplicação, ainda precária, da norma. Uma norma que, sem dúvida, é um exemplo a ser seguido pelos demais países da América Latina. De outra parte, contrariando a sua própria instituição, deixou de considerar o enorme potencial que existe no Brasil para aumentar a produtividade e a produção agropecuária, sem desmatar um hectare a mais.

A demagogia sempre tem consequências. A política das décadas anteriores que fez acreditar que para preservar a biodiversidade se protege o que na verdade não o está e, aumentando e inflando números, pode ter convencido a parte da população e, em especial, ao setor agropecuário, de que já se superou o limite de terra “protegida” social e economicamente desejável. A verdade é outra, pois para manter a portentosa diversidade biológica nacional, e para estimular o turismo ainda faltam unidades de conservação verdadeiras. Como sempre o equilíbrio é muito difícil de alcançar e, mais que tudo, de manter. Os próximos meses demonstrarão se o novo governo vai manter o fiel da balança em equilíbrio ou se, como até agora parece, vai a incliná-lo para o outro extremo.

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Comentários 11

  1. André Aroeira diz:

    Que texto decepcionante e absurdo, colocar Resex no mesmo barco de APA é absolutamente ridículo. Dizer que a contabilidade criativa de UCs ao considerar APA é a mesma quando considera qualquer UC de Uso Sustentável é de uma ignorância e uma desonestidade atroz.

    Não se se sabe, Marc, mas existem PESSOAS vivendo nas florestas, inclusive as mais remotas, você não pode simplesmente expulsá-las de suas terras ancestrais para criar parquinhos de diversões que alguns observadores de aves e mergulhadores e afins acham que devem servir a eles mesmos. Principalmente em um país falido e que carece da mais elementar estrutura de fiscalização em suas UCs. O caminho é trazer essas pessoas pra junto, e existem muitos excepcionais exemplos no Brasil. Principalmente na excepcional barreira de Terras Indígenas que estão salvando a Amazônia neste exato momento.


    1. Alexandre diz:

      "(…)para criar parquinhos de diversões que alguns observadores de aves e mergulhadores e afins acham que devem servir a eles mesmos"

      Para vc, UCs de proteção integral são "parquinhos de diversão". Bom, sua visão estreita somente corrobora com o autor do texto: socioambientalismo nada tem a ver com proteção ambiental.


  2. George diz:

    Muito bem escrito, Marc! Cansamos de ir a congressos da IUCN e outros onde os socioambientalistas brasileiros, muitas vezes representando o governo, alardeavam as enormes extensões de UCs de "desenvolvimento sustentável" como se fossem o equivalente a Categoria II! Cansamos de ver o foco em APAs, RESEXs, e outras jabuticabas enquanto nossos poucos Parques de verdade morriam a míngua!


  3. Luiz diz:

    Apenas mais uma edição das desventuras do engenhoso fidalgo Marc contra os moinhos de vento do socioambientalismo. Enquanto isso, o agro patrola tudo.


  4. Marina Silva diz:

    Socioambientalismo não é conservação da natureza. É uma forma de roubar $$ e terras que deveriam ir para a conservação e destina-los aos amiguinhos


  5. João diz:

  6. Marilena diz:

    Vcs ficam olhando pros seus umbigos e enquanto isso a Amazônia segue sendo destruída. Porque não focar no que pode ser feito, na prática? Esse ( des) governo que está aí não lê coisa séria em blogs… aliás, nem lê. Temos que responder com as mesmas armas deles, sair do papel e fazer escândalos, com notícias verdadeiras.


  7. Mauricio Mercadante diz:

    Voce acusa, com razão, o Evaristo de Miranda, de manipular dados, de desonestidade intelectual, Dourojeanni, e, no entanto, faz a mesma coisa. A começar pelo título do artigo. Você teria sido mais honesto se, em lugar de aparentemente fazer um mea culpa, se colocando no mesmo barco de todos nós ambientalistas, tivesse anunciado o que o seu texto de fato faz, que é aproveitar o momento triste pelo qual passamos para acusar e colocar a culpa nos socioambientalistas. Você e outros continuam insistindo nessa ladainha pré-histórica. Concordo com as críticas às APAs e às Reservas da Biosfera (com exceções). Mas não está certo coloca-las na contas dos socioambientalistas. Socioambientalistas nunca defenderam APAs e, muito menos, no Brasil, Reservas da Biosfera. Além disso, Reservas da Biosfera não entraram nas contas do Evaristo, portanto fazer menção a elas não faz sentido no contexto do tema em discussão. Terras Indígenas foram e teriam sido incluídas nas contas do Evaristo independentemente do fato se serem ou não consideradas áreas protegidas. Entraram na conta porque são áreas "destinadas" pelo Estado, onde os ruralistas não podem entrar legalmente para realizar atividades agropecuárias. O Evaristo incluiu na mesma conta as Terras de Quilombo, os assentamentos de reforma agrária e terras militares, que nunca foram considerados áreas protegidas. Mais uma vez não faz sentido culpar os socioambientalistas pela manipulação perpetrada pelos ruralistas. Ou vc deseja realmente sustentar a acusação de que socioabientalistas são culpados de "inflacionar" a extensão dos territórios protegidos por destacarem o papel das TI na conservação (da Amazônia, em particular)? Poderia falar mais sobre Florestas Nacionais, Lei do SNUC, mas acho que já deixei claro meu ponto de vista. Gde abraço.


  8. Flávio Zen diz:

    Prof Dourojeanni excelente e lúcido como sempre. Sovbretudo nos ultimos 15 anos, a demagogia turbinada por factoides internacionais, serviu muito mais ao discurso politicamente correto enquanto o desmonte das politicas ambientais avançava com eventos espantosos como a farra das hidreletricas na Amazonia, a rifa do Código Florestal por apoio, o sistema de penuria com que os parques e demais UCs foram mantidos, e sobretudo pelo estabelecimento de uma discurso ideologico se manteve em diferentes escalas onde a huanidade é a inimiga, o cancer, a destruidora, cuja ação somente seria revertida através da adoção de uma extensa pauta que incluia a destruição da diversidade de pensamento, de culturas, sem espaço para ideias conservadores, tradições, moral e fé…
    Deu no que deu e co m o maior prejuizo, a profunda desconfiança da populaçao à militancia de arte de ambientalista e academia, que tiveram o cuidado de se posicionar a favor de um dos maiores esquemas de corrupção já visto e a implantação de um projeto totalitário de poider, isso com a Venezuela ao lado…
    Como sempre, o professor tem razão 😉


  9. Andreia diz:

  10. Anselmo d'Affonseca diz:

    Sempre percebi que quando se criava um Parque Nacional na Amazônia, com o título de "maior do mundo" como foi com o Jaú, criava-se junto uma percepção super inflacionada na sociedade de que o Brasil seria um exemplo de conservação para o mundo. Quando, de fato, sabemos o quanto é fácil se criar "no papel" uma super reserva no meio do nada na Amazônia. Abra-se uma estrada e o começo do fim estará próximo. A Mata Atlântica que o diga. A motoserra só não chegou nas áreas de montanha. Pra mim isso tem nome e sobrenome: Cinismo Ambiental. E nós, sempre caímos como patos.