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O Monte é mesmo Belo?

Na década de 70 do século XX, quando se começou a pensar em Belo Monte, o meio ambiente não existia. Com a mudança do espírito do tempo, a pergunta que fica é: “vale a pena?

14 de maio de 2010 · 14 anos atrás
  • Paulo Bessa

    Professor Adjunto de Direito Ambiental da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO)

A construção da Usina de Belo Monte é tema que tem sido tratado em diferentes aspectos que vão desde o econômico até o cultural e étnico. Até o diretor de Avatar deu o pitaco dele, manifestando-se inteiramente contrário ao empreendimento. Permito-me dar um pítaco no filme dele, história previsível e pouco criativa.  Tirando os efeitos especiais e a espetacular produção visual, passaria sem qualquer destaque.  Apesar do orçamento, o filme da ex-esposa é bem melhor. Todos os argumentos contra e a favor da hidrelétrica de Belo Monte já foram esgrimidos e pouco poderá ser acrescentado ao assunto.  Assim, o presente artigo não trará qualquer novidade porém, em meu ponto de vista, alguns pontos mereceriam alguma reflexão a mais.

Todos sabemos que a construção da Usina de Belo Monte vem sendo discutida, de uma forma ou de outra, há cerca de 30 anos. Durante as três décadas do debate não se conseguiu chegar a um consenso sobre o empreendimento.  Uma questão que tem me causado muitas dúvidas é o preço da usina. Alguns falam em cerca de R$ 11 milhões, outros em R$ 29 milhões.  A variação das estimativas demonstra que, no fundo, ninguém sabe quanto a usina custará. Dado o tamanho da obra, entende-se que as estimativas possam variar, contudo, admitir que, nos estertores de uma  administração, se permita que empresas públicas participem de uma licitação cujo grau de incerteza é tão elevado, não parece a prática mais recomendável.

 “O princípio geral que a nossa Constituição adota é que a utilização econômica do meio ambiente é  a regra. A proibição de utilização do meio ambiente é uma exceção que deve estar fundada em leis e não em opiniões por mais respeitáveis que sejam.”

Um outro elemento econômico importante é que, ainda não se chegou a adoção de critérios econômicos confiáveis para a valoração dos recursos ambientais. Uma definição mesmo que “de pé quebrado” é importante pois quando se faz o cálculo custo/benefício de um empreendimento, o custo ambiental negativo não tem uma mensuração que se pudesse chamar de adequada.  Desta forma, o benefício econômico quantificável será sempre maior do que o prejuízo ambiental, o que implica em um impacto positivo do projeto e, portanto, em indicação de sua aprovação. Esta questão é relevante, pois o princípio geral que a nossa Constituição adota é que a utilização econômica do meio ambiente é  a regra. A proibição de utilização do meio ambiente é uma exceção que deve estar fundada em leis e não em opiniões por mais respeitáveis que sejam.

Na década de 70 do século XX, quando se começou a pensar em Belo Monte, o meio ambiente não existia. Naqueles dias, o planejamento de empreendimenos não levava em consideração o chamado fator ambiental  e, consequentemente, era muito mais “simples” planejar; da mesma forma, os assuntos étnicos e sociais não estavam postos à mesa. O que hoje consideramos absurdo, naqueles tempos era visto como normal e, até certo ponto, desejável. Com a mudança do Zeitgeist (espírito do tempo) a pergunta que fica é: “vale a pena?”. 

Não há uma resposta única. Se me candidato a executar as obras civis da  hidrelétrica certamente vale a pena. Por outro lado, ainda neste particular cabe uma outra pergunta: “É possível o início imediato das obras?” Existem equipamentos e mão de obra disponíveis no mercado para que a obra se inicie imediatamente? Estes são fatores condicionanantes objetivos que podem valer mais do que muitas liminares. Dado que atualmente a chamada responsabilidade ambiental das instituições finaceiras é tema recorrente, diante de tantas incertezas quais serão as condições para a concessão de crédito e financiamento? O hedge ambiental?  Os aposentados do Banco do Brasil colocarão o dinheiro deles em local seguro?

O preço da energia oferecido no leilão é economicamente viável? Quanto de subsídio será necessário para que ele possa remunerar o investimento? Afinal, o investimento é público ou é privado? Esclarecer cabalmente tais questões é muito relevante e dentro do Zeitgeist contemporâneo, no qual o chamado por transparência é cada vez maior, uma obrigação.  Certamente, os pontos aqui mencionados já foram objeto de muita discussão e debate e, como dito no início do artigo, não são novidade.

“O Licenciamento ambiental necessita de uma ampla revisão de suas bases e conceitos  que, na futura revisão, seja capaz de incorporar a participação da sociedade e do próprio Ministério Público de forma mais efetiva, evitando-se a verdadeira loteria que é a obtenção e, sobretudo, a manutenção de uma licença .”

Existem outras questões que se referem aos impactos ambientais que, segundo alguns (ou muitos) não foram adequadamente dimensionados pelo estudo prévio de  impacto ambiental e que teriam sido apressadamente aprovados pelo IBAMA. O tema não é, mais uma vez, novidade e revela a crise de legitimidade do chamado licenciamento ambiental que necessita de uma ampla revisão de suas bases e conceitos  que, na futura revisão, seja capaz de incorporar a participação da sociedade e do próprio Ministério Público de forma mais efetiva, evitando-se a verdadeira loteria que é a obtenção e, sobretudo, a manutenção de uma licença ambiental.  Existem modelos institucionais que poderiam ser pensados pelo Brasil.  Um que me parece bastante interessante é o que determina que a análise do estudo de impacto ambiental seja realizada por órgão que não é o licenciador. A análise do EIA, portanto, é inteiramente independente do licenciamento em si. Emite-se um parecer que é encaminhado ao órgão licenciador que ficará de levar em conta as conclusões para a emissão da licença ambiental. Também se poderia pensar em um modelo de agência, com o presidente do órgão ambiental sendo submetido  à aprovação do Congresso Nacional e com mandato a termo certo, só podendo ser exonerado pelo próprio Congresso Nacional.  Uma PEC a mais ou a menos, nessa altura, não faz diferença. Ambas as hipóteses exigem um serviço público altamente profissionalizado, sem contratações provisórias, DAS e outros tipos de comissionamento.

O altíssimo número de questionamentos judiciais dos licenciamentos ambientais demonstra, claramente, que alguma forma de mediação ou arbitragem entre as partes interessadas deve ser pensada e implementada, o quanto antes.  Não é exagero afirmar que, as inúmeras ações judiciais que tratam do tema Belo Monte, se forem até uma decisão final em um Tribunal Supeior, não demorarão menos de 15/20 anos para alcançar uma decisão definitiva.  Certamente, não é o melhor dos mundos para ninguém.

Enquanto não se chega a construir um mecanismo que possibilte às partes ajustarem as suas questões de forma  independente, as audiências de conciliação que se passam perante os  órgãos judiciais  poderiam ter um caráter mais “permanente” de forma que se criasse um fórum capaz de examinar todas as demandas e identificar as formas possíveis de conciliação entre as partes.  A evolução do caminho litigioso, na prática, fará com que se chegue à chamada “não solução”, isto é, uma zona de indefinição cujos resultados não agradam a nenhuma das partes envolvidas, por trazerem riscos para todas. Sem querer advogar o “ativismo judicial” , quer me parecer que alguma forma de conciliação entre as diferentes partes deve ser buscada incessantemente pelos magistrados que presidem os processos judiciais, sob pena de que o processo se transforme em um “mico”, já que falamos de Amazônia e meio ambiente.

Não se pode deixar de observar, igualmente, que o embate institucional entre a Advocacia Geral da União e o Ministério Público Federal é sempre saudável, enquanto permanecer no nível de debate e defesa de teses. Certamente,  a AGU tem um cliente que é o Estado Brasileiro e não o Governo Brasileiro.  O mesmo se diga so Ministério Público que não serve a grupos, mas a adequada aplicação das leis. Assim, litígios entre as duas instituições somente pode redundar em perda para o Estado Democrático de Direito.

Por qualquer ângulo que se observe, Belo Monte é uma grande confusão e, portanto, um péssimo ambiente para negócios que exijam grandes investimentos. Caso remanesçam apenas as empresas estatais e fundos de pensão (a serem incorporados aos consórcios) estaremos diante de uma constatação extremamente negativa.  O dinheiro da viúva está guardado na casa da mãe Joana.

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