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Ascensão e queda dos conselhos ambientais

Criado há 22 anos, o CONAMA é um exemplo de sucesso na gestão ambiental, por ser participativo e transparente. Mas murchou justamente no governo petista.

10 de novembro de 2004 · 19 anos atrás
  • Marc Dourojeanni

    Consultor e professor emérito da Universidade Nacional Agrária de Lima, Peru. Foi chefe da Divisão Ambiental do Banco Interam...

O Brasil é, sem dúvida, o país da América Latina que maior avanço apresenta no que tange ao tratamento dos temas ambientais. Nem a tão “ambientalmente famosa” Costa Rica fica perto do Brasil em muitos dos temas ambientais. Os dois elementos mais notáveis dos instrumentos brasileiros de gestão ambiental são seus conselhos ambientais e seu mecanismo de licenciamento ambiental. Não são perfeitos, longe disso… que o leitor não se iluda. Mas são muito bons.

Isto se deve, em grande medida, à promulgação, há 22 anos, da legislação sobre o sistema nacional do meio ambiente, que inclui uma instituição sui generis: o Conselho Nacional do Meio Ambiente (CONAMA) e suas réplicas em nível estadual e municipal. Contrariamente a outros conselhos desse gênero na região, o CONAMA não é um corpo consultivo. Trata-se de um corpo deliberativo, criado para resolver conflitos, propor inovações e resolver outros importantes assuntos de política ambiental e de gestão dos recursos naturais renováveis. O CONAMA é presidido pelo Ministro do Meio Ambiente e inclui uma ampla representação, com voz e voto, de todos os setores da sociedade civil e dos governos federal, estadual e municipal. As resoluções do CONAMA têm força legal e são aplicadas em nível nacional. O CONAMA resolve, dentro do marco das leis do setor, todo tipo de assunto que, em outros países, são decididos unilateralmente pelo respectivo ministério.

O funcionamento do CONAMA é complexo, com câmaras técnicas permanentes e outras temporárias, e se realiza mediante reuniões plenárias, ordinárias e extra-ordinárias, sendo que estas últimas podem ser convocadas por seus membros. Os membros da sociedade civil são eleitos regionalmente, por suas bases, por períodos fixos. As agendas são preparadas democraticamente, não sendo exclusividade do governo. Os membros podem ceder a palavra a terceiros, para assuntos específicos, ampliando a participação e o intercâmbio de opiniões.

O modelo CONAMA foi adaptado no nível estadual. Atualmente, todos os estados da União têm um Conselho Estadual de Meio Ambiente, que funciona mais ou menos dentro dos moldes do CONAMA, ou seja, com participação da sociedade civil, presidido pelo respectivo secretário de Meio Ambiente ou seu equivalente, com capacidade para tomar decisões dentro do âmbito do estado. Os conselhos estaduais, por exemplo, são decisivos para o processamento de licenciamento ambiental. De outra parte, já existem no Brasil várias centenas de Conselhos Municipais de Meio Ambiente, muitos deles com a mesma estrutura e força, em seu âmbito.

A experiência de participação e transparência da gestão ambiental, por meio dos conselhos de meio ambiente, foi extraordinariamente positiva e explica, de forma contundente, o maior desenvolvimento relativo do Brasil na sua área ambiental. Trata-se de um caso muito especial de limitação voluntária da autoridade tradicional do executivo, a favor de uma gestão compartilhada e muito transparente, com a sociedade civil. Este fato traz uma legitimidade inédita às decisões da administração ambiental. Como dizia o ministro Sarney Filho, “eu sou o único ministro, na Esplanada, que tem o luxo de ter parlamento próprio”. Com efeito, a área ambiental do poder executivo é a única que funciona com um mecanismo deliberativo que, por ser altamente especializado, complementa harmoniosamente o Congresso Nacional, as assembléias legislativas ou as câmaras municipais, no nível respectivo.

Esta é outra das grandes obras, pioneiras no nível mundial, de Paulo Nogueira Neto e seus colegas. Ele lembra que, na primeira sessão do Conselho, ainda sob o regime militar e em presença do Ministro do Interior, do qual dependia a área ambiental, falou: “Pela primeira vez o governo federal do Brasil se coloca em minoria em um conselho federal”. O ministro, meio desolado, perguntou: “Paulo… estamos em minoria?”. Ao que este respondeu: “Não se preocupe, Senhor Ministro, os conselheiros são gente muito responsável”. E eles eram, e até o presente são gente muito responsável, que ajudou os governos a tomar decisões de extrema importância, algumas delas muito delicadas e complexas. Devido à legitimidade dos conselhos e ao apoio que deles receberam, essas decisões foram aplicadas e deram os frutos de que o país necessitava.

Os conselhos ambientais brasileiros, num continente onde os conselhos do mesmo nome são todos meros foros de consulta, emitindo recomendações que ninguém aplica, são um exemplo não só para a área ambiental, mas para todos os setores da administração pública nacional e do exterior. Por isso, dois anos atrás, o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) apresentou os conselhos ambientais a toda América Latina e ao Caribe, na sua Assembléia Geral realizada em Fortaleza. O consenso sobre sua importância foi tão unânime como a admiração que provocou nas centenas de delegados participantes.

Curiosamente, com o governo atual, do qual se esperava um aproveitamento do CONAMA sem precedentes, levando em conta a tradição participativa do partido no poder, o CONAMA tem entrado em profunda letargia. Poucas reuniões, quase nenhuma decisão ou resolução, reuniões canceladas ou adiadas, desânimo geral de seus membros. Pior, como nunca antes tinha acontecido, o Governo tem desautorizado e revogado decisões prévias do CONAMA e, como se fosse pouco, a cada dia são maiores os ataques contra o CONAMA, não só dos que violam as leis ambientais, que sempre o odiaram, mas também de membros do partido de governo.

Oxalá que o governo nacional reconsidere sua atitude e não caminhe para trás num assunto tão importante e tão admirado como útil para o país. Que o Brasil siga sendo o exemplo que sempre foi, neste campo, para a América Latina.

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