Análises

Miopia ministerial

Brasil deve exercer liderança na luta contra aquecimento trazendo divisas para o país a partir do controle do desmatamento. Até agora, o governo desvaloriza a oportunidade.

Paulo Moutinho ·
28 de maio de 2007 · 17 anos atrás

As declarações do MMA durante os debates da Semana Nacional da Mata Atlântica (Informativo Diário do Ministério do Meio Ambiente Ano VIII – Nº 093 – 25/05/2007, www.mma.gov.br) revelam uma miopia recorrente: o desmatamento tropical não é importante como fonte de emissão de gases de efeito estufa. Segundo o representante do ministério presente no evento, “é bobagem dizer que a redução do desmatamento resolverá o problema do aquecimento”. Tal afirmação ignora por completo o fato de que sem a redução do desmatamento, não há como evitarmos as tais “alterações perigosas do sistema climático”, que aconteceriam ao se passar de um limite de concentração de gás carbônico na atmosfera calculado entre 450-550 ppm (partes por milhão) – estamos atualmente por volta de 370 ppm. É o que está no relatório do IPCC e no de Nicholas Stern.

Por exemplo, reduzir as taxas de desmatamento de todas as florestas tropicais do planeta em 50% até 2050 e manter este nível até 2100 poderia evitar a emissão de 50 bilhões de toneladas de carbono neste século. Isto equivale a quase 6 anos de emissões anuais decorrentes da queima de combustíveis fósseis e até 12% do total de reduções que devem ser atingidas por todas as fontes de emissão até 2100 para evitar as tais alterações perigosas citadas acima. Seria isto pouco ou bobagem?

Também as declarações do MMA passam a idéia de que não adianta fazermos nada quanto ao desmatamento, pois evitá-lo não traria benefício algum para o clima, já que a solução do problema está com os países ricos que historicamente poluíram a atmosfera com suas indústrias. Certamente 80% do problema da mudança climática resulta das emissões exageradas dos países desenvolvidos e são estes que devem ser fortemente cobrados no sentido de reduzirem suas emissões em seus próprios territórios. E é isto que a diplomacia brasileira, acertamente, vem fazendo há muito. Mas, os outros 20% do problema se deve ao uso da terra, especialmente desmatamento. Então, se desmatamento é parte do problema, deve ser também parte da solução. Simples assim.

Reduzir desmatamento, portanto, é a via que o Brasil deve seguir para contribuir com a mitigação das mudanças do clima. E é o que mais pode beneficiar o país. O próprio MMA demonstrou que é possível o controle do desmatamento e que o volume de gás carbônico que deixou de ir para atmosfera com este controle foi da ordem de milhões de toneladas. Um resultado infinitamente maior (e mais barato) do que se poderia obter com o reflorestamento para captura de carbono via MDL, o Mecanismo de Desenvolvimento Limpo.

Se a redução de emissões conseguida pelo governo com a queda recente das taxas de desmatamento fosse compensada por algum mecanismo internacional, a arrecadação também seria da ordem de milhões, se não de bilhões, de dólares. Fizemos a redução destas emissões de graça. Ou seja, nosso esforço de prestarmos um serviço ao planeta reduzindo nosso desmatamento e, por conseqüência, as emissões de carbono parece agora não valer muita coisa, mesmo para o governo. Na verdade, manter a floresta em pé é caro. Se for a opção do Brasil manter este patrimônio, isto representará um esforço crucial para a questão climática e, portanto, deverá ser compensado.

Não estamos com isto pedindo esmolas, mas sim solicitando um reconhecimento para tal esforço. É preciso que se entenda que a opção por um desenvolvimento baseado na conservação florestal representa um esforço tão grande quando aquele a ser realizado pelos países desenvolvidos ao mudarem as suas matrizes energéticas. O fundamental agora é o Brasil exercer sua posição de liderança e assumir de uma vez por todas uma postura mais pró-ativa, explorando a oportunidade única de trazer divisas para o país a partir do exercício de sua capacidade de controlar o desmatamento. Continuar na defensiva é, no mínimo, antigo e sem um sentido climático.

  • Paulo Moutinho

    Paulo Moutinho é Coordenador de Pesquisas do Programa de Mudanças Climáticas do IPAM – Instituto de Pesquisas Ambientais da A...

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