Análises

Brasil é líder em política ambiental internacional?

Desde a Rio+20 o país parece ter abrido mão do protagonismo que exercia nas conferências ambientais, desempenhando um papel de coadjuvante.

Rafael Loyola ·
11 de novembro de 2014 · 9 anos atrás
Ao redor da Presidenta Dilma Rousseff, líderes mundiais posam para foto foto oficial da Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável (Rio+20), em 2012. Foto: Roberto Stuckert Filho/PR.

Com o término da 12ª Conferência das Partes (COP) da Convenção sobre Diversidade Biológica (CBD), realizada na Coreia do Sul há 3 semanas, observamos mais uma reunião com pouco comprometimento ambiental e muitas cartas de intenções.

O Brasil é um líder em negociações internacionais para o estabelecimento de metas para a conservação e uso sustentável da biodiversidade. O país conta com negociadores bem treinados, tem uma boa política de negociação, um bom engajamento do Ministério do Meio Ambiente e uma boa representação de ONGs em suas delegações. Fizemos bonito no Japão, em 2010, durante a 10ª COP. E é inegável que, mesmo com o aumento recente do desmatamento na Amazônia e outros biomas, ainda somos uma exceção global em termos de controle e monitoramento da perda de hábitat.

Recentemente, disse que o país não pode arriscar sua posição de líder ambiental, tomando decisões absolutamente contraditórias em relação à política ambiental quando essa política é externa ou interna. Vejamos o que tem sido feito internamente no Brasil, em relação às grandes questões ambientais.

Devido às pressões do setor produtivo, o governo revisou nosso então Código Florestal Brasileiro, a legislação mais importante sobre a proteção da vegetação nativa em propriedades particulares. A aplicação do Código garantiria a preservação de 193 milhões de hectares (ha) de vegetação nativa, uma área maior que as regiões sul e sudeste juntas. Entretanto, a reformulação dessa lei reduziu a área total que não pode ser desmatada por lei em 87%.

Lobistas do agronegócio argumentam que a restauração florestal imposta pelo novo Código Florestal cria um conflito com a produção agrícola. Um argumento do tipo, “mais vegetação nativa, menos comida no seu prato”. Esse argumento, além de falacioso, é infundado.

Um estudo recente publicado na revista Science mostrou que, dos 4,5 milhões de hectares que devem ser restaurados para que as propriedades rurais se adequem à lei (o que significa que muitos já desmataram bastante mais do que a lei permitia), menos de 1% são atualmente usados pelo setor agrícola. De fato, o Brasil já tem o suficiente para absorver a demanda de produção agrícola no mundo nas próximas três décadas sem desmatar mais um hectare sequer de vegetação nativa, segundo outro estudo publicado esse ano.

Como isso é possível? A chave para abrir esse baú de produtividade está em aumentar a produção das áreas de pastagem no Brasil. Hoje em dia, o país usa apenas um terço do potencial produtivo de suas pastagens. Se utilizássemos metade (e não 1/3) do nosso potencial, em 30 anos poderíamos aumentar a produção de carne no país em 50% e liberar 13 milhões de ha para o cultivo de outras commodities, como soja ou florestas plantadas. E sim, você leu direito: eu disse com apenas metade do potencial produtivo!

Unidades de conservação em perigo

“Outra questão que demanda grande vontade política de nossos governantes é a pressão pelo uso da terra dentro e fora de unidades de conservação (UCs).”

Outra questão que demanda grande vontade política de nossos governantes é a pressão pelo uso da terra dentro e fora de unidades de conservação (UCs). Grosso modo, nossas UCs são divididas em duas categorias: UCs de proteção integral, cujo principal finalidade é a preservação da natureza. A maioria delas sequer permite atividades que pressuponham consumo, coleta, degradaçã dos recursos naturais; e UCs de uso sustentável, cujo objetivo é compatibilizar a conservação da natureza com o uso sustentável dos recursos, conciliando a presença humana nas áreas protegidas.

Pois bem, o aumento do conflito com o setor agrícola pelo uso da terra dentro de UCs de proteção integral deve aumentar em 27%. Em áreas de uso sustentável, essa conflito pode aumentar em 33%. O risco desse tipo de conflito traz à tona preocupações sobre como tornar as áreas de cultivo menos impactantes à biodiversidade, com menor contribuição para a emissão de gases de efeito estufa, e sobre quais áreas devem ser usadas para diferentes fins, seja eles agricultura, urbanização ou proteção da biodiversidade, por exemplo (a isso damos o nome chic de zoneamento ecológico-econômico).

Para além dos conflito com o setor agrícola, o governo recentemente reduziu a área de inúmeras UCs. Um trabalho publicado esse ano na revista Conservation Biology mostrou que desde o início da década de 80, as UCs do Brasil sofreram com processos eliminação total do status de área protegida, redução do tamanho e redução no nível de seu proteção. Isso nos leva à triste constatação de que, no Brasil, a duração do status de uma UC é passageira. Essa brincadeira fez o país perder 7,3 milhões de hectares de áreas protegidas – uma área um pouco menor que a dos estados do Rio de Janeiro e Espírito Santo somados.

Veja que a manutenção das UCs no Brasil garantem o armazenamento de pelo menos 3 bilhões de toneladas de carbono (compare com o peso um elefante africano macho, que pode chagar a míseras 6 toneladas!). O que importa é que esse montante armazenado vale aproximadamente 48 bilhões de dólares no mercado mundial de carbono. O estoque de carbono armazenado em nossas UCs gera uma receita potencial de 1,4 a 2,9 bilhões de dólares por ano. Se esses valores fossem internalizados na economia nacional, os benefícios gerados pela manutenção da vegetação nativa excederiam em muito os custos de proteção e manejo das UCs, sendo economicamente ainda mais interessantes que outros tipos de uso de terra, como a pecuária, por exemplo.

Ainda assim, atualmente vemos concessões para mineração dentro e no entorno de UCs e há planos de fazer concessões para a mineração em terras indígenas também. Isso sem mencionar pressões advindas da exploração de gás e petróleo do pré-sal em águas profundas, que sem dúvida terão impactos irremediáveis nos oceanos e em UCs marinhas.

Rios ameaçados

“(…) 9% de toda água que usamos para consumo é coletada diretamente em UCs e 4% de toda água usada na agricultura e irrigação vem de rios e riachos que correm dentro ou para fora de uma UC. “

Projetos em tramitação no Congresso Nacional ainda podem reduzir áreas protegidas em mais de 2 milhões de hectares, caso sejam aprovados, em função da criação de hidroelétricas em rios da Amazônia. Hidrelétricas, que, aliás, emitem uma quantidade enorme de gases que geram aquecimento global, especialmente metano.

A construção indiscriminada de hidrelétricas em rios preservados na Amazônia, associada a uma redução (ou eliminação) de UCs na região é um problema sério. Basta pensar que 80% da energia elétrica do Brasil vem de rios que têm pelo menos um tributário que passa por uma UC. Além disso, 9% de toda água que usamos para consumo é coletada diretamente em UCs e 4% de toda água usada na agricultura e irrigação vem de rios e riachos que correm dentro ou para fora de uma UC.

E nossa política ambiental internacional?

Desde a Rio+20, realizada em junho de 2012 aqui no Brasil, o país parece ter abdicado de sua liderança ambiental internacional. A própria Rio+20 foi duramente criticada por ter diluído uma agenda real sobre a conservação da biodiversidade em meio a uma agenda ambiental difusa, que engloba temas como sustentabilidade, mudanças globais e economia verde, todos tratados de maneira superficial. De fato, o Brasil perdeu uma oportunidade incrível de apontar o caminho para um futuro mais sustentável que inclui o manejo apropriado dos recursos naturais encontrados tanto em UCs quanto em propriedades privadas, a internalização de benefícios econômicos provenientes dos serviços ambientais prestados por UCs e o uso inteligente do dinheiro captado por meio de acordos de compensação ambiental assinados com indústrias de mineração e energia. Esse recurso permitiria, por exemplo, a criação imediata de um fundo de desenvolvimento verde de 3 bilhões de dólares.

Nas conferências internacionais subsequentes realizadas em Hyderabad (na Índia, em 2012), Doha (no Qatar, em 2013) e Warsaw (na Polônia, também em 2013), o Brasil teve uma participação tímida, bem diferente da observada em Nagoya, no Japão. Agora, na Coréia do Sul, não foi diferente.

Em minha opinião, o Brasil ainda tem a possibilidade de aliviar déficits sociais enormes e, ao mesmo tempo, emergir como uma potência verde, com grande influencia internacional. Mas para isso precisa mostrar uma agenda ambiental consistente tanto em suas políticas públicas internas, quanto externas, sem ações contraditórias. O país não deveria arriscar sua posição de líder internacional em questões ambientais, mas, pelo visto, já está arriscando muito. Se é que já não a perdeu.

 

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  • Rafael Loyola

    Diretor Executivo do Instituto Internacional para Sustentabilidade, professor na UFG e membro da Academia Brasileira de Ciências

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