Desmatamento em Rondônia. Via InfoAmazonia |
Como disse no artigo anterior, se há motivos para criticar os índios, há ainda mais motivos para se criticar os não índios, seus vizinhos. Convido o leitor a passear através do mapa acima, do InfoAmazônia, pela região de onde escrevi esse artigo, o sul de Rondônia, e por outras do norte do país. Verão facilmente que Rondônia está praticamente despido de florestas, falta na maioria das propriedades os 50% de Reserva Legal exigidos quando da abertura dessas fazendas, longe dos 80% exigidos hoje. Então, se os índios estão errados, mais errados ainda estão os produtores rurais, que são em número muito maior, não têm a desculpa de não compreenderem a lei ou de não possuírem um sistema de chefia forte o suficiente. Não falo aqui de novos desmatamentos, mas de um grande passivo ambiental, que não se pode deixar de levar em conta.
Atualmente Rondônia tem relativamente poucos alertas de novos desmatamentos, e eles se concentram no norte do estado, próximo ao Amazonas, onde ainda há grandes áreas de mata. Óbvio, afinal de contas, restam poucas áreas florestadas nas fazendas, e ainda menos áreas devolutas aptas a serem ocupadas, desmatadas, e posteriormente tituladas, como ainda ocorre em outros estados da região Norte. Mas o que fazer quanto ao passivo? Tenho esperanças no Cadastro Ambiental Rural (CAR), um sistema previsto no novo Código Florestal onde o produtor rural registra sua propriedade e quais suas Áreas de Proteção Permanente (APP) e Reserva Legal. A verificação da preservação dessas áreas, que pode ser feita com frequência por imagens de satélite, fica mais fácil após elas serem declaradas e georreferenciadas. O CAR explicitaria quem está dentro ou fora da lei, e permitiria mecanismos de incentivo e/ou punição a quem se adequar aos conformes. Entretanto, a adesão ainda é pequena e a regularização, menor ainda. O importante é não perder de vista o cerne da questão: se não tomarmos cuidado o novo Código Florestal pode virar letra morta como já foi parte do antigo.
É preciso fazer valer o Código Florestal
Embora o novo Código Florestal tenha sido aprovado há mais de um ano, o decreto previsto na lei para a regulamentação e obrigatoriedade nacional do CAR ainda não saiu, graças às eternas divergências entre os ministérios da Agricultura e Meio Ambiente. O próprio Ministério da Agricultura admite que mais de 4 milhões, das 5,1 milhões de propriedades rurais do país têm alguma pendência ambiental. É um passivo gigantesco que, se adequado à legislação, representará um imenso ganho ao meio ambiente. É preciso apenas prestar atenção para isso não seja esquecido em alguma gaveta. Para falar a verdade, me preocupa o silêncio completo sobre o tema entre os ambientalistas, como se a batalha estivesse concluída – seja parcialmente ganha ou parcialmente perdida – com a publicação do Código Florestal.
Posso estar errado, mas acredito que se o CAR for implantado fará mais diferença do que outros avanços da lei, em especial nas regiões sul e sudeste, onde pouquíssimas propriedades possuem os 20% de reserva legal e todas as margens de rio florestadas, como exige o Código. Basta ver as paisagens monótonas e os rios já sem vida.
Convido o leitor a ler o estudo da EMBRAPA, denominado Alcance territorial das áreas protegidas pela legislação ambiental e indigenista. Nele podemos ver o quanto temos de área protegida, por região, na mão do ICMBio, dos estados, dos indígenas e dos produtores rurais. De acordo com o estudo, a área classificada como Unidades de Conservação ou Terras Indígenas equivale a 26,95% do território nacional. Enquanto isso, as áreas privadas definidas como Reserva Legal equivalem a 31,54% do mesmo território. Sem falar que as áreas privadas estão mais bem distribuídas no país e seu impacto na qualidade de vida das cidades é maior.
Não é preciso pensar muito. Basta olhar a imagem do mapa do Brasil acima para ver que as Unidades de Conservação e Tis da região Norte são as grandes responsáveis pela preservação de ambientes naturais nessa região, enquanto no Sul-Sudeste isso caberia aos produtores rurais, pois o Estado não chamou para si essa incumbência, desapropriando grandes áreas para criar Unidades de Conservação.
Pensem nos rios limpos e bons para nadar e pescar, ou nos pequenos bosques que podem haver por aí, tornando mais bonita a paisagem do Sul-Sudeste. Não é uma delícia passar pelas estradas da Serra do Mar ainda ricas em áreas florestadas? Pois é. Interessa, portanto se preocupar a implementação pra valer do CAR e da exigência de recomposição da Reserva Legal, com prêmios aos que preservam e sanções administrativas aos que não cumprem. Não é hora de baixar a guarda. Quiçá esse recente ímpeto manifestante também se volte para a aplicação do Código Florestal. A meu ver, o aumento no desmatamento recentemente observado está muito mais ligado à dificuldade em punir os infratores do que a um possível afrouxamento na lei.
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