Colunas

Tributação verde

O livro Meio Ambiente e Sistema Tributário: novas perspectivas é uma opção de leitura rápida para quem não gosta muito do tema, mas vê a sua utilidade.

1 de abril de 2005 · 19 anos atrás

Há dias, o advogado para quem trabalho me trouxe uma pergunta sobre os incentivos fiscais concedidos no Estado do Rio para quem decide dedicar parte de uma propriedade rural particular à preservação da natureza – área essa maior, evidentemente, do que a denominada reserva legal, de preservação compulsória. Eu realmente não fazia idéia. Não costumo trabalhar com isso – exceto pelos palpites semanais que podem ser lidos aqui em O Eco – e a simples menção do termo “Direito Tributário” causava em mim um efeito que acredito ser semelhante ao do termo “imposto” na maioria das pessoas. Em resumo, é algo com o que eu só pretendia lidar quando fosse absolutamente inevitável.

Foi procurando a resposta, no entanto, que essa visão começou a mudar. Por acaso, em uma livraria, encontrei o livro “Meio Ambiente e Sistema Tributário – Novas Perspectivas”, da editora Senac, de São Paulo. É obra de Cláudia Campos Araújo, Maria Isabel Reis Ferreira, Patrícia Castilho Rodrigues e Simone Marques dos Santos, um pequeno time de advogadas e consultoras ambientais. Embora não contenha exatamente a resposta que meu chefe queria – não por culpa do livro, mas dos legisladores de nosso Estado, que não editaram as normas em questão – o livro traz idéias bastante interessantes sobre como os tributos vêm sendo utilizados no Brasil para a preservação ambiental, além de propor alternativas para ampliar ainda mais essa utilização.

Ele começa com uma breve lição sobre a extrafiscalidade. Os tributos – gênero do qual são espécies os impostos, as taxas, os empréstimos compulsórios e as contribuições – têm em geral o objetivo de prover a Administração Pública com o dinheiro que ela precisa para levar adiante suas obras e suas políticas. Essa é a natureza fiscal dos tributos, e a que lhes é mais comum.

Existe, no entanto, a possibilidade de se utilizar os tributos com outras finalidades, mais indiretas, a fim de promover uma ou outra política pública. Nesses casos pode-se, por exemplo, conceder abatimentos ou isenções de um determinado tributo a quem faça algo que interesse ao governo, como empregar deficientes físicos ou desenvolver uma determinada atividade em uma área onde esta seja necessária. Por outro lado, pode-se aumentar a carga tributária de quem aja em contrariedade aos interesses públicos. Essa é a natureza extrafiscal ou parafiscal dos tributos e é através desta natureza alternativa que os tributos mais servem à causa ambiental, como destaca o livro. Dito isso, as autoras começam a analisar algumas espécies tributárias específicas e, mais precisamente, sua relação com a questão ambiental.

O primeiro da lista é o ICMS – abreviação sabiamente escolhida para designar o Imposto sobre Operações Relativas à Circulação de Mercadorias e sobre Prestação de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação – imposto responsável pela maior fatia da receita tributária dos estados. Segundo o art. 158, IV, da Constituição Federal, vinte e cinco por cento da arrecadação estadual com o ICMS devem ser repassados aos municípios, sendo que um quarto desses devem ser repassados de acordo com o que estabelecer lei estadual. Parece uma pequena parcela de apenas uma parte de alguma coisa, mas no fim das contas, é uma quantia substancial que, se bem empregada pelos estados, pode representar um grande aliado no fortalecimento de suas políticas.

Não foi por menos que, como lembra o livro, alguns estados, como Paraná – o pioneiro –, São Paulo, Minas Gerais, Rio Grande do Sul e Rondônia criaram, através de leis estaduais, o chamado ICMS Ecológico. Salvo as peculiaridades de cada uma, essas leis trazem disposições bastante parecidas. No caso paranaense, um dos critérios adotados para a escolha dos municípios beneficiados é a proporção da área de cada município que se encontre protegida na forma de unidades de conservação. O cuidado de cada município com essas áreas e a sua importância são outros critérios adotados. Na prática, isso significa que o município que tiver proporcionalmente mais e melhores unidades de conservação recebe mais dinheiro do estado. Nada mal como incentivo à preservação.

Em São Paulo, uma parcela do repasse do ICMS serve para indenizar os municípios pelas restrições que estes sofrem quando uma unidade de conservação estadual é criada em seus territórios. Cada espécie de unidade recebe um “peso” na hora de fazer as contas do repasse. Uma unidade que restringe mais o uso daquela determinada parte do espaço municipal recebe um peso maior, gerando uma indenização mais polpuda. E assim por diante. No fim do capítulo sobre o ICMS, e antes de iniciar o capítulo sobre IPTU e ITR, as autoras ainda se detém, por algumas linhas, a propor algumas formas alternativas de usar aquele tributo para a preservação do meio ambiente.

A Constituição Federal assegura o direito à propriedade privada dentro de seu art. 5º, que trata dos direitos e garantias fundamentais, elevando-a ao mesmo status, por exemplo, que as liberdades de culto, associação, expressão e muitas outras. Como se nota, nossos constituintes fizeram questão de proteger nosso direito a um pedaço de terra. No entanto, esse direito sofre uma restrição ainda no mesmo dispositivo: a propriedade privada cumprirá com sua função social, aí compreendido o interesse da coletividade em um meio ambiente ecologicamente equilibrado.

O IPTU e o ITR – Imposto sobre Propriedade Predial e Territorial Urbana e Rural, respectivamente –, portanto, enquanto tributos que incidem sobre a propriedade privada territorial apresentam-se, também, como interessantes instrumentos de política ambiental. Suas alíquotas podem ser reduzidas ou aumentadas para incentivar a preservação do patrimônio natural ou cultural dentro da propriedade privada. Quem preservar paga menos imposto. Simples assim.

Outro exemplo de tributo passível de utilização extrafiscal em prol da política ambiental mencionado pelo livro é o IPVA, pago por todos os proprietários de veículos automotores. A alíquota desse tributo, sugerem as autoras, pode ser utilizada para incentivar a compra de veículos menores ou menos poluentes. O livro ainda toca no tema das taxas e contribuições de melhoria, de forma mais superficial.

Embora não possa ser considerado um primor de redação, o texto apresenta um panorama bastante abrangente da relação entre o sistema tributário brasileiro e o meio ambiente, servindo bem para lembrar que, ao contrário de ser uma ciência estanque, o direito ambiental é essencialmente interdisciplinar. Para mim, ele facilita o estudo do direito tributário como a colher de açúcar ajuda no ato de engolir um remédio amargo.

Leia também

Notícias
28 de março de 2024

Estados inseridos no bioma Cerrado estudam unificação de dados sobre desmatamento

Ação é uma das previstas na força-tarefa criada pelo Governo Federal para conter destruição crescente do bioma

Salada Verde
28 de março de 2024

Uma bolada para a conservação no Paraná

Os estimados R$ 1,5 bilhão poderiam ser aplicados em unidades de conservação da natureza ou corredores ecológicos

Salada Verde
28 de março de 2024

Parque no RJ novamente puxa recorde de turismo em UCs federais

Essas áreas protegidas receberam no ano passado 23,7 milhões de visitantes, sendo metade disso nos parques nacionais

Mais de ((o))eco

Deixe uma resposta

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.