Análises

O poder dos Zoos de provocar mudanças em prol da biodiversidade

Os zoológicos e aquários procuram educar o público a fazer escolhas que apoiam a conservação, além de receber e proteger animais.

Yara de Melo Barros ·
14 de dezembro de 2015 · 8 anos atrás
Grupo de suricatas no zoológico de Auckland, Nova Zelândia. Foto: Wikimedia
Grupo de suricatas no zoológico de Auckland, Nova Zelândia. Foto: Wikimedia

Tem sido frequente nos últimos meses notícias de florestas queimando na Indonésia, e um sem número de fotos de orangotangos queimados e/ou mutilados/órfãos em decorrência.

No início de dezembro, circulou a notícia de uma fêmea de orangotangos com seu filhote resgatados porque estavam sendo apedrejados, após fugirem de um incêndio florestal e chegarem a um vilarejo. O fogo que causou a fuga acontece por causa da substituição de florestas por áreas de plantio de palma, para suprir a demanda gigantesca de óleo.

Pois bem, uma batalha legítima seria o engajamento das pessoas contra o uso de produtos que usem óleo de palma, pressionando para mudanças na legislação que tornassem obrigatório que estes produtos mostrassem essa informação no rótulo. Ou pressionando a indústria de óleo de palma a realizar uma produção sustentável, e não o tipo de cultivo criminoso hoje feito.

Zoológicos podem ajudar neste tipo de pressão.

Em um congresso da WAZA (Associação Mundial de Zoos e Aquários), assisti a uma palestra de um diretor do Zoo de Auckland, na qual contou que eles pararam de vender no Zoo o chocolate da marca Cadburry, porque a empresa começou a colocar óleo de palma no produto (na embalagem aparece como “gordura vegetal”).

Além de parar a venda, o Zoo de Auckland informou seu público sobre os motivos da ação. A pressão que esta campanha gerou foi tão grande que a Cadburry voltou atrás na decisão de usar óleo de palma nos chocolates.

O Zoo de Auckland também fez um guia de compras de produtos livres de óleo de palma, ajudando os visitantes a fazer escolhas melhores na hora da compra.

Com um público mundial por ano que totaliza 700 milhões de visitantes, zoos e aquários estão em uma posição privilegiada para pressionar as indústrias a trabalharem de forma mais sustentável, e também para influenciarem seus visitantes a mudarem padrões de consumo, e isso tem impacto na conservação.

No Brasil, o Parque das Aves parou de vender produtos da Nestlé, por entender que ela trabalha de forma eticamente questionável. Desde a exploração irregular de fontes de água no Brasil, passando pela campanha contra aleitamento materno na África até o absurdo da declaração de seu CEO de que a água não é um direito humano fundamental.

Ativismo ou desinformação?

“Quem quer mesmo fazer proteger os animais deveria se perguntar se está levantando a bandeira certa, se está informado dos argumentos relevantes”

No entanto, no Brasil os “ativistas’ da “causa animal” parecem voltar toda a sua atenção e raiva para os zoológicos, e não para as atividades que estão causando a degradação dos ambientes onde os animais vivem.

Ou alguém, com frequência, vê “ativistas” ou “ambientalistas” com cartazes na frente de supermercados pedindo que as pessoas prestem atenção nos produtos que estão comprando e recusem aqueles que tenham óleo de palma (o qual, na verdade, está disfarçado sob muitos nomes)?

A Sociedade de Zoos e Aquários (SZB) tem uma lista de discussão no Facebook para debater questões sobre zoos e aquários e compartilhar literatura, informações e conhecimento, no intuito de trabalhar melhor e de forma mais eficiente.

Lá, postam-se atividades de enriquecimento ambiental. Elas melhoram o bem-estar de animais sob cuidados humanos, pois aumentam os estímulos e propiciam o desenvolvimento de comportamentos naturais. Entretanto, em vários destes posts aparecem comentários do tipo “ah, mas estes bichos deveriam estar mesmo é na natureza, e não nesta prisão”.

Geralmente são comentários feitos pela galera do “porque sim”, a quem falta argumentação razoável, ignora dados científicos sobre a atuação de zoos na recuperação de espécies ameaçadas e repete dogmas como se fossem mantras.

Está tão recorrente o argumento que todo animal na natureza está bem, feliz e seguro que realmente não sei em que planeta muitos dos ativistas vivem.

Ainda continua em voga a ideia ingênua e simplista de achar que a solução para a questão de fauna no Brasil é “fechar o zoo e transformar em santuário”. Alô? Se as prefeituras não repassam o dinheiro suficiente para que um zoo (visitado por milhares de potenciais eleitores todos anos) mantenha os animais de forma decente, por que iria manter bem um “santuário”, que fica longe dos olhos do público e das críticas?

Também são frequentes notícias de animais atropelados, queimados ou que levaram tiros e que são socorridos pelos zoos e depois, quando possível, devolvidos para a natureza. Também no início dezembro, circulou bastante nas mídias sociais a notícia de um tamanduá-bandeira atropelado no interior de São Paulo. A pessoa que encontrou o animal acionou as polícias ambientais de duas cidades, mas ninguém tinha possibilidade de socorrê-lo. Não vejo neste caso os ativistas largarem os cartazes e correrem para ajudar, e geralmente, são os zoos que recebem e atendem estes animais.

Por que não vemos ninguém cobrando dos estados/municípios para que repassem os recursos necessários para o bom funcionamento dos zoos e não a verba ínfima que é repassada e muitas vezes insuficiente? Por que não existe uma cobrança das pessoas sobre as instâncias governamentais responsáveis pela fiscalização dos zoos, para que instituições ruins não sejam mantidas abertas?
Os bons zoos existem para ajudar na conservação da biodiversidade e na pesquisa científica. Quem quer mesmo fazer proteger os animais deveria se perguntar se está levantando a bandeira certa, se está informado dos argumentos relevantes, ou se está apenas ruidosamente tirando o foco de causas legítimas e urgentes.

 

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  • Yara de Melo Barros

    Doutora em zoologia, membro do CPSG Brasil e coordenadora do Projeto Onças do Iguaçu.

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