Análises

Mais produção, menos desmatamento

O momento não é de reversão dos ganhos na política ambiental, mas de união do setor rural e ambientalistas voltada a maiores responsabilidades.

Britaldo Silveira Soares-Filho ·
9 de fevereiro de 2011 · 13 anos atrás
Imagem de satélite mostra queimadas ao longo da BR 163 em 2008 (fonte: Terra/NASA)
Imagem de satélite mostra queimadas ao longo da BR 163 em 2008 (fonte: Terra/NASA)

O Brasil hoje ocupa o terceiro lugar mundial como exportador de produtos agrícolas, atrás apenas dos EUA e da União Européia. Ao mesmo tempo, o Brasil vem mostrando uma enorme capacidade de conservar o seu meio-ambiente, reduzindo o desmatamento na Amazônia em 64% comparado à média entre 1996-2005. Grande parte desse esforço de conservação na Amazônia pode ser atribuída ao maior programa mundial de criação de áreas protegidas, que desde 2002 adicionou mais de 790 mil km2 de novas áreas, permitindo cobrir atualmente 46% desse bioma. Soma-se a isso uma expressiva campanha de combate ao desmatamento, coordenada pelo IBAMA e auxiliada por uma moderna tecnologia de monitoramento por satélite, e campanhas de certificação ambiental de produtos agrícolas, como a moratória da soja. Todavia, parte da queda nas taxas de desmatamento pode ser atribuída ao arrefecimento do setor agrícola durante 2005-2007. Esse fato ilustra a conexão entre os esforços de conservação e a produção agrícola e explica, em parte, o embate em torno da discussão do código florestal.

A esse respeito, presenciamos hoje no congresso um movimento para modificação do código florestal. A argumentação do agronegócio quanto ao atual código foca nos seus obstáculos ao desenvolvimento do nosso grande setor agrícola – responsável por 25% do PIB nacional. Um dos pilares dessa argumentação enfatiza que o atual código, caso suas leis sejam estritamente levadas a cabo (como de fato vem lentamente acontecendo devido aos esforços das nossas agências de fiscalização), inviabiliza economicamente grande parte das unidades agrícolas, tendo em vista o passivo ambiental das propriedades rurais que no total do Brasil pode alcançar cerca de 44 milhões de hectares somente no tocante à deficiência em reserva legal (15-17% das áreas convertidas em pastagens e agricultura). Por outro lado, ambientalistas buscam assegurar os avanços da nossa legislação ambiental, cujo código florestal consiste no instrumento de conservação privada em escala continental mais ambicioso do mundo, buscando por sua vez demonstrar a importância desse esforço de conservação para a promoção dos serviços ambientais, sobretudo nesse momento, quando se discutem os impactos já presentes das mudanças climáticas.

“A agricultura no Brasil pode expandir em até 50% sua área hoje ocupada, e com isso proporcionar 10% da demanda mundial prevista para 2030 de substituição da gasolina por 20% de etanol, ao mesmo tempo em que resolve boa parte da recuperação do passivo ambiental”

No entanto, mais que debater a flexibilização do código florestal, o importante é propor sua viabilização, porquanto sua conta é amarga. Para isso, existem oportunidades econômicas. Por exemplo, grande parte do passivo de áreas desmatadas até 1989 pode se tonar objeto de projeto de MDL (Mecanismo de Desenvolvimento Limpo) sob o Protocolo de Quioto. Algumas empresas já vislumbraram essa possibilidade. Esse é o caso da AES-Eletropaulo que recuperando a mata ciliar no entorno dos seus reservatórios obtém créditos de carbono a serem revertidos em ganhos monetários por um mercado mundial. Um entrave aos projetos de MDL refere-se ao alto custo de transação, o que praticamente deixa de fora pequenos proprietários. Mas aí que entrariam as várias esferas de governo para a promoção de projetos na escala de paisagens regionais abrangendo uma miríade de propriedades rurais. Projetos de restauração florestal poderiam fomentar um grande mercado de viveiros de mudas de árvores nativas e de espécies de madeiras comerciais, sobretudo em áreas com densa mão de obra, com é o caso dos assentamentos rurais, viabilizando assim economicamente muitos desses assentamentos localizados em remotos rincões da Amazônia e do Brasil.

Outro componente que ajudará a viabilizar o código florestal é a negociação hoje na Convenção do Clima do papel das florestas tropicais na mitigação das mudanças climáticas, haja vista que as mudanças no uso da terra (sobretudo desmatamento) representam 15% das emissões mundiais de gases de efeito estufa. Um novo mecanismo central às negociações de um protocolo Pós-Quioto chama se REDD – Redução das Emissões por Desmatamento e Degradação Florestal. A política REDD hoje já é exercida voluntariamente, como no exemplo do Fundo Amazônia, com aporte prometido pela Noruega de um bilhão de dólares, caso o Brasil tenha sucesso em atingir sua meta de redução de desmatamento, como proposto pelo Plano Nacional de Mudanças Climáticas. REDD, caso seja implementado como mecanismo oficial do novo protocolo do clima, como é o caso do MDL, poderá se materializar como uma grande oportunidade financeira para a conservação de florestas, sendo o Brasil um dos países mais bem posicionados para isso.

Nesse sentido, investimentos internacionais aportados por mecanismos como REDD, quer sejam através de mercado ou meio voluntário, são fundamentais para ajudar o Brasil – um país emergente com grandes pressões de desenvolvimento social – a manter o seu patrimônio ambiental. Isso poderia viabilizar o nosso enorme esforço de conservação na Amazônia, pagando, por exemplo, parte da conta de manutenção da sua vasta rede de áreas protegidas. Ainda, essa rede necessita ser em muito expandida nos outros biomas, como o é caso do Cerrado e Mata Atlântica, onde cobre respectivamente, apenas 7% e 2,6%, ou seja, abaixo do mínimo estabelecido de 10% pela Convenção da Biodiversidade, da qual o Brasil é signatário. Para tanto, é fundamental que o nosso novo governo não apenas dê continuidade ao nosso papel de destaque nas negociações internacionais sobre o clima e biodiversidade, mas que de fato busque liderar esse processo, tendo em vista a relevância de nosso patrimônio ambiental à humanidade com um todo.

Mas diante desse enorme esforço de conservação, como fica a situação de nossos produtores agropecuários e mesmo da necessidade de expansão dessa atividade tendo em vista às crescentes demandas por alimentos, ração animal e biocombustíveis? Estudo recente publicado pelo Banco Mundial, com a participação de vários especialistas brasileiros, no quais me incluo, demonstrou que a agricultura no Brasil pode expandir em até 50% sua área hoje ocupada, e com isso proporcionar 10% da demanda mundial prevista para 2030 de substituição da gasolina por 20% de etanol, ao mesmo tempo em que resolve boa parte da recuperação do passivo ambiental, bastando para isso intensificar a pecuária, cuja lotação atual de pastagem é de apenas um boi por hectare. Esse exemplo demonstra que existem soluções. Naturalmente, isso demandaria um forte programa de incentivos.

Portanto, o momento não é de reversão dos ganhos na política ambiental, mas de união do setor rural e ambientalistas voltada a maiores responsabilidades socioambientais. Isto não só garantirá a estabilização do clima e um meio-ambiente saudável, mas também a permanência de ganhos sociais e econômicos.

*Britaldo Silveira Soares-Filho é Coordenador do Programa de Pós-graduação em Análise em Modelagem de Sistemas Ambientais da Universidade Federal de Minas Gerais.

Este artigo também foi publicado no jornal Correio Brasiliense

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