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Precisamos de mais visitantes nas unidades de conservação

Queira a burocracia ou não, existe demanda para que áreas protegidas sejam abertas à visitação. Isso é uma coisa boa que deve ser aproveitada.

5 de março de 2013 · 11 anos atrás
  • Fabio Olmos

    Biólogo, doutor em zoologia, observador de aves e viajante com gosto pela relação entre ecologia, história, economia e antropologia.

Andarilhos caminham pela trilha da Serra Fina rumo ao Alto do Capim Amarelo (2.570 m), na Serra da Mantiqueira. A próxima parada nesta travessia é a Pedra da Mina (atrás), a quarta montanha mais alta do Brasil, com 2.798 m.
Andarilhos caminham pela trilha da Serra Fina rumo ao Alto do Capim Amarelo (2.570 m), na Serra da Mantiqueira. A próxima parada nesta travessia é a Pedra da Mina (atrás), a quarta montanha mais alta do Brasil, com 2.798 m.

Há meses fiz a travessia da Serra Fina, uma rota ao longo da crista da Serra da Mantiqueira, entre São Paulo e Minas Gerais e um pouquinho do Rio de Janeiro na reta final. A região inclui algumas das montanhas mais altas do país, ecossistemas raros, espécies ameaçadas e visuais incríveis.

Não é para menos que essa região foi proposta para se tornar o Parque Nacional dos Altos da Mantiqueira. Mas a resistência de prefeitos, “ambientalistas” locais preocupados com interesses imobiliários e uma campanha de desinformação promovida pela imprensa local e o aval de políticos do alto escalão de um partido que não nomearei engavetaram a proposta em algum lugar do Ministério do Meio Ambiente.

Esse é só mais um exemplo, entre tantos, de áreas frágeis e importantes que deveriam ser protegidas e acabam largadas por conta dos interesses dos poucos com capacidade de apertar os botões corretos. O particular dar uma banana ao coletivo é a sina do Brasil.

Considerada uma das melhores caminhadas no Brasil e na América Latina, a travessia da Serra Fina é feita por um número crescente de andarilhos. Nos feriados pode até faltar lugar para acampar.

Não é diferente de tantos outros lugares que recebem um público cada vez maior, em geral advindo das metrópoles com melhores indicadores de educação e economia. Esse pessoal quer caminhar, acampar, andar de bike, escalar, saltar de paraglide ou asa delta, fazer piquenique, mergulhar, observar aves, fotografar…

Ou seja, ter contato com a natureza, se divertir, testar seus limites, pensar na vida. Em suma, viver bem e através dessas experiências dar um passo à frente no processo civilizatório.


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Quando menciono visitantes, não estou falando aqui dos farofeiros que vão para a praia ou cachoeira encher a cara, deixar lixo, tocar música de gosto duvidoso com o volume no talo e não deixar um centavo para a economia local. Esse é um público que não interessa a ninguém e, pessoalmente, encaminharia para passeios na Depressão de Danakil ou no norte do Mali para uma experiência transcultural.

Em todos os países civilizados (e mesmo em alguns nem tanto) as unidades de conservação são um fator de desenvolvimento econômico e melhoria nas condições de vida. Ter uma área natural perto de onde se mora é fator de valorização e status, o que aos poucos o mercado imobiliário começa a perceber.

E o fomento econômico atrelado a algumas áreas protegidas pode ser intenso a ponto de tornar o seu entorno em pólo de adensamento populacional, o que causa problemas, mas pode perfeitamente ser administrado se houver governança.

Apoio popular

Indo além do aspecto meramente econômico, ter um público usuário de unidades de conservação cria uma base de apoio às mesmas.

Vivemos a mercê dos desenvolvimentistas no comando, com a cabeça ainda na década de 1970, que desafetam, descriam e sabotam unidades de conservação como meros entraves aos projetos que querem nos fazer crer necessários ao futuro do país. Nesse contexto, faz falta aguda um público usuário das unidades de conservação que se faça ouvir.

Afinal, como a discussão do Código Florestal mostrou, as vozes da Ciência neste país são solenemente ignoradas. Na democracia disfuncional que criamos, os políticos só prestam atenção mesmo aos que pagam suas campanhas eleitorais e, apenas às vezes, aos que neles votam.

É interessante que haja aqueles, nas agências de governo encarregadas das unidades de conservação, que são contra o fomento à visitação (devidamente organizada), alegando desculpas como falta de capacidade de controle.

Burocratismo x Interessados

Outra desculpa frequente é a necessidade de elaborar dispendiosos e demorados planos de manejo para que qualquer atividade seja permitida e regulamentada, um reflexo de nossa cultura de burocratismo onde os rabos sempre abanaram os cachorros. Estudos bem mais simples, rápidos e feitos “em casa” podem normatizar atividades de visitação sem necessidade dos tais planos de manejo que, francamente, em geral só enfeitam prateleiras.

Tão importante quanto colocar protetores nas unidades de conservação é criar amigos das unidades de conservação, especialmente as federais. Isso só vai acontecer quando as unidades federais estiverem abertas e se tornarem locais onde pessoas tenham seus momentos de revelação (ou momentos Pqp, como dizem alguns). Assim, elas descobrem que o contato com a Natureza, seja caminhando, escalando, saltando, mergulhando, observando, fotografando ou o que seja, é algo importante na sua vida, e que as áreas protegidas que frequentam são preciosas.

Precisamos de mais acesso e mais facilidades para visitantes das Unidades de Conservação e menos regras infelizes como as que lá dentro inibem passatempos como a fotografia. Precisamos que gestores lá em cima percebam coisas óbvias. Um exemplo é o turismo de observação de aves ou científico, que não só é compatível como desejável em Unidades de Conservação de categorias restritivas, como reservas biológicas.

As unidades de conservação precisam de mais visitantes, ou, olhando pelo outro lado, o brasileiro precisa visitar mais as unidades de conservação para se civilizar e aprender a defender nosso patrimônio natural.

Falta os tomadores de decisão do governo perceberem isso.

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