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Rio 2016: jogos da verdade

Há muito tempo as Olimpíadas não são uma singela competição esportiva. Talvez um evento tão excepcional possa nos motivar a descruzar os braços, e nos ensinar a cobrar, fiscalizar e exigir.

9 de outubro de 2009 · 14 anos atrás

A sorte está lançada. Façam suas apostas. De um lado, a turma do “somos os melhores do mundo e nossos problemas acabaram”. Do outro, o time dos rabugentos para quem os jogos olímpicos só se prestarão a alimentar a corrupção e desviar a atenção das “coisas realmente importantes”. Já até se escuta por aí que o evento será uma vergonha! Nem tanto ao céu, nem tanto ao inferno.

Depois da ressaca, já podemos analisar os fatos com a cabeça no lugar. O triunfo do Rio representa, sim, algo importante. Trata-se de uma conquista. Vale mais para o país que uma medalha de ouro fortuita, obtida por obra do acaso. O processo de escolha da cidade sede das Olimpíadas é altamente complexo. Por isso, demanda dos pretendentes extrema habilidade política (interna e externa), planejamento, trabalho em equipe, criatividade e perseverança. O sucesso ratifica a imagem de um país preparado para grandes desafios. Além disso, os adversários eram fortíssimos, o que valoriza a vitória.

A crítica fácil geralmente é injusta, mas gera reflexão importante. Grandes obras e corrupção andam sempre de mãos dadas. E nós, brasileiros, não somos muito afeitos à inspeção cotidiana do bem público. Ao contrário, estamos mais preocupados em saber como é que podemos tirar uma casquinha. Políticos trapaceiros e trapaceiros não-políticos certamente vão surfar na onda do otimismo. Entre verdades e mentiras, há muito exagero dos dois lados. Algumas reflexões, porém, não podem passar batidas até 2016.

O tal meio ambiente

Os japoneses prometeram os Jogos mais verdes da história, com baixíssima emissão de poluentes. O projeto incluía painéis para captação de energia solar sobre o estádio olímpico e plantação de quase meio milhão de árvores formando corredores verdes. As instalações estariam concentradas dentro de um raio de oito quilômetros, diminuindo o deslocamento de pessoas e materiais desde a fase de construção. Pretendiam ainda modernizar as estruturas já existentes, em vez de construir novas, economizando energia e matérias-primas. Muitos dos prédios teriam “telhados verdes” para diminuir o escoamento das águas pluviais.

Ocorre que lá no Comitê Olímpico Internacional, as questões ambientais também não ganham votos. Como nós estamos mais acostumados com isso, levamos a melhor. Triste é ver que um país como o Brasil, conhecido por suas riquezas naturais, não usou argumentos nem parecidos. Mas a natureza estava lá. A Mata Atlântica esteve presente em todos os vídeos promocionais, emoldurando as belas paisagens cariocas. E nem tudo está perdido. Apesar de estar em segundo plano, o projeto do Rio é animador em alguns sentidos.

Prevê-se um investimento de 1 bilhão de reais no meio ambiente urbano, basicamente para despoluição da Lagoa Rodrigo de Freitas e de suas primas em Jacarepaguá. Além disso, o investimento em transporte terá reflexos positivos na qualidade de vida dos cariocas. Despoluir a Baía de Guanabara, possível palco das principais competições de vela, é que parece mais complicado.

Antes da Rio 92, já se previa a limpeza da famosa baía, mas na verdade, o projeto nem tinha esta ambição. A questão era diminuir a carga de deposição de dejetos no local e, esperava-se, só isso iria causar grande impacto. Em 1994, quando as obras do Programa de Despoluição da Baía de Guanabara (PDBG) estavam prestes a começar, o Rio se viu com quase 800 milhões de dólares disponíveis, parte financiado pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento, pela agência japonesa Japan Bank for International Cooperation e cerca de 200 milhões de dólares do governo estadual. Cabia aos recursos estrangeiros bancar as estações de tratamento de esgoto nas margens da Guanabara. E ao estado do Rio fazer toda a rede coletora. As estações ficaram prontas. As redes não. As estações começaram a rachar e estragar. E tantos milhões investidos foram para o ralo. Até hoje, o negrume e o odor da baía são de torcer o nariz.

Veio o Pan de 2007 e a promessa foi repetida, mas a baía continua precisando de mais do que somente um tratamento estético profundo. Mais uma daquelas estórias que ninguém entende. Se não deu certo antes, por que deveríamos acreditar que vai dar certo desta vez? Honestamente, não sei. Mas tenho minhas teorias sobre o porquê de não ter dado certo. Talvez ajude de algo.

O tal legado

Há muito tempo os Jogos Olímpicos não são uma singela competição esportiva. Trata-se de evento que muda o cotidiano das pessoas no mundo inteiro, movimenta bilhões de dólares e transforma cidades. O legado deixado não é mera conseqüência da olimpíada, mas a razão de ser da mesma. Portanto, deve ser pensado e repensado. Que tal, então, pensar num legado cultural ao povo brasileiro? Que tal uma mudança no comportamento social? Talvez um evento tão excepcional possa nos motivar a descruzar os braços, e nos ensinar a cobrar, fiscalizar e exigir. O apoio popular foi fundamental para a escolha do Rio como cidade sede, assim como a pressão popular é o motor dos políticos. Entre o excesso de otimismo e o mau humor dos ranzinzas, fico com o realismo. Temos os governantes que merecemos e, desculpe a pieguice, um bom legado à cidade depende tanto de mim quando do Lula. E já que o assunto permite, torcer um pouco ajuda.

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