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De onde vem o esgoto carioca

Cidade que concentra 17% do total de moradores em favelas do país, o Rio de Janeiro está afundando na falta de rede de saneamento. Na região metropolitana, mais de 1 milhão de pessoas vive sem água encanada.

6 de outubro de 2004 · 19 anos atrás
  • Carla Rodrigues

    Jornalista, é doutora e mestre em Filosofia (PUC-Rio), onde estuda questões éticas e políticas. Coordenadora do Centro Técnic...

Décimo no ranking dos vereadores cariocas mais votados, o paraibano Nadinho de Rio das Pedras chegará à Câmara Municipal carregando na vitória o emblema das contradições que marcam a cidade do Rio de Janeiro. Eleito com 34 mil votos, sendo 17 mil deles obtidos na favela de Rio das Pedras, em Jacarepaguá, Zona Oeste do Rio, Nadinho teve no apoio do prefeito Cesar Maia a força que faltava para deixar de ser líder comunitário de uma grande favela e se tornar vereador. Eleito com mais de 60% dos votos na Barra da Tijuca, o prefeito Cesar Maia tem conquistado os votos dos moradores do bairro desde 1996, quando elegeu seu sucessor e hoje desafeto Luiz Paulo Conde, como indicam os mapas com os resultados eleitorais de Cesar, em 2000, e de Conde, em 1996. Com o cacife eleitoral da região ele fez, por exemplo, do anônimo subprefeito da Barra, Eduardo Paes, um dos deputados federais mais votados do Rio de Janeiro. Todo este poder nas urnas tem resistido, inclusive, ao aparecimento, cada vez mais regular, do esgoto in natura das águas das praias do bairro.

A grande contradição está no fato de que o esgoto que incomoda aos eleitores de Maia na orla da Avenida Sernambetiba vem, em grande parte, das lagoas de Jacarepaguá, nas margens das quais a favela de Rio das Pedras cresce há 12 anos – não por acaso o mesmo tempo em que o prefeito está no poder – e de onde saíram, também, os votos que elegeram Nadinho. Esgoto e água ainda são, como indicam os números do IBGE, um grande problema na capital que concentra 17% dos moradores em favela de todo o país, apesar de o município representar apenas 3.5% da população do país e 6% da população da região Sul-Sudeste. A informação está no estudo Condições Habitacionais no Estado do Rio de Janeiro: progressos e desafios, no qual o economista Ricardo Paes e Barros e mais dois autores mostram que quase 80% dos fluminenses que vivem em favelas estão em um único município – a capital.

De todos os indicadores domiciliares da PNAD, o que menos cresceu em todo o país nos últimos 10 anos foi o saneamento básico: em 2003, o percentual de moradias atendidas por rede coletora de esgoto representava 48,0%, contra 39% em 1993. Na Região Metropolitana do Rio de Janeiro, o que a pesquisa Indicadores Sociais do IBGE mostra é que 334 mil domicílios não dispõem de serviço de abastecimento de água por rede geral com canalização interna, que pelo número médio de 3,1 moradores por domicílio, pode atingir a mais de um milhão de pessoas sem fonte segura de abastecimento de água. O pior da situação é a falta de perspectiva de melhorar: “Os progressos no acesso à água e ao saneamento mostraram-se insuficientes. De fato, à velocidade com que estes indicadores melhoraram na última década, serão necessários cerca de 27 anos para universalizar o acesso adequado à água e mais de 30 anos para universalizar o acesso ao saneamento básico no estado”, diz o economista Ricardo Paes e Barros no documento.

Mais consumo, menos moradia

Pelas contas de Paes e Barros, ao longo da década de noventa, a cada ano 16 mil fluminenses a mais passaram a viver em favelas. O que seu estudo faz é comparar as características de moradia no estado do Rio de Janeiro com a melhoria na aquisicão de itens de consumo destes moradores. O resultado é impressionante: existem mais fluminenses vivendo em favelas do que fluminenses vivendo sem TV, geladeira ou coleta de lixo, ao contrário do que acontecia no começo dos anos 90, quando o acesso a bens duráveis ainda era inferior ao número de pessoas vivendo em favelas.

A conclusão de Paes e Barros é que “os fluminenses mais pobres vêm dando maior atenção à posse de bens duráveis do que propriamente à melhoria das características básicas de suas habitações.” Ou seja, vale mais a pena comprar uma TV do que trocar a casa da favela por um apartamento no bairro mais próximo. A explicação para este comportamento estaria no fato, segundo o economista, de que a permanência numa habitação precária, porém sem custo, permite o investimento da renda em outros itens de consumo. Deixar a favela, de certa maneira, significaria empobrecer, já que o item moradia passaria a ter um peso no orçamento doméstico.

Por outro lado, ele chama atenção para o fato de que o estado brasileiro tem demonstrado maior capacidade de prover serviços básicos às camadas mais pobres do que regularizar e garantir padrões mínimos de ocupação. O raciocínio é simples: os dados de Paes e Barros servem para demonstrar que interessa mais ao poder público conquistar o eleitor provendo serviços – como a coleta de lixo, por exemplo – do que impondo normas e regras habitacionais. O cenário contribui para a consolidação das favelas não como moradia precária por falta de opção, mas como escolha de um lugar para viver.

Um bom exemplo da falta de regras habitacionais são os 10 anos do Favela-Bairro, que pouco fez pela contenção dos limites das áreas invadidas. A explosão de Rio das Pedras nos últimos 12 anos ajudou na expressiva votação de Nadinho e transformou o mar da Barra da Tijuca num problema ambiental. Para conquistar todos estes votos, no entanto, Nadinho amargou duas derrotas. Formada basicamente por migrantes da Paraíba e do Ceará que ainda não tinham transferido o domicílo eleitoral para o Rio de Janeiro, há quatro anos Rio das Pedras já tinha cerca de 40 mil moradores, mas apenas quatro mil eleitores. Hoje, já são mais de 60 mil pessoas, das quais 17 mil eleitores, resultado de uma maciça campanha pela transferência do título feita pelo próprio Nadinho.

O estudo “Condições Habitacionais no Estado do Rio de Janeiro: progressos e desafio” é de Ricardo Paes e Barros, Mirela de Carvalho e Samuel Franco. Foi publicado pelo Iets e está baseado nos dados do Atlas de Desenvolvimento Humano no Brasil, aplicativo estatístico produzido pelo IPEA, pela Fundação João Pinheiro e pelo PNUD.

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