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Parques e reservas: visitação, não; depredação, sim

Não falta gente boa no ICMBio para organizar o melhor uso das unidades de conservação. Mas boas ações estão prejudicadas pela histeria que promove o mito do bom selvagem. 

16 de novembro de 2009 · 14 anos atrás
  • José Truda Palazzo, Jr.

    José Truda é jardineiro, escritor, consultor em meio ambiente especializado em conservação marinha e tratados internacionais, e indignado.

Qualquer cidadão que visite a sede nacional do Instituto Chico Mendes para a Conservação da Biodiversidade começa a entender tudo. Expulso da sede própria, aprazível, espaçosa e arborizada, próxima às margens do Lago Paranoá, que ficou reservada ao novo arqui-rival na disputa por poder político e rolos de papel higiênico, canetas e outros essenciais da burocracia federal, o IBAMA, na divisão criminosa provocada por Dilma Plastificada Roussef para tentar quebrar a espinha do licenciamento ambiental e facilitar a vida de seu fã-clube de empreiteiros, o primo-pobre ICMBio acabou atirado em uns prédios horrendos e áridos do setor Sudoeste, num labirinto de concreto. Sua localização, aliás onerando desnecessária e violentamente o já ridículo orçamento federal ambiental, reflete mais a sua condição atual de refém do desinteresse palaciano lullesco do que sua missão de salvaguardar o que resta da biodiversidade brasileira ante a sanha predatória do próprio (des)governo em que se insere.

Talvez a esquizofrenia provocada por esta e outras barbaridades que lhe são impostas pela dupla pós-sertaneja Lulla Roussef seja a única explicação para que, sem que seus funcionários esforçados de verdade – em especial aqueles que ralam abandonados pelas matas, banhados, restingas e ilhas do Brasil à margem do xalalá brasiliense – façam um levante nacional, o Instituto tenha decidido entregar as pouquíssimas e paupérrimas Unidades de Conservação federais de proteção integral de vez aos seus depredadores mais contumazes, as ditas “comunidades tradicionais” localizadas em seu interior, mais uma vez fingindo ser solução o que problema gravíssimo é.

Não fosse o alerta d´O ECO, talvez mais essa barbaridade passasse em branco. E no atual estado de coisas pode até que esse absurdo se confirme e se consolide. Mas a decisão espúria expõe de forma exemplar uma filosofia de cretinice na gestão das áreas protegidas brasileiras que precisa ser urgentemente debatida e revertida, se é que queremos uma gestão esclarecida de nossas Unidades de Conservação que realmente contribua benefícios não “apenas” ecológicos, mas também (e muito) sócio-econômicos para todo o país, não apenas aos coitadinhos de ocasião a quem a demagogia e incompetência de Brasília pretende entregar esse inestimável patrimônio nacional.

A ideologização supostamente esquerdizante dos miríades de “quadros” do PT que tomaram de assalto os órgãos ambientais federais – sem ter para tanto nem formação, nem competência na gestão ambiental – está transformando em política de atuação daqueles a noção absurda de que os que pescam, caçam, desmatam, comem, queimam, vendem os recursos naturais das Unidades de Conservação de proteção integral – desde que fantasiados de uma roupagem “tradicional”, que na maioria das vezes na prática se resume a terem uma economia extrativista, serem relativamente pobres e morarem na área que deveria ser protegida – são “o povo” e tem mais direitos do que aqueles que caminham, olham, fotografam, mergulham ou escalam e depois vão embora sem levar nada do patrimônio natural (os “burguêis” cujo crime é trabalhar na cidade e ter dinheiro suficiente para praticar atividades ao ar livre). É isso mesmo: depredação sim, ecoturismo não.

Não é outra a razão pela qual o Brasil é o único país do mundo em que a maioria dos parques não arrecada nada para o sistema de conservação da Natureza: enquanto as “otoridades” do sistema ambiental federal privilegiam os pescadores e quejandos, caem de pau em mergulhadores autônomos e outros usuários contemplativos dos recursos e recusam-se a implantar estruturas e programas minimamente decentes de visitação pública para que essas áreas gerem dinheiro, educação e conscientização.

Não que não haja exemplos no Brasil mesmo de como isso é importante para manter as áreas protegidas e gerar emprego e renda com atividades não-destrutivas: qualquer um que visite o Parque Nacional do Iguaçu verá lá os bons resultados do seu Plano de Uso Público implantado, com terceirização de serviços ao visitante. Infelizmente, a reprodução desse bom exemplo, prometida somente para uma minoria de outros parques, como Abrolhos e Fernando de Noronha, está empacada na gaveta de algum burocrata brasiliense, e apesar de prometida repetidas vezes, não parece conseguir sair do papel.

Não falta gente boa no ICMBio para organizar o melhor uso das Unidades de Conservação – aquele que não acaba com os recursos naturais. Mas as ações para tanto estão desprestigiadas por essa histeria rousseauniana que acomete de chefões a chefetes petistas nos órgãos ambientais, que preferem entregar as áreas protegidas aos seus “bons selvagens”, numa demagogia surrada que prega uma suposta sustentabilidade dos “usos tradicionais” – pura mentira, na imensa maioria das vezes, mas que agrada do pobre pescador iludido ao deputado pilantra que não quer ver seus eleitores tolhidos pela aplicação da lei. Essa bobajada daninha se apóia em inúmeros trabalhos escritos que pululam em congressos ditos “sócio-ambientais” e que não se escudam em dados científicos efetivos sobre o estado das espécies de fauna e flora predadas pelas comunidades, mas sim em geral numa cosmologia patética em que a visão pré-concebida do “pesquisador” (antropólogos, sociólogos e outros ólogos de estilo) conclui sempre pela maravilha que é a pobreza nos matos ou mares e como ela tem de ser protegida contra os avanços da conservação do que resta da biodiversidade brasileira…

Não parece fazer parte da suíte de interesses da troupe do bom selvagem perguntar aos filhos dos moradores das áreas protegidas se eles querem continuar vivendo no paleolítico ou neolítico, ou se prefeririam receber a devida e justa indenização para de lá sair, a capacitação para atuar em outro ramo profissional como por exemplo o ecoturismo, enfim, serem empoderados para se beneficiar da conservação, ao invés de enganados com a balela fatal da tolerância aos usos predatórios. As respostas, muito provavelmente, acabariam com a alegria dos defensores de usar as áreas protegidas como guetos antropológicos e confirmariam a máxima do grande Joãosinho Trinta: quem gosta de pobreza é intelectual.

Mas não: os “gestores” ambientais saídos da academia partidária do Einstein de Garanhuns são, como ele, descrentes da razão, da boa técnica provada e dos fatos, preferindo “gerir” as Unidades de Conservação de proteção integral como um grande experimento antropocêntrico do que como repositórios inestimáveis do que resta de nossa biodiversidade, e que estariam gerando emprego e renda em abundância se fossem devidamente protegidas, dotadas de infraestrutura mínima e oferecidas ao público visitante como acontece em todo o resto do mundo.

Muito será preciso fazer se e quando conseguir se retomar o Estado das mãos incompetentes da claque partidária encarapitada nos cargos de confiança dos órgãos ambientais (os quais, aliás, deveriam ser sumariamente extintos em paralelo à criação de uma efetiva carreira de servidores de áreas protegidas). A prioridade terá de ser, com a máxima urgência, resgatar os parques e reservas desse atoleiro de besteirol pseudo-social. Enquanto isso, rezemos para que os bons selvagens tradicionais, que os “gestores” de hoje deixam desmatar ou pescar à vontade enquanto multam e chutam os fotógrafos ou mergulhadores contemplativos, não tenham acabado com tudo.

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