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Irresponsabilidade amazônica

Ministério Público Federal ajuiza nesta quinta ação contra usina de Belo Monte. Ibama, BNDES e empreeiteiras devem ser responsabilizados. Confira irregularidades.

Redação ((o))eco ·
7 de abril de 2010 · 14 anos atrás

O Ministério Público Federal no Pará avisou que amanhã vai ajuizar uma ação civil pública pedindo a anulação da licença prévia concedida pelo Ibama à usina hidrelétrica de Belo Monte. As fragilidades técnicas e o atropelo às normas ambientais são flagrantes. Os procuradores vão pedir o cancelamento do leilão de energia da usina, um dos fatores que mais pressionaram a emissão da licença prévia, que está marcado para o dia 20 de abril.

O MPF alega que para a realização do leilão a licença de instalação deve ser autorizada antes, conforme a resolução 06/1987 do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama). As sanções também são destinadas ao Ibama, para que não emita licenças quando existem ainda claramente dúvidas sobre a viabilidade ambiental dos empreendimentos. O BNDES, a Odebrecht, a Camargo Correa, a Andrade Gutierrez, a Vale, além da J. Malucelli Seguradora, Fator Seguradora e UBF Seguros também serão notificados como co-responsáveis se cooperarem com danos e ilegalidades descritos.

Confira a lista de ilegalidades apontadas pelo MPF sobre a usina de Belo Monte

1 – É a primeira vez que um empreendimento afeta diretamente terra indígena, aproveita recurso hídrico de terras indígenas e a Constituição exige, no artigo 176, que esse tipo de aproveitamento só poderá ser autorizado pelo poder público após edição de leis ordinárias regulamentando a questão, o que não existe no ordenamento jurídico brasileiro.

2 – A equipe de técnicos que fez o licenciamento consignou em um dos documentos públicos: “Não foi feita análise das contribuições das audiências públicas”. A Constituição Federal determina que o Brasil, enquanto estado democrático de direito, deve garantir a participação popular. E no caso de um licenciamento, essa participação não pode ser meramente formal. Fazer audiência pública e ignorar o que o público disse é contrário aos princípios democráticos. No caso específico de Belo Monte, ignorar a sociedade é ainda mais lamentável porque, pela primeira vez, cientistas de várias instituições se reuniram para analisar o projeto e contribuir com o licenciamento, mas não foram considerados devidamente.

3 – Princípio da precaução: na dúvida sobre impactos graves, o empreendimento não pode ser executado. Belo Monte deixou dúvidas quanto ao hidrograma previsto para os 100 km da volta grande que serão afetados pelo desvio do rio. A Eletrobrás propôs inicialmente uma vazão que seria de até 4000 m3/s em um ano, e de 8000 m3/s no ano seguinte. O Ibama condenou esse hidrograma. Mas tampouco têm certeza sobre o hidrograma que propôs, qual seja, de 8000 m3/s em todos os anos. O Ibama fala em “testar” essa vazão durante seis anos e depois avaliar os impactos. Não é possível fazer “testes” desse tipo quando se trata de questão ambiental, ou se tem certeza do que vai acontecer ou o projeto não pode ir para frente.

4 – Qualidade da água: outra incerteza que fica evidente na análise dos técnicos do Ibama é sobre a qualidade da água se a usina for construída. Em vários pontos, os responsáveis pelo licenciamento se dizem preocupados com projeções de toxicidade para humanos e peixes. Falam em “impacto de grande magnitude possivelmente irreversível”. Em parecer do dia 27/01 (quatro dias antes da licença ser concedida), especialistas da Universidade de Brasília recomendaram que se aguardasse mais tempo antes de qualquer decisão sobre o empreendimento, para que novas análises sobre o tema pudessem ser feitas. Os próprios analistas do Ibama, em 29/01, portanto dois dias antes da emissão da licença, reconheceram a falta de dados e disseram que o tema estava pendente. Mesmo assim, a licença foi concedida e a questão entrou como condicionante.

5 – Obrigação de avaliar medidas mitigadores. Uma vez identificados os impactos negativos, o governo só pode liberar um empreendimento se analisar as medidas propostas pelo empreendedor para mitigar ou compensar esses impactos. Resolução do Conama especificamente determina isso. No caso de Belo Monte, as medidas de compensação não foram apresentadas antes da licença prévia. Se, por exemplo, as barragens começarem a formar poças no leito do rio e a população de mosquitos se proliferar, ninguém tem um plano para evitar o aumento dos casos de malária.

6 – Trecho de Vazão Reduzida. O MPF analisou dados da Agência Nacional das Águas que demonstram que são inconciliáveis os interesses econômicos/energéticos e ambientais. O rio Xingu, em 35 anos analisados, só alcançou 22 mil m3/s de volume em 6% dos dias. Se são necessários 14 mil m3/s para produzir energia e, pelo menos, 8 mil m3/s para manter a vida nos 100 km do trecho de vazão reduzida, fica evidente que a usina vai impor uma escolha absurda: ou se sacrifica a Volta Grande ou se sacrifica a geração de energia.

7 – Desobediência à resolução nº 006/1987 do Conselho Nacional do Meio Ambiente. A resolução do Conama é auto-explicativa. Leilão, só depois da Licença de Instalação. O governo não esperou e agora poderá ser obrigado pela Justiça a cumprir a regra do jogo.

8 – Necessidade de reedição da Declaração de Reserva de Disponibilidade Hídrica. A Agência Nacional das Águas tem que “conceder” a água necessária para a geração de energia, porque se trata de um bem público. A ANA deu a concessão antes da licença prévia e, portanto, esse documento não prevê o hidrograma que foi alterado pelos técnicos. Seria necessária uma nova concessão da Ana, com as mudanças previstas pelo Ibama.


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