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Crise de identidade

A crise constitucional da União Européia apresenta reflexos ambientais. Enquanto o Legislativo Europeu anda sem rumo, o Judiciário caminha firme e para frente.

24 de junho de 2005 · 19 anos atrás

A crise desencadeada pela rejeição dos franceses e holandeses ao projeto de Constituição Européia não apresenta apenas reflexos políticos e sociais. Sua repercussão ambiental torna-se mais e mais evidente a cada dia. Os desentendimentos entre membros do Parlamento são uma constante e cada vez mais se ouve novas notícias sobre o não-atendimento dos países-membros às metas ambientais estabelecidas em razão do Protocolo de Kyoto.

Uma das mais claras indicações disso encontra-se em um documento divulgado recentemente pela ONG WWF sobre os efeitos da presença humana no meio ambiente. No referido documento, segundo artigo publicado na página Environment Daily, intitulado “EU’s ‘big feet’ draining earth’s resources”, consta que a “pegada” deixada pela União Européia nos recursos naturais do planeta é mais do que duas vezes maior da que seria necessária para assegurar a manutenção da sua população. Abrigando cerca de 7% da população mundial, a União Européia utiliza, hoje, uma média de 17% dos recursos naturais da Terra, explorando-os além do ponto em que estes teriam condições de se recuperar naturalmente. Lideram o ranking de destruição a Dinamarca, Estônia, Finlândia, França, Irlanda e Suécia, que utilizam entre três e quatro vezes mais recursos do que, teoricamente, lhes caberia.

Ainda segundo o artigo, o WWF há muito realiza tais estudos, mas este foi o primeiro a olhar especificamente para os problemas europeus. Com base nele, a ONG fez diversas recomendações à Comissão de Meio Ambiente da União Européia, como, por exemplo, investir em fontes renováveis de energia e em projetos de construção civil que poupem água e energia e reduzam o desperdício e a produção de lixo.

Em um momento tão delicado, “para responder à crise constitucional” a EU deveria investir em “políticas ambientais fortes, dinâmicas e eficientes”, segundo o advogado grego Stavros Dimas, atual Comissário da União Européia para o Meio Ambiente em discurso perante vários membros do Parlamento Europeu. Segundo ele — em outra matéria publicada na Environment Daily, intitulada “EU should stay dinamic in green policies” — a hostilidade apresentada pelos franceses e holandeses é um sinal de que a EU deveria dar mais atenção à opinião pública ao estabelecer suas prioridades e investir em leis que efetivamente melhorem a qualidade de vida das pessoas. Ainda de acordo com Dimas, as leis ambientais se prestam perfeitamente a este propósito, já que, em suas palavras, “as pesquisas mostram que os cidadãos da UE se preocupam com o meio ambiente a ponto de achar que a sua proteção deveria ter prioridade sobre a competitividade econômica”.

O discurso de Dimas gerou polêmica entre os membros presentes, que alegaram, entre outras coisas, não estarem convencidos do comprometimento real da Comissão de Meio Ambiente com o desenvolvimento das políticas ambientais européias, afirmando que a Comissão tem dado pouco valor ao tema. As críticas fizeram referência, ainda, à não-elaboração, por parte da Comissão, de medidas capazes de obrigar os países-membros a assiná-las e cumpri-las, ao invés do que chamaram de “iniciativas vagas”.

Mas a crise política que afeta o Legislativo Europeu não parece ter surtido maiores efeitos sobre o Judiciário. Ao menos sobre a Corte de Direitos Humanos da UE, situada em Strassbourg, na França. Recentemente, aquela corte condenou o Governo Russo a tratar e indenizar, em €6 mil, uma mulher que sofre de problemas de saúde causados pela poluição gerada por uma indústria metalúrgica implantada próximo à sua casa, na cidade de Cherepovets. Segundo a Corte, o Estado Russo violou os direitos humanos da Sra. Nadezha Fadeyeva, falhando no seu dever de protegê-la, alocá-la em um local seguro e reduzir os níveis de poluição da fábrica.

Segundo a Corte, os governos europeus são legalmente responsáveis pela prevenção de danos à saúde de seus cidadãos causados por instalações industriais, até mesmo quando estas forem de propriedade de particulares e por eles administradas. Esta foi a primeira vez que a Corte de Direitos Humanos responsabilizou um Estado por danos causados por uma empresa 100% privada. Em um caso anterior, a Espanha havia sido condenada a reparar danos causados por uma companhia meio pública meio privada. O caso da Rússia é, portanto, inédito e abre um importante precedente.

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