Análises

Lugar de bicho é no mato

Campanha orienta as pessoas a não resgatar filhotes de animais silvestres sem necessidade. A prática não apenas priva os filhotes do convívio com a mãe como lota os zoos e centros de triagens à toa

Rogério Cunha de Paula · Yara de Melo Barros ·
5 de dezembro de 2019 · 4 anos atrás
Na dúvida, não tire o filhote de seu habitat. A mãe pode só ter ido buscar comida. Foto: Divulgação.

No Dia Nacional da Onça, 29 de novembro, foi feito o lançamento nacional da campanha Deixe o Bicho no Mato. A ideia da campanha surgiu durante uma reunião do Grupo Assessor Técnico (GAT), do Plano de Ação de Grandes Felinos, coordenado pelo Centro Nacional de Pesquisa e Conservação de Mamíferos Carnívoros (CENAP/ICMBio)

A campanha é uma estratégia nacional para tentar reduzir o número de filhotes de mamíferos que são retirados da natureza e acabam superlotando os Centros de Triagem e Zoos no país. Interromper a remoção de filhotes e jovens de diversas espécies de carnívoros é ação com alta relevância levantada em alguns dos planos de ação nacionais para a conservação de espécies ameaçadas do ICMBio.

O resgate dos bichinhos acaba sendo feito por pessoas que na verdade se preocupam, se sensibilizam e, com a melhor das intenções, retiram da natureza o filhote que julgam estar abandonado. Após o resgate levam para algum centro de resgate ou autoridade ambiental. Filhotes de onças, jaguatiricas, gatos-do-mato, lobos-guaras, cachorros-do-mato, quatis e outras espécies chegam com frequência nesses locais.

“Apesar da boa intenção, o resgate de filhotes prejudica os bichinhos, pois filhotes retirados da natureza necessitam de cuidados intensivos, o que acaba criando um vínculo entre esses animais e seres humanos”.

Mas a percepção de que o bichinho está abandonado geralmente é equivocada: muitas vezes a mãe apenas saiu para caçar ou procurar alimento, e sua ausência pode durar de algumas horas até mais de um dia. O que não significa abandono dos filhotes.

O Projeto Onças do Iguaçu registrou um filhote de onça-pintada de cerca de três meses de idade que ficou sozinho por oito horas até que a mão retornasse para buscar, em uma área no Parque Nacional do Iguaçu.

As mães costumam fazer tocas protegidas em meio à vegetação densa, para que os filhotes fiquem protegidos, mas, algumas vezes, especialmente em locais com grandes alterações antrópicas e retirada da vegetação original, os filhotes são deixados em áreas de plantação alta, como as de cana, milho, café, ou eucaliptais. 

Apesar da boa intenção, o resgate de filhotes prejudica os bichinhos, pois filhotes retirados da natureza necessitam de cuidados intensivos, o que acaba criando um vínculo entre esses animais e seres humanos. Como resultado desse ato, o retorno para a natureza é dificultado ou se torna impossível pela perda de características comportamentais naturais.

Além da ligação com seres humanos que é desenvolvida, o resgate priva os filhotes do contato com a mãe, que é quem ensina a caçar, procurar alimento e se proteger. Sem esse aprendizado, as chances desses animais sobreviverem na natureza, se forem liberados, é reduzida. Para sanar essa questão, são necessários esforços e recursos que nem sempre estão disponíveis para preparar os animais para uma possível soltura. Ainda assim, todos esses esforços podem ser em vão, caso as mudanças comportamentais nos filhotes forem muito grandes.

A campanha pretende mostrar que quando um filhote é resgatado da natureza, uma mãe é privada de cuidar dos seus filhotes e um jovem filhote pode perder a chance de uma vida livre.

Logo da campanha.

A arte da campanha foi uma doação da artista e bióloga Iguaçuense Tainah de Souza Ferreira, e a Pandhora Technologies patrocinou a impressão inicial de material. A Rede Pró UC e o Projeto Onças do Iguaçu coordenaram a produção do material da campanha e trabalham à frente da iniciativa junto com o CENAP, que coordena os Planos de Ação Nacionais das espécies envolvidas. Ainda o Instituto Pró-Carnívoros, o Programa de Conservação Mamíferos do Cerrado, o Programa Amigos da Onça entre outras instituições participam da implementação da campanha em todo o Brasil.

Foram produzidos cartazes, bottons e folders explicando o que fazer se encontrar um filhote no mato. Esse material será distribuído para agências ambientais estaduais e municipais em todo o país. Todo material terá como veículo principal de disseminação, as diversas mídias sociais.

Em um segundo momento será criada uma animação sobre o tema, também de divulgação nacional.

Se encontrar um filhote de animal silvestre, veja a melhor forma de agir:

1º Não se aproxime: a mãe pode estar por perto e ao tentar defender o filhote pode se tornar agressiva.

2º Não toque nos animais: por mais fofinhos que os filhotes sejam, são animais selvagens, e podem nos machucar. Também o cheiro das pessoas nos filhotes pode provocar o abandono pela mãe.

3º Deixe tudo como está: garanta também que outras pessoas, cães domésticos, veículos ou maquinários não se aproximem, assim serão maiores as chances da mãe retornar e levar os filhotes para um local mais seguro.

4º Informe o órgão ambiental competente.

Portanto, intrépido resgatador de filhotes, da próxima vez que encontrar um aparentemente abandonado, avalie a situação e garante que sua ação seja realmente o melhor para o animal.

Menos filhotes retirados desnecessariamente da natureza: bora espalhar essa ideia?

As opiniões e informações publicadas na área de colunas de ((o))eco são de responsabilidade de seus autores, e não do site. O espaço dos colunistas de ((o))eco busca garantir um debate diverso sobre conservação ambiental.

 

Saiba Mais

Link para baixar o cartaz

Leia Também

Ao infinito e além?

Onça-pintada, uma homenagem ao maior felino das Américas

Um livro para conhecer (e ver) as onças de perto

 

  • Yara de Melo Barros

    Doutora em zoologia, membro do CPSG Brasil e coordenadora do Projeto Onças do Iguaçu.

Leia também

Notícias
26 de janeiro de 2017

Um livro para conhecer (e ver) as onças de perto

Compilação de pesquisas e fotografias, “Panthera Onca - À sombra das florestas” aproxima leitores do misterioso universo do maior felino das Américas

Colunas
30 de novembro de 2018

Onça-pintada, uma homenagem ao maior felino das Américas

O 29 de novembro agora é o dia oficial da Onça-Pintada, animal majestoso, nosso maior felino, nomeada a partir de agora símbolo da biodiversidade brasileira

Análises
4 de dezembro de 2019

Ao infinito e além?

Censo revela que população de pantheras na região do Corredor Verde em Misiones e no Brasil tem crescido. E podemos ter esperança de alcançar a capacidade de suporte da região

Mais de ((o))eco

Deixe uma resposta

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.

Comentários 3

  1. Luciani diz:

    Boa tarde.

    Sou protecionista e busco orientação: durante a última semana tenho encontrado marcas de patas grandes no meu quintal. Moro em bairro rural de Paraty/RJ.

    Acredito que sejam de Jaguatirica, apesar de as marcas serem bem maiores que as de um gato.

    Tirei fotos com uma moeda de R$ 1 ao lado, cabem mais de 4 moedas nas marcas das patas.

    Como devo proceder para que não tenhamos incidentes ou confrontos? E se me deparar com uma, como devo me comportar para evitar um ataque?


  2. George diz:

    A maioria dos filhotes é "encontrada" depois que alguem deu um tiro na mãe.


  3. Caçador de mim diz:

    Mas qual é a chance da gente encontrar filhotes de onça numa trilha na Mata Atlântica e ainda conseguir capturá-los? Assim parece que nós visitantes dos parques e moradores do entorno encontramos aleatoriamente com esses filhotes e os tiramos da natureza. Não é bem assim, existem outros fatores mais importantes para a existência de tantas onças orfãos nos centros de triagem e a campanha poderia focar nisso!