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Perguntas e respostas sobre conservação – Parte II

O pior da exploração desordenada da Amazônia é o desperdício de recursos. Reservas extrativistas podem ajudar a preservar a floresta e desenvolver o país.

21 de outubro de 2004 · 20 anos atrás
  • Marc Dourojeanni

    Consultor e professor emérito da Universidade Nacional Agrária de Lima, Peru. Foi chefe da Divisão Ambiental do Banco Interam...

Qual é o problema da preservação da natureza no Brasil? Faltam reservas ou há reservas demais com baixa qualidade?

As duas afirmações, ainda que aparentemente contraditórias, são verdadeiras. De uma parte, os cientistas têm evidenciado que as unidades de conservação existentes não garantem a preservação de toda a rica diversidade biológica do Brasil. Em conseqüência, recomendam criar mais áreas protegidas e ampliar algumas das existentes.

De outra parte, tanto o Governo Federal quanto os estaduais não têm conseguido elevar a qualidade do manejo até o mínimo requerido. Falta pessoal, equipamento, infra-estrutura de visitação. Na verdade, falta decisão política para investir nas unidades e criar as condições para que elas contribuam ao desenvolvimento econômico. Os parques dos EUA e Canadá movimentam centenas de milhões de turistas e centenas de bilhões de dólares a cada ano. A minúscula Costa Rica movimenta, em torno de suas modestas unidades de conservação, mais dinheiro que o gigantesco Brasil. Mas esses países investiram muito para obter tais resultados.

A ministra Marina Silva pretende investir em reservas extrativistas. Essa política pode ser bem-sucedida?

Essa atitude é coerente com o passado da senadora Marina Silva. Ela é a pessoa que, depois do Chico Mendes, tem feito mais e do modo mais eficiente para defender os direitos dos extrativistas e das populações tradicionais, às quais ela mesma pertence. Idealmente, as reservas extrativistas são uma boa alternativa para usar os recursos naturais amazônicos com baixo impacto sobre os processos ecológicos. Agora que o Ibama está autorizando a exploração florestal certificada em reservas extrativistas, a probabilidade de sucesso econômico desta categoria tem aumentado.

Mas as reservas extrativistas, isoladamente, não garantem a preservação dos recursos genéticos da Amazônia. Essa categoria deve ser complementada pelas outras categorias, em especial por parques, reservas e estações em que a exploração direta de recursos é proibida. Estas unidades de conservação também devem ser bem manejadas e devem receber o apoio da ministra Marina.

O Brasil conseguiria mais recursos externos se as reservas fossem esvaziadas?

Ao contrário. Se alguém tivesse a idéia maluca de esvaziar as reservas extrativistas isso criaria uma forte rejeição internacional. As reservas extrativistas são uma boa opção para conciliar um alto nível de proteção da natureza com o atendimento das necessidades da população. O mesmo acontece com os parques, que sem ter pessoas morando neles podem estimular o crescimento econômico regional através do turismo, como é feito nos Estados Unidos, Canadá, Costa Rica, Austrália, Kenya, Tanzânia e África do Sul. Ou, no Brasil, no Parque Nacional do Iguaçu.

O Brasil pode se dar ao luxo de deixar intocada uma área que, desde que explorada racionalmente, pode melhorar as receitas do país?

O fato é que, na atualidade, a Amazônia não está intocada. A frente do desmatamento avança sobre milhares de quilômetros, destruindo e incendiando milhões de hectares de selva a cada ano, sem deixar nem uma árvore, como se observa no Norte de Mato Grosso.

É verdade que nenhum país pode se dar ao luxo de não fazer nada com até 80% de uma região tão enorme como o Norte do Brasil. Mas se observarmos a paisagem de extensas regiões da América do Norte e da Europa, veremos que elas são um mosaico de áreas naturais, seminaturais e antropizadas. As duas primeiras são constituídas por florestas, prados, zonas úmidas, etc. e cobrem entre 40% e 60% da paisagem. A última inclui agricultura, pecuária, zonas urbanas e outras áreas com infra-estrutura diversa. A diminuta Bélgica, ainda que superindustrializada e densamente povoada, tem proporcionalmente mais florestas que o Norte do Mato Grosso ou o Sul do Pará.

Na Amazônia, é preciso estabelecer um equilíbrio razoável entre as diferentes formas de uso da terra. Deve existir agricultura, inclusive soja, e pecuária, nas terras de melhor qualidade. Deve haver florestas naturais com manejo sustentável e, também, florestas cultivadas, inclusive eucalipto, se necessário. Devem existir reservas extrativistas e outras categorias equivalentes, onde se misture a produção sustentável com os requerimentos ambientais. Por último, deve haver unidades de conservação de uso indireto, como os parques, nos quais se preserva o material biológico e onde se fomenta o turismo. É um erro dizer que as terras onde existe floresta são improdutivas. Pelo mero fato de existirem, as florestas fixam o carbono, regulam o ciclo hidrológico, provêm água para as cidades e para gerar energia, protegem a biodiversidade e conservam os solos, evitando desastres naturais. Tudo isso representa bilhões de dólares por ano, que a sociedade ainda não contabiliza como deve.

O pior do desenvolvimento selvagem da Amazônia, no Brasil e nos países vizinhos, é o desperdício de recursos. Todo ano, milhões de hectares desmatados não são cultivados, e cada hectare cultivado produz muito menos do que é seu potencial. Milhões de metros cúbicos de madeira são queimados, deixados no mato ou nas serrarias por falta de tecnologia. Os parques nacionais não são aproveitados para o turismo. Os recursos pesqueiros estão sendo explorados acima do que é prudente. A caça, ainda que oficialmente proibida, está dizimando a fauna.

Como então conciliar crescimento econômico e preservação?

O fator essencial para conciliar desenvolvimento econômico e preservação da natureza é a disciplina social. Esta não tem que ser imposta unicamente pela força. Também deve ser imposta pela educação, pela participação ativa e informada da sociedade civil, pelo bom exemplo e pela difusão dos êxitos já alcançados. A falta de disciplina social caracteriza os países em desenvolvimento e não se deve, como pensam alguns, exclusivamente à pobreza. A desordem, expressa em violações da lei por ricos e pobres, é uma das causas centrais da pobreza.

Finalmente é indispensável que a legislação, em vez de ser a “mais avançada do mundo”, seja realista, prática, aplicável e aplicada.

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