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A maldição do petróleo

Ter muito petróleo em casa, longe de ser esperança de desenvolvimento, pode significar a sentença de estagnação econômica e atraso político de um país.

24 de fevereiro de 2006 · 18 anos atrás
  • Eduardo Pegurier

    Mestre em Economia, é professor da PUC-Rio e conselheiro de ((o))eco. Faz fé que podemos ser prósperos, justos e proteger a biodiversidade.

Nada deveria deixar um ambientalista mais feliz do que petróleo caro. E os países que dependem do petróleo estrangeiro também deveriam estar satisfeitos. Ser rico em óleo ou outro recurso natural de alto valor costuma manter seus donos no subdesenvolvimento. É por essas e outras que a Suécia acabou de anunciar um plano para acabar com a dependência dele até o ano 2020.

A combinação de prosperidade e óleo caro facilitará a transição para fontes de energia mais limpas. Na década de 70, o preço do barril subiu porque os produtores seguraram o produto para aumentar o preço. Foi um choque de oferta. Dessa vez, é a demanda que pressiona. O preço decolou porque a economia mundial está se expandindo rapidamente.

Com o barril na casa dos US$60, e previsão de estacionar por aí durante longos anos, as alternativas limpas se tornaram atraentes. Vai chover dinheiro para o desenvolvimento de fontes de energia e/ou renovável como hidrogênio, aeólica, solar e biomassa. Como sempre, o bolso demonstra ser um dos órgãos mais sensíveis do ser humano. Assim, não é surpresa que até o oilman e presidente dos Estados Unidos, George Bush, no seu principal discurso anual, destacou a importância dos americanos se tornarem menos beberrões.

Mesmo antes do anúncio da nova iniciativa, os suecos já estavam bem na foto. Até 1970, o petróleo e seus derivados geravam 77% da energia do país. Hoje, essa parcela caiu para apenas 32%. Também conseguiram que um quarto da sua energia venha de fontes renováveis. Um grande feito, considerando que a média da União Européia é de 6%.

Se os suecos estão bem, o Brasil está ainda melhor. A nossa dependência externa de energia já foi, em 1978, de 46% do total. Hoje, importamos apenas 13% da energia que consumimos. Os outros 87% são gerados pela indústria doméstica. Metade, 43,9%, vem de fontes renováveis, quebrados em 14,4% para energia hidráulica e 29,4% para biomassa. Nessa última categoria, um dos destaques é o crescimento do álcool. Em 1975, o Brasil produzia 700 mil metros cúbicos. Em 2004, esse número pulou para 14,6 milhões de metros cúbicos.

Vantagem ou problema?

Até petróleo temos. Esse ano, com grande pompa, a Petrobrás anunciará que nos tornamos auto-suficientes. Mas se a história servir para alguma coisa, essa notícia não é tão boa assim. Não existe país desenvolvido que enriqueceu com o Petróleo. Com exceção da Noruega. Mas lá, o desenvolvimento chegou primeiro e os poços depois. A Venezuela, por outro lado, é um bom exemplo da maldição do Petróleo. Ela e mais uns poucos países tiveram queda de renda per capita da década de 80 para cá. Na maioria, a causa foi instabilidade política ou guerra. Mas na Venezuela, a principal razão foi a derrocada do preço do barril.

Por que a abundância de um recurso natural se torna, na prática, uma desvantagem? O professor Edmar Almeida, do Instituto de Economia da UFRJ, levantou algumas razões. Países cuja maior força econômica vem do petróleo, como no Oriente Médio; ou diamantes, como em Angola e África do Sul, costumam ter renda muito concentrada. Esse tipo de indústria tem pouco efeito multiplicador de outras atividades e gera pouco emprego.

Também não estimula a democracia. Governos que vivem de royalties da extração de recursos naturais não precisam de impostos. Ou seja, não dependem do bom funcionamento da economia como um todo. Descambam para ditaduras, que mantém a população contida com polícia de um lado e assistencialismo de outro. O Oriente Médio está cheio deles. A questão também faz pensar no estado do Rio de Janeiro, de regiões muito pobres e prefeituras ricas. Vivendo dos royalties do petróleo da Bacia de Campos. Um dia, não tão distante, ele vai acabar. Mas os prefeitos aumentam gastos, ao invés de usar o dinheiro para investir em alternativas futuras.

Outra desgraça associada a grande dotação de recursos valiosos é a chamada “doença holandesa”. A exportação desses recursos costuma valorizar a moeda nacional. Outras indústrias domésticas mais sofisticadas se vêem impedidas de exportar com um câmbio desfavorável e sucumbem. A expressão surgiu quando se observou esse fenômeno na Holanda, depois que ela começou a explorar novas reservas de gás no Mar do Norte.

Moral da história: o petróleo, no longo prazo, é um mau negócio para os países. Sua abundância faz com que ele seja usado com pouca eficiência, o que equivale a mais poluição. A falta dele, ao invés de limitar, levou países como a Suécia a desenvolverem economias sofisticadas e ricas. No processo, muitos também ganharam nota dez em preservação ambiental.

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