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Cara natureza…

Proposta polêmica ganha força nos Estados Unidos. Pesquisadores defendem a privatização de reservas e recursos naturais como a melhor política de conservação.

17 de setembro de 2004 · 20 anos atrás
  • Eduardo Pegurier

    Mestre em Economia, é professor da PUC-Rio e conselheiro de ((o))eco. Faz fé que podemos ser prósperos, justos e proteger a biodiversidade.

Quando pensamos em natureza, crescimento sustentável e poluição, em geral, associamos as soluções aos governos. Afinal, é deles que se espera o poder de polícia para reprimir os poluidores e a capacidade de levantar os recursos necessários para recuperar o meio ambiente.

Um centro de pesquisas americano localizado no idílico estado de Montana, endereço do parque Yellowstone, propõe o caminho inverso. O Political Economy Research Center, ou PERC, se define como um centro especializado em aplicar soluções de mercado a problemas ambientais. Lá se advoga que direitos de propriedade bem definidos, mecanismos de troca voluntários e intervenções públicas nos níveis mais locais de governo facilitam enormemente a conservação. Mais que isso, seus pesquisadores são críticos veementes da performance do governo federal, como regulador e administrador de recursos naturais.

Será que mercado e meio ambiente podem ser conjugados?

O ataque do pessoal do PERC parte do princípio simples de que coisa bem administrada é aquela que tem dono. Quando a terra e outros recursos naturais são privados, seus proprietários são cuidadosos em proteger e manter o seu valor. Estendendo a mesma análise, sustentam que a propriedade privada incentiva a redução da poluição. O raciocínio é o seguinte. Poluidores costumam afetar terceiros. Quando as cortes protegem o direito pessoal e de propriedade dos prejudicados, cidadãos comuns e vários tipos de entidades buscarão, através delas, proteção e ressarcimento. Se a justiça funcionar bem, essa será uma força poderosa e descentralizada contra a degradação ambiental.

Dois pesquisadores do PERC, Roger Meiners e Bruce Yandle, publicaram um artigo defendendo que a tradição legal inglesa e americana baseada na common law (direito baseado nos costumes) tem um histórico ambiental respeitável. Os pesquisadores citam diversos exemplos que remontam ao século XIX. Em um deles, um pequeno fazendeiro do Texas processou uma cidade do estado vizinho, Arkansas, por poluir, com seu sistema de esgoto, o rio que passava em suas terras. Uma corte federal deu ganho de causa ao fazendeiro, obrigando a cidade não só a indenizá-lo por todos os danos causados, como também que cessasse a poluição. A cidade argumentou que o benefício do sistema de esgoto para seus habitantes era muito maior que o estrago feito. O juiz rejeitou essa posição e fez valer o direito de propriedade do fazendeiro.

Na década de 1970, o governo americano criou os grandes códigos federais que atualmente regem a proteção do ar e das águas, como o Clean Water Act e Clean Air Act. Essas novas leis passaram a conduzir as decisões da justiça, suplantando o direito baseado na common law. Ao contrário da crença popular, relatam os dois pesquisadores, essa mudança institucional reduziu o padrão de proteção ambiental. Após a implantação de regulações federais, várias decisões contra poluidores, baseadas no direito de costume, foram revertidas ou amenizadas.

Em um caso, o estado de Illinois processou a cidade de Milwaukee, no Wisconsin, por poluir o lago Michigan, que abastecia Chicago. Illinois ganhou a ação e todos os recursos até a suprema corte, que afirmou o direito do estado de defender um padrão de qualidade da água mais alto que o de Milwaukee. Essa decisão foi invalidada meses depois, em 1972, com a passagem do Clean Water Act, que estabeleceu um padrão federal igual para todos.

Vários trabalhos do PERC debruçaram-se sobre a administração dos parques americanos. Na sua criação, os grandes parques nacionais foram concebidos para serem auto-suficientes. Vários deles chegaram lá. Entre os quais, os conhecidos Yellowstone (criado em 1872), Yosemite, Sequoia e Mount Rainier. Nessa estrutura, os administradores de cada unidade eram pressionados a manter a qualidade ambiental para atrair visitantes, gerar receitas e controlar seus custos.

Mas, em 1918, uma nova legislação centralizou a receita dos parques no caixa do governo federal. A saúde financeira dos parques passou a depender também da habilidade política de seus diretores para obter fundos federais. O curioso é que, nesse sistema, os gastos com os parques cresceram. Mas o dinheiro foi usado para contratações e aumentos de salários, enquanto a conservação deteriorou-se. Estima-se que, para serem recuperados, os parques precisem de uma injeção de US$6 bilhões.

A degradação ocorreu enquanto o número de freqüentadores aumentava. Levantamentos mostram que os ingressos cobrados são baixos, uma fração bem pequena do gasto total por visitante, que inclui despesas com transporte e hospedagem. Esses, por sua vez, costumam ter renda acima da média e poderiam pagar ingressos compatíveis com a boa manutenção dos parques. Em 1997, o governo federal abriu mão do caixa único e voltou a permitir a retenção, por um período experimental, de boa parte dos recursos gerados nos parques. Com o retorno do incentivo à boa gerência, vários parques melhoraram suas finanças.

Outro assunto favorito do PERC é a administração da água. O oeste americano é árido e o acesso à água disputado a tapa. No início do século XX, o governo investiu pesado na construção de represas para irrigar o deserto e estimular a agricultura. Esses objetivos foram alcançados, mas, com o tempo, surgiram diversas distorções. Os fazendeiros obtiveram água farta e subsidiada, mas as áreas urbanas, que passaram a ser o motor do crescimento, enfrentam constantes problemas de escassez. A água barata também prejudica a conservação ambiental, pois é desviada de rios e lagos para o uso humano.

A solução proposta pelos economistas ambientais, mais uma vez, é simples: acabar com os subsídios e cobrar dos usuários o preço correspondente ao alto custo da água no oeste americano. Só assim eles farão as adaptações necessárias para economizá-la. Uma das inovações no setor foi a criação de mercados de água. Em uma situação na Califórnia, fazendeiros passaram a poder vender para as cidades a água que economizassem. A nova possibilidade de receita estimulou-os a adotar técnicas mais modernas de irrigação, evitar terras pouco férteis e escolher culturas de retorno mais alto. Esse tipo de arranjo reduz a necessidade de investimentos em infra-estrutura. Com isso, a conservação ambiental também ganha. Rios que seriam represados poderão ser mantidos intocados.

As posições do PERC devem soar como infâmia para muita gente. Por trás delas, está a visão utilitarista da economia aplicada à natureza. Para os puristas, o meio ambiente deve ser conservado pela coletividade e ser de livre acesso. A natureza não tem preço. Mas é justamente esse o ponto de divergência dos economistas do PERC. Em um mundo em que a pressão de uso sobre os recursos naturais é crescente, a melhor forma de conservá-los é torná-los caros.

Para ler mais:

The Common Law: How it Protects the Environment

Back to the Future to Save Our Parks

Priming the Invisible Pump: Water Markets Emerge

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