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Eco-terrorismo chinês?

Numa grande trapalhada, ou num ato de heroísmo verde, uma vila chinesa foi coberta por água tóxica que vazou de fábrica para que o Rio Amarelo não fosse poluído mais uma vez.

12 de setembro de 2006 · 18 anos atrás

Os chineses acabaram de inventar uma espécie de lambança ambiental — ou de proteção ambiental, ainda há quem argumente — que, até hoje, nunca se viu pelas bandas de cá. E olha que nós somos fecundos em modalidades de fazer besteira nesse departamento, ainda mais quando se trata de favorecer a economia e a “justiça social” em detrimento da salvaguarda do meio ambiente. Lá, contudo, acaba de ser lançada o estilo de devastação “que se danem as pessoas, eu quero é dinheiro”. Deve ser a diferença de religião. Ou de regime político.

Por aqui, é raro se ver um barraco removido da margem de um rio, por causa das pobres pessoas que moram nele e que, se não vivessem naquela área de proteção permanente, estariam no olho da rua. É a velha filosofia bíblica de que o meio ambiente só existe para saciar as necessidades humanas e que pobre pode fazer o que bem entender, para ser recompensado pelas inúmeras injustiças sociais a que é submetido. Lá na China, pelo contrário, para não fechar duas fábricas, e não poluir ainda mais um rio que já foi palco de mais do que a sua cota justa de vazamentos tóxicos, afogou-se em lama venenosa uma vila com mais de 50 casas.

Segundo matéria do New York Times do último dia 4, a pequena vila agrícola de Sugai foi engolida por uma onda de água venenosa, causada pela ruptura proposital de um dos tanques de decantação das usinas de papel que ficam na região. Com isso, o caso que inicialmente parecia ter sido o primeiro grande sucesso da nova política ambiental chinesa, mais rigorosa e moderna, mostrou-se o desastroso fracasso que na realidade é.

“Por décadas, as duas fábricas, Saiwai Xinghuazhang Paper Company e Meili Beichen Paper Company, derramaram suas lamas tóxicas diretamente no Rio Amarelo. Cinco anos atrás, a introdução de novas normas reguladoras acabou com esse despejo e as fábricas passaram a bombear o lixo para um longo canal de drenagem conectado ao intrincado sistema de irrigação e proteção de enchentes da região”, diz a reportagem. “Mas em junho de 2004, a comissão que regula o sistema de irrigação decidiu solucionar o problema da elevação dos níveis de água no sistema despejando a água poluída do canal no Rio Amarelo. O despejo criou uma camada de poluição que matou dezenas de milhares de peixes e mergulhou a cidade de Baotou, que fica rio abaixo, em uma crise de água potável que durou dias”.

As autoridades federais chinesas, aparentemente, trataram o problema como deveriam, com base nas novas leis. Multaram as fábricas e forçaram-nas a fechar as portas até que um sistema de tratamento adequado de água fosse implantado. Ainda obrigaram as empresas a indenizar a cidade de Baotou em US$ 300 mil, no que, segundo o New York Times, foi chamado de o primeiro processo judicial por poluição do Rio Amarelo. As autoridades provinciais, contudo, sobre as quais pairam as mais palpáveis suspeitas de corrupção, decidiram que não seria do interesse da comunidade local fechar as fábricas e, atropelando as ordens federais, mandou que as fábricas apenas construíssem imensas piscinas temporárias para armazenagem da água poluída bem às margens do Rio Amarelo.

Vendo a evidente ameaça que as piscinas representavam para o rio, o Sr. Li Wanzhong, diretor do órgão ambiental da região, determinou às autoridades da província o fechamento das fábricas caso elas continuassem a descumprir as normas de emissões, mas, segundo o jornal, elas nunca foram fechadas. Como não poderia deixar de acontecer, em uma grande tempestade em abril, as piscinas começaram a transbordar com o vento. As autoridades locais adotaram a solução que lhes pareceu mais lógica: abrir um buraco na parede do reservatório para que a água contaminada pudesse escorrem em uma direção segura e não para dentro do Rio Amarelo. Se algumas vilas, incluindo Sugai, estavam no caminho da tsunâmi de água podre criada, não era culpa delas.

Talvez por isso, as autoridades também não tenham se sentido na obrigação de avisar ninguém — o único aviso, segundo o New York Times, veio de um habitante da vila que conseguiu telefonar, escondido, de sua sala em uma das fábricas. Mas não adiantou muito. A população ainda tentou construir um dique de lama, mas que foi facilmente destruído pela força da água. A vila toda ficou “sob uma poça negra”. As famílias já foram realocadas. As terras da região, antes boas para a agricultura, ficaram imprestáveis.

Uns dizem que, com isso, a China transmitiu a clara mensagem — que o Brasil já conhece de-cor-e-salteado — que não adianta nada ter uma legislação ambiental forte se aqueles encarregados de cumpri-las não fizerem o seu trabalho. Mostrou que oficiais corruptos, com medo de que sua inoperância no cumprimento de ordens superiores fosse descoberta, agiram de maneira irresponsável e criminosa.

Outros, como eu, preferem pensar diferente. Vêem nessa decisão um surto de ambientalismo fanático. Acham que foi a maior e mais corajosa tentativa de fazer as pessoas sentirem, na pele, os perigos de negligenciar questões ambientais. Desse ângulo, sacrificar uma vila inteira para salvar um rio é um passo e tanto em defesa do meio ambiente, e nada de se estranhar em uma cultura que ainda aceita o fuzilamento de criminosos.

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