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Idéias para mestrandos e doutorandos

Cinco idéias para projetos de teses na área ambiental, de todo nível de esforço e custo e para qualquer profissão. Mas com a garantia de utilidade prática.

4 de novembro de 2005 · 18 anos atrás
  • Marc Dourojeanni

    Consultor e professor emérito da Universidade Nacional Agrária de Lima, Peru. Foi chefe da Divisão Ambiental do Banco Interam...

Doutorandos e mestrandos em geral sofrem muito escolhendo ou decidindo o tema para suas teses. Balançam entre o ideal e o possível; ou, de uma parte, entre o custo e os prazos e, de outra, a dificuldade e a qualidade. Todos gostariam de desenvolver uma pesquisa que, sem muito esforço, traga resultados que lhes abram as portas de emprego bem remunerado ou de notoriedade. Embora quase sempre terminem aceitando os temas que seus professores decidem e que, em geral, são apenas segmentos de assuntos de interesse dos orientadores ou que são caminhos já muito trilhados por eles. Caso contrário, é comum que se lancem em aventuras investigativas supremamente ambiciosas, fruto da boa fé e da ignorância sobre as reais dificuldades do trabalho, em especial quando se trata de pesquisa no campo. Nesses casos o trabalho sói ser abandonado ou reduzido a uma mínima e intranscendente fração.

Por isso, esta coluna pretende aportar algumas idéias de pesquisas não muito difíceis de realizar e que poderiam trazer respostas muito necessárias a temas transcendentes da problemática ambiental.

Nesta oportunidade serão desenvolvidos apenas uns poucos temas, devido à brevidade do espaço disponível. Mas, cada um desses temas é amplo e cada uma das suas facetas pode dar lugar a muitas teses. Eles são: (1) balanço ambiental do Pró- Álcool; (2) impacto econômico de unidades de conservação de proteção integral manejadas; (3) análise comparativa da proteção da biodiversidade em unidades de conservação de uso direto e de uso indireto; (4) avaliação da utilidade prática de planos de manejo de unidades de conservação; e (5) análise da qualidade das avaliações de impacto ambiental de obras de infra-estrutura e de seu impacto ou utilidade.

O Pró-Álcool é geralmente considerado um grande êxito. E, realmente, foi bem-sucedido em termos de contribuição para a autonomia energética, diminuição da contaminação do ar urbana e quiçá também em termos econômicos. O que não fica esclarecido, com informação cientificamente validada e estatisticamente comprovada, é a provavelmente alta correlação entre o Pró-Álcool e o desmatamento da Mata Atlântica e a perda conseqüente de diversidade biológica. Tampouco, mas isso seria outro tema, fica claro se o país ganhou ou perdeu em termos ambientais com o Pró-Álcool.

Com efeito, os ganhos ambientais obtidos com a redução da contaminação ambiental urbana parecem ter sido substancialmente ultrapassados pelas perdas derivadas da contaminação provocada pelo cultivo da cana-de-açúcar, na forma de aplicações de agroquímicos diversos, de contaminação do ar devido às queimadas de resíduos de cana, de contaminação da água pelos eflúvios industriais conhecidos como vinhoto e, claro, pela erosão do solo. Vários trabalhos de tese podem ser desenvolvidos a partir destas idéias. Uma análise da informação estatística sobre a expansão do cultivo da cana pode ser correlacionada com a diminuição da superfície da floresta quer seja de estado para estado ou ao nível do país. Também podem se comparar fotografias aéreas e imagens de satélite nas quais visualmente é possível medir o aumento do cultivo da cana e a demolição da mata. Existe informação estatística sobre os volumes de agroquímicos consumidos ano a ano e, igualmente, sobre o volume de álcool, o que permite estimar o volume de vinhoto. O volume de CO2 emitido na atmosfera é fácil de estimar a partir da superfície plantada a cada ano.

Por que é importante conhecer o que realmente significou o Pró-Álcool em termos ambientais? Pois, simplesmente, porque o Governo está agora envolvido em lançar o Biodiesel, um programa que reúne essencialmente os mesmos elementos que o Pró-Álcool e que, potencialmente, oferece os mesmos riscos para outras florestas e outras regiões. Como já dito nestas colunas, é inacreditável que o Biodiesel seja promovido sem ter sido feita nenhuma avaliação ambiental séria, o que, inevitavelmente, teria levado a revisar o que aconteceu com o Pró-Álcool. Mas, nunca é demasiado tarde.

Benefícios da conservação

Como bem se sabe, o mundo do ambientalismo tem se dividido em dois grandes bandos, o denominado ambientalismo, orientado essencialmente por intelectuais das ciências naturais e exatas, e o socioambientalismo, orientado quase exclusivamente por intelectuais das ciências sociais. Embora ambos os grupos devessem trabalhar em harmonia, a realidade é que entre as correntes existe uma guerra que está prejudicando especialmente a tarefa, já por si difícil, de conservar a biodiversidade.

Neste contexto, as áreas protegidas de uso indireto ou proteção integral são motivo de crescentes acirrados ataques por parte de alguns políticos com “grande sensibilidade social” e do lado socioambiental. Essas áreas protegidas são qualificadas, quando muito, como “áreas congeladas inúteis fruto de opções antiquadas” ou, pior, “instrumentos anti-sociais e elitistas” e, por isso, para eles, qualquer pretexto é bom para propor a redução de seu tamanho, sua eliminação ou sua transformação em categorias menos estritas. O outro grupo lembra que essas unidades de conservação são indispensáveis para conservar a diversidade biológica e que se fossem adequadamente manejadas, o que implica em alguns investimentos, elas seriam verdadeiros motores da economia local. De fato, nos países desenvolvidos e em muitos dos que estão em vias de desenvolvimento, as unidades de conservação de uso indireto, como os parques nacionais, oferecem oportunidades extraordinárias ao crescimento econômico e social local e, claro, ninguém, nem sequer os socioambientalistas que também existem por lá, propõe eliminá-los.

Não precisa ser demonstrado que quase todas as unidades de conservação do país estão abandonadas, quer seja sem investimentos, sem pessoal e sem manejo. O que se sugere neste caso é uma análise do impacto econômico direto ou indireto de unidades de conservação sobre o seu entorno, aproveitando das poucas que têm algum grau de manejo. A hipótese é que os parques nacionais mais ou menos manejados, como Iguaçu e Tijuca, dentre outros, e que recebem muitos visitantes, aportam oportunidades enormes e às vezes insuperáveis ao desenvolvimento e à economia local, especialmente através do turismo e de todas suas atividades econômicas associadas.

O efeito multiplicador do uso apropriado de um parque reflete em quase todas as atividades econômicas da região, desde transporte aéreo e terrestre, hotelaria e restauração, agências de viagem e turismo, comércio local (roupa, víveres, lembranças) e nacional (equipamentos de camping ou para esportes radicais), construção civil, serviços públicos, etc. Existem modelos testados (por exemplo, o desenvolvido pelo US National Parks Service) para avaliar estes impactos tanto em termos econômicos como em termos sociais (empregos diretos e indiretos, por exemplo). Não obstante, esses modelos nunca têm sido aplicados no Brasil. Para serem usados, como seria desejável devem ser testados e adaptados, mas não existe dúvida de que seus resultados contribuiriam muito para aliviar as pressões contra esse tipo de unidades de conservação que são essenciais para conservar amostras viáveis do patrimônio natural.

Serviços ambientais

Na mesma linha de pesquisa anterior, ainda que isso já tenha sido feito em pequena escala no Brasil, cabe pesquisar o aporte das áreas protegidas à economia através da avaliação econômica dos serviços ambientais que proporcionam. Estes incluem a água, em termos de sua qualidade, quantidade e regularidade de fluxos; a fixação de CO2 em função de cada ecossistema presente na unidade; a redução de riscos de desastres naturais como no caso dos deslizamentos de terra que afetam a população e a infra-estrutura; o valor dos aportes à pesquisa e educação; e, também, seu valor como refúgio de valiosos recursos da biodiversidade.

Este tipo de estudo, para determinados serviços ou áreas protegidas ou para um conjunto destes, demonstraria provavelmente que, no Brasil como em outros países, essas áreas pagam com juros elevados à sociedade pelos seus custos de manejo e, assim sendo, fariam pensar duas vezes aos que levianamente propõem destrui-las.

Outro tema de grande atualidade é o do valor protetor dos ecossistemas e da biodiversidade das unidades de conservação de uso direto ou de aproveitamento sustentável. Com efeito, a maior parte dos que as preferem, no lugar de lutar pelo seu bom manejo, apenas combatem as de proteção integral alegando que aquelas não cumprem suas funções. Mentiras reiteradamente repetidas tendem a ser consideradas verdades. O fato é que não existe nenhuma evidência de que as unidades de conservação de uso direto, como florestas nacionais ou reservas extrativistas, sejam mais efetivas que as de uso indireto, como os parques, para proteger a biodiversidade. Ao contrário, a hipótese é que nelas a destruição da biodiversidade é muito mais rápida e aguda que nas de uso indireto, como parece ser demonstrado pela expansão da pecuária em reservas extrativistas e pela invasão de praticamente todas as florestas nacionais do país.

Uma tese que compare, através de imagens de sensoriamento remoto, o desmatamento em unidades de conservação de uso direto e indireto em condições e prazos semelhantes poderia elucidar se a hipótese tem algum valor. Por exemplo, poder-se-ia comparar a evolução do desmatamento, tema diretamente correlato com a conservação da biodiversidade, numa floresta nacional ou numa reserva extrativista com a ocorrida num parque nacional ou estadual estabelecido quase ao mesmo tempo no mesmo estado, como foi o caso em Rondônia e no vizinho Acre, levando em conta os mandatos legais correspondentes e a situação de base em cada caso. Caso se comprove o que se suspeita, seriam informações de grande valor para o desenho do sistema nacional de unidades de conservação e para limitar a “caça às bruxas” atualmente organizada contra as áreas protegidas de uso indireto.

Planos de manejo

O próprio autor desta coluna desenvolveu um trabalho de avaliação de planos de manejo de áreas protegidas e suas conclusões, resumidas num artigo nestas mesmas páginas, foram muito tristes. Na sua imensa maioria, os obrigatórios e custosos planos de manejo das unidades de conservação de uso direto e indireto – neste assunto não existe diferença entre elas – são tão deficientes que praticamente não têm utilidade nenhuma.

O trabalho do autor foi muito geral e apenas indicava uma tendência. Agora, dever-se-ia fazer um trabalho muito mais meticuloso de avaliação destes instrumentos que, se bem são fundamentais para o manejo, têm-se convertido apenas em rituais burocráticos. Pode-se, por exemplo, passar pelo crivo fino os planos de manejo disponíveis ao nível de um estado ou, se preferir, concentrar o trabalho sobre uma área protegida só e, na base da comparação de seus diversos itens e resultados com um modelo padrão, pois existem muitos bem conhecidos, pode-se determinar numa escala o valor relativo de cada plano para o manejo efetivo da unidade de conservação respectiva. A tese deveria avaliar tanto os elementos que faltam como os problemas de qualidade ou de conceito. Será importante revisar, por exemplo, a base cartográfica e, em especial, o valor prático do zoneamento. Cada item de avaliação deve lembrar que um plano de manejo deve ser só um instrumento de manejo e não uma publicação de divulgação ou outra coisa.

Os estudos de impacto ambiental de infra-estrutura são outro tema de excepcional interesse para teses, também analisados em conjunto para uma região ou em profundidade, um a um. De idêntico modo que os planos de manejo, os estudos de impacto ambiental, ademais de obrigatórios e caros, têm-se convertido em documentos que não cumprem suas funções, neste caso informar oportunamente sobre os prováveis impactos ou riscos ambientais diretos e indiretos, as alternativas disponíveis para que a obra seja menos prejudicial ao ambiente e a sociedade e, claro, sobre as alternativas disponíveis e os custos para reduzir, amenizar ou compensar os danos.

Outra vez, existem excelentes documentos que indicam os padrões que deveriam ser aplicados ao se fazer uma avaliação de impacto ambiental e uma tese sobre eles deveria aplicar ditos modelos para contrastá-los com a realidade de cada relatório. Este tipo de pesquisa deve, idealmente, ser feito com uma avaliação da situação no campo, embora também, em outra escala, possa ser feita apenas no nível de revisão da documentação. Na mesma linha seria de grande utilidade pesquisar o que aconteceu na realidade num horizonte de 5, 10 ou 15 anos depois de aprovado o relatório de impacto ambiental e construída a infra-estrutura. Essa pesquisa deveria responder a perguntas chaves como se os mandatos do relatório ambiental aprovado foram cumpridos e até que ponto as previsões sobre os danos se materializaram. Outra vez, isso ajudaria enormemente a aprimorar a qualidade e a utilidade dos estudos de impacto ambiental.

Os cinco temas mencionados são apenas uns poucos de uma multitude de temas potenciais que, diferentemente de muitas teses, teriam utilidade prática para orientar a política ambiental nacional ou estadual e contribuiriam para uma visão mais crítica, embora mais construtiva e ilustrada, sobre a problemática ambiental.

Alguns temas podem ser abordados apenas em nível de gabinete ou até de revisão bibliográfica e muitos outros precisam de complementações no campo ou de experimentação a ser essencialmente realizada no terreno. Dito de outro modo, algumas teses poderiam ser de baixo custo e outras, claro, poderiam custar muito mais, na medida em que penetrem em temas que requerem mais rigor e instrumentação cientifica, como no caso de estudos sobre fixação de CO2. De outra parte, a enorme diversidade de disciplinas necessárias para abordá-los faz com que esses temas, nas suas múltiplas facetas, brindem oportunidades a profissionais das mais diversas áreas das ciências naturais e exatas e, claro, também aos das ciências sociais.

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