Análises

Floresta não é madeira

Por que os cursos de Engenharia Florestal não ensinam a exergar nas florestas mais do que os metros cúbicos de madeira? Um aluno pergunta e responde.

Rodrigo Hecht Zeller ·
21 de julho de 2005 · 19 anos atrás

Este artigo chegou a O Eco através do professor Carlos Firkowski, da Universidade Federal do Paraná (UFPR). Foi escrito por um aluno de Engenharia Florestal que, segundo Firkowski, faz “projetos na área ambiental desde 2001 por instinto e pelo prazer de subir montanhas para apreciar vastas paisagens e tentar contribuir para a conservação da vida”. Zeller é paulista, tem 24 anos e “conhece a Chapada da Diamantina como ninguém” – e isso, para o site, já é credencial de sobra.

É cada vez mais importante justificar a criação, para não falar na existência, de unidades de conservação públicas no Brasil. Principalmente as de proteção integral, que só permitem o uso indireto de recursos naturais e por isso cumprem o que está escrito na Política Nacional da Biodiversidade, assunto do Decreto Federal 4.339 de 2002, na Convenção da Diversidade Biológica, ratificada pelo Brasil em 1998, e em vários artigos científicos dos melhores autores de vários países.

Isso está acertado. Mas, apesar do estado crítico de degradação de muitas formações naturais, propostas de criação ou ampliação de parques geram muita polêmica no Brasil. Exemplos disso não faltam. Vale citar os casos da ampliação dos parques nacionais do Grande Sertão Veredas em Minas Gerais, da Chapada dos Veadeiros em Goiás e da gritaria suscitada pela criação do Parque Nacional dos Pontões Capixabas no Espírito Santo.

Mas não é preciso ir longe em busca de exemplos. Aqui mesmo, no Paraná, a criação de unidades para proteger as últimas manchas de floresta com araucárias deu até briga. É comum observar as pessoas questionando a necessidade de se criar unidades de conservação públicas, se outras iniciativas poderiam ter o mesmo efeito, como atividades de educação ambiental e criação de reservas particulares.

Elas não levam em conta que as unidades públicas e de proteção integral são a principal defesa da biodiversidade, especialmente em casos críticos como o da floresta com araucárias. As outras iniciativas podem e devem ser incentivadas e praticadas de forma complementar. Mas, por vários motivos, inclusive estratégicos, o Estado é o principal responsável pelo patrimônio natural.

Também se ouve freqüentemente, entre aqueles que se opõem à criação de unidades de proteção integral, a idéia de se criar áreas de proteção ambiental (APAs) em vez de parques. A APA admite a presença de áreas privadas no seu interior e nada mais é do que um esforço legal adicional no sentido de disciplinar o uso e ocupação do espaço. Em alguns casos, sugere-se que, depois de estabelecida a APA, poderiam então ser criadas unidades mais restritivas no seu interior. Essa proposta foi apresentada semanas atrás numa mesa-redonda sobre a conservação de florestas com araucárias, na III Semana do Meio Ambiente em Curitiba.

O problema é que a situação da maioria das APAs no Brasil é precária. Logo, não podem fazer muita coisa pelos últimos remanescentes de Floresta Ombrófila Mista. Ainda por cima, que sentido faz criar uma unidade tampão para uma área-núcleo que ainda não existe ou não é reconhecida? O que ficou claro na tal mesa-redonda foi a preocupação em relação aos problemas sociais, supostamente ocasionados pela criação dessas unidades de conservação. Isso, na melhor das hipóteses, é desconhecer a legislação sobre o assunto. A Lei Federal 9.985/00 e a Instrução Normativa 09/03 do IBAMA prevêem a indenização ou reassentamento de pessoas residentes em unidades de conservação, onde sua permanência não é permitida, com base em preços atualizados e regionais.

Mecanismos legais – como o Decreto Federal 4.340/02, a Medida Provisória 2.116-97/01 e a Lei Federal 6.938/81, entre outros, dão prioridade à destinação de recursos para fins de regularização fundiária de unidades de conservação. E, mesmo se houver morosidade no processo (o que infelizmente é comum), os meios tradicionais para vida das pessoas envolvidas são assegurados até o término do processo.

É óbvio que é traumático para uma pessoa ou família ter que sair de sua casa, propriedade ou posse por causa de uma intervenção de utilidade pública, mas é um mal necessário e, na medida do possível, compensado para um bem muito maior que abrange inclusive as pessoas deslocadas. E, em muitos casos, as pessoas retiradas de parques acabam se beneficiando da situação, na medida em que têm a oportunidade de permanecer na sua região com acesso a assistências técnica e/ou financeira para desenvolver atividades econômicas mais saudáveis em relação ao ambiente. Com isso, valorizam sua cultura, além de um usufruir mais facilmente de serviços básicos de saúde, educação e outros.

Também tem se observado inúmeros benefícios ocorrendo no entorno e interior de várias unidades de conservação em decorrência da sua existência, como por exemplo, na região do Parque Estadual do Morro do Diabo, em São Paulo, e do Parque Nacional da Serra da Capivara, no Piauí. Nessas duas regiões, organizações não-governamentais, estimuladas pelos patrimônios dos parques, vêm desenvolvendo projetos junto a comunidades locais, que tornam viável o desenvolvimento de atividades econômicas “saudáveis”, como artesanato, ecoturismo e sistemas agroflorestais.

Por que as pessoas acham que a criação de parques limita o progresso do país e gera problemas sociais? Será que vivemos num país subdesenvolvido por causa das unidades de conservação, que ocupam menos de 6 % do território nacional? Aliás, as de proteção integral não chegam a 3 %. Ou será que o problema está no uso inadequado dos outros 94 % das terras brasileiras?

Gostaria muito, em próximos debates sobre a criação de unidades de conservação, de ouvir falar de atividades que podem e devem ser desenvolvidas dentro e fora das áreas, visando um uso múltiplo, racional e perene da floresta que valorize o ambiente natural. Mas para isso é evidente a necessidade de mudanças cirúrgicas no nosso currículo de Engenharia Florestal – mudanças que, entre outras coisas, dêem maior importância à área de conservação da natureza, não só porque o mercado de trabalho nesta área tem demanda crescente, mas também para que o curso fique um pouco mais contemporâneo. E, principalmente, para conseguirmos enxergar numa floresta algo mais do que os metros cúbicos de madeira.

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