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Argumento contra manifestações não vale contra shopping center

Poder público reprimiu manifestantes na Av. Paulista dizendo que eles atrapalhavam a mobilidade. Mas quando se trata de um arranha-céu, tudo bem.

13 de março de 2014 · 10 anos atrás
  • Guilherme Purvin

    Graduado em Direito e em Letras pela USP. Doutor e Mestre em Direito (USP). Escritor.

 

Avenida Paulista. Foto:
Avenida Paulista. Foto:

Há menos de um ano, ao reprimir os manifestantes que tentavam paralisar a Avenida Paulista, o mais forte argumento utilizado pelo Poder Público foi de que aquele era um importantíssimo corredor urbano de acesso a diversos estabelecimentos de saúde.

De fato, no entorno da mais conhecida avenida da cidade de São Paulo podemos relacionar, dentre outros, a Maternidade Santa Joana, o Hospital Oswaldo Cruz, o Hospital do Coração – HCor, o Hospital Santa Catarina, a Maternidade Pro-Matre Paulista, o Hospital das Clínicas, o Instituto do Câncer e o Hospital Emílio Ribas.

No entanto, o Poder Público não parece nem um pouco empenhado em evitar a obstrução do trânsito na região, a julgar pela construção de um Shopping Center bem no meio dessa avenida.

Publicada em 10 de julho de 2001, a lei federal 10.257 – mais conhecida como Estatuto da Cidade – foi saudada pelos ambientalistas como o novo marco regulatório do meio ambiente urbano, apto a contribuir para a elevação da qualidade de vida nas cidades.

De acordo com seu art. 2º, a política urbana tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e da propriedade urbana, mediante diversas diretrizes gerais, dentre as quais destaca-se o inciso IV, que assegura o planejamento da distribuição espacial da população e das atividades econômicas do Município, de modo a evitar e corrigir as distorções do crescimento urbano e seus efeitos negativos sobre o meio ambiente.

Algumas particularidades agravam a situação. Nesse local outrora se achava a famosa mansão dos Matarazzo. Localizada na esquina da Avenida Paulista com a Rua Pamplona e a Rua São Carlos do Pinhal, essa mansão, com salas adequadas para exposições e fácil acesso de público, no final dos anos 1980 foi escolhida pela prefeitura paulistana para a instalação de um “Museu do Trabalhador”, por ser um símbolo da história econômica de São Paulo. O órgão de proteção do patrimônio cultural municipal (CONPRESP) iniciou então um processo de tombamento do imóvel. Todavia, no meio da madrugada, o imóvel foi dinamitado por seus proprietários. Isso mesmo: em plena Avenida Paulista, foram acionados explosivos para abalar as estruturas de um imóvel que se achava em processo de tombamento em razão de seu valor histórico e cultural. Vandalismo em grau máximo!

Na contramão do Estatuto da Cidade

As obras estão apenas em curso, mas os moradores da São Carlos do Pinhal, uma rua preponderantemente residencial, já enfrentam a falta de solarização, primeiro impacto ambiental mais evidente trazido pela construção.

Demolida a mansão, por mais de uma década o terreno foi utilizado como estacionamento pelos fregueses de um shopping “ching-ling”, até que, em 2007, foi vendido para duas grandes empresas que serão sócias no empreendimento imobiliário: uma torre de consumo com 13 pavimentos de escritórios e um shopping com 170 lojas, 15 lanchonetes, seis salas de cinema, sete restaurantes e um teatro.

As obras estão apenas em curso, mas os moradores da São Carlos do Pinhal, uma rua preponderantemente residencial, já enfrentam a falta de solarização, primeiro impacto ambiental mais evidente trazido pela construção. Isto porque os fundos do futuro shopping center, avançando quase até a própria calçada, em contraste com outros imóveis mais antigos, que guardam em seu gabarito guardam um recuo bem mais amplo, obscurecem irremediavelmente a rua.

Dispõe o art. 2º, inciso VIII, do já mencionado Estatuto da Cidade, que aos municípios compete adotar de padrões de produção e consumo de bens e serviços compatíveis com os limites da sustentabilidade ambiental, social e econômica do Município.

O inciso VI, letra “d”, do mesmo dispositivo, determina a ordenação e controle do uso do solo, de forma a evitar a instalação de empreendimentos ou atividades que possam funcionar como polos geradores de tráfego, sem a previsão da infraestrutura correspondente.

Ao licenciar um empreendimento desse porte bem no meio da Avenida Paulista, o município fomenta a adoção de padrões de consumo incompatíveis com os limites da sustentabilidade ambiental e contribui decisivamente para o acirramento dos problemas de tráfego – tudo isso na contramão do Estatuto da Cidade.

Em praticamente todas as grandes cidades do país encontramos construções desse tipo, ensombrecendo ruas, agravando congestionamentos de trânsito em vias de acesso a hospitais, fomentando consumo insustentável, verticalizando espaços urbanos. Não há dúvida de que os municípios vêm incentivando de forma preocupante o verdadeiro vandalismo ambiental nas cidades.

 

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