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Cana hi-tech?

Tribunal de Justiça de São Paulo referenda lei municipal que proíbe queimadas nas plantações de cana-de-açúcar, tocadas até hoje como na idade da pedra. É a vez das máquinas.

23 de março de 2007 · 17 anos atrás

Poucas semanas depois do encontro de brilhantes estadistas protagonizado por Bush e Lula, e ainda em meio ao frenesi causado pelas promessas de redução de tarifas para a exportação do nosso etanol para os Estados Unidos, a Corte Especial do Tribunal de Justiça de São Paulo dá o que pode ser o primeiro passo para acabar de vez com as polêmicas queimadas da palha da cana-de-açúcar.

Na última quarta-feira, 21 de março, a Corte decidiu que a Lei Municipal nº 3.963/05, de Limeira (localizado a 156km da capital), que proíbe a prática de pôr fogo nas palhas de cana-de-açúcar, é constitucional, e que o Município tem competência para legislar em matéria de proteção ambiental.

Até agora, o Tribunal vinha acolhendo o entendimento do pessoal da indústria sucro-alcooleira, que defendia a inconstitucionalidade da lei municipal porque ela, em tese, contrariaria uma lei do Estado de São Paulo que prevê uma redução gradativa nas queimadas até o ano 2031. Além disso, as queimadas eram defendidas pelo velho (caduco) argumento de que a mecanização da colheita (que dispensa a prática da queima das palhas) geraria muito desemprego etc…

O que se fazia, portanto, era evitar ao máximo a mecanização, obrigando as queimadas da palha, que fica no chão como resultado da colheita do ano anterior, para permitir o acesso mais fácil dos cortadores aos pés de cana. A colheita manual, segundo os plantadores, além de gerar emprego (sub-emprego seria mais adequado), aumenta a produtividade da terra, já que os cortadores conseguem decepar a cana bem próximo à raiz, o que as máquinas não fazem (as máquinas cortam a cana cerca de 15cm acima do solo), além de permitir um maior adensamento da plantação. E isso vinha colando como desculpa para continuar botando fogo.

Mas os magistrados paulistas, ainda bem, vêm mudando de opinião, no que o Desembargador Renato Nalini chama de “um sinal de maturidade”. Dos 21 desembargadores que votaram no caso, 15 entenderam que a prática da queima é primitiva. Segundo o voto de Nalini, “a lei estadual eufemisticamente veda a queima da cana. Só que propõe leniência incompatível com os danos causados à saúde dos municípios e à qualidade de vida regional. Legítima a atuação das cidades ao vedarem a continuidade daquilo que se mostra tão pernicioso”.

Ele tem razão. Uma coisa é reduzir gradativamente uma determinada prática tradicional, com raízes profundas na nossa cultura. Outra é permitir que se continue poluindo e lançando gases nocivos na atmosfera por mais 25 anos simplesmente porque o país tem a mania de manter um pé na idade da pedra, sob o pretexto absurdo de ter que dar sustento à enorme massa de mão-de-obra desqualificada criada por sucessivos governos inoperantes. Isso, sim, é o absurdo da solução paliativa.

Quanto à perda da produtividade, já há quem defenda que a colheita mecânica traz mais benefícios do que prejuízos, porque o toco de cana que a máquina deixa sobre a raiz guarda nutrientes que potencializam a colheita do ano seguinte (o pé de cana permite em torno de 5 safras), além de não utilizar o fogo para limpar o terreno, poupando o solo de uma degradação desnecessária. Ou seja, a perda inicial de produtividade seria mais do que compensada pelo ganho nas lavouras subseqüentes.

Talvez por isso na região Sudeste, que concentra 70% das plantações de cana do país, a mecanização já atinja 40% da lavoura (e isso considerando-se que aqui o terreno é menos plano do que no Centro-oeste e, portanto, menos adequado ao uso de máquinas). Ou seja, a proibição da queima da palha de cana-de-açúcar é, provavelmente, a melhor coisa que poderia acontecer para o país: vai acabar com ao menos uma das formas de exploração desumana dos trabalhadores rurais, reduzir as emissões de gases nocivos e, de tabela, pode aumentar a produtividade do setor e a competitividade do país.

O meu único medo é que, se a coisa der muito certo, os terroristas do Al-Quaeda, que já rondam as fronteiras do país, podem vir guardar suas armas de destruição em massa no Rio de Janeiro, nos transformando numa ameaça para a democracia (um governo pouco democrático e uma crescente massa de fanáticos religiosos nós já temos). Aí, só uma intervenção imediata, rápida e cirúrgica dos Estados Unidos poderá nos salvar da danação.

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