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Clima: continua o jogo de empurra-empurra

A discussão sobre aquecimento global parece um jogo em que não se percebe que a pelota é o próprio planeta. No Brasil, estamos prestes a aceitar o aviltamento do Código Florestal.

3 de novembro de 2009 · 14 anos atrás
  • Suzana Padua

    Doutora em educação ambiental, presidente do IPÊ - Instituto de Pesquisas Ecológicas, fellow da Ashoka, líder Avina e Empreen...

 A responsabilidade pelo aquecimento global parece não ser de ninguém, e menos ainda a vontade de se assumir mudanças que evitem a deterioração cada vez mais evidente da vida na Terra. Parece um jogo de bola que se atira de um para o outro, sem que se perceba que a pelota é o próprio planeta. As negociações para Copenhague estão muito aquém das expectativas em termos mundiais, e todo dia os jornais relatam as frustrações das negociações que deveriam estar sendo firmadas. Se um país não se compromete com tantos por cento de redução de suas emissões, o outro se cala e aguarda para ver no que vai dar. Só que a espera representa um risco cada vez maior para a nossa sobrevivência.

Como sempre, o efeito mais grave recai sobre os países pobres, mas a decisão direta ou indiretamente está nas mãos dos mais ricos. O Banco Mundial chama a atenção para a necessidade das nações desenvolvidas agirem agora, dentro de um princípio que denominou de ‘climate smart world’, ou ‘mundo de clima esperto’. Segundo um relatório divulgado em meados de setembro, ainda há tempo de se reverter o processo destrutivo atual, e os investimentos necessários serão altos mas atingíveis. O esforço prioritário deve ser em prol de energias limpas. Os países desenvolvidos, que emitiram as maiores quantidades de gases de efeito estufa no passado, são os que têm mais possibilidade de agir de maneira a garantir que o clima se mantenha estável no futuro. Já os países em desenvolvimento devem mudar suas práticas para aquelas que produzem menores emissões de carbono enquanto promovem desenvolvimento e redução da pobreza. Estes passos novamente dependem do apoio financeiro e técnico dos países ricos, como ressalta o presidente do Banco Mundial, Robert Zoellick, quando ressalta: “Os países em desenvolvimento são afetados desproporcionalmente pelas mudanças climáticas – uma crise que não foi produzida por eles e para a qual estão menos preparados. Por esta razão um acordo equitativo em Copenhague é de importância vital”.

Os países da Ásia serão os mais atingidos, segundo este relatório. Com o aumento de apenas dois graus Celsius, se intensificarão os desastres ambientais que já estão ocorrendo. A água será afetada em sua quantidade e fluxo hídrico por conta do descongelamento do Himalaia e o descompasso no ritmo dos ventos monções, responsáveis por 70% das chuvas. Na esfera econômica, haverá uma redução estimada entre 4 a 5% do Produto Interno Bruto regional.

O relatório aponta, ainda, para o fato de 1.6 bilhões de pessoas nos países em desenvolvimento viverem sem eletricidade. Se hoje representam uma fração das emissões mundiais, esses países necessitarão expandir energia, transporte e infra-estrutura urbana, além do aumento da produção agrícola. Todas essas medidas levarão a um incremento nas emissões nesses países e conseqüentemente uma maior aceleração nas mudanças climáticas. Portanto, a resolução da questão climática requer uma verdadeira transformação nas fontes energéticas globais nas próximas décadas e uma revisão das prioridades de desenvolvimento, principalmente no tocante aos países ricos. Investimentos da ordem de 100 a 700 bilhões de dólares serão necessários, segundo as estimativas apresentadas, o que é um contraste significativo aos modestos 13 bilhões de dólares atuais derivados de fontes públicas, ou 40 a 60 bilhões de dólares de fundos privados.

Ao mesmo tempo surgem idéias que me parecem surreais. Árvores artificiais para seqüestrar carbono estão entre elas. Desenvolvidas pelo Instituto de Engenheiros Mecânicos (Institution of Mechanical Engineers) do Reino Unido, essas árvores têm o objetivo de “descarbonizar” o mundo em 100 anos. Ainda em estágio de protótipo, a proposta é que façam parte da paisagem nos próximos 10 a 20 anos. Produzidas em larga escala, essas árvores servirão como filtros para captarem o CO2, que depois será recolhido e armazenado nos depósitos de onde foi retirado óleo no Mar do Norte. Podem até representar um avanço tecnológico, é verdade, mas creio que teria sido bem mais fácil termos mantido uma quantidade de árvores naturais em seus locais de origem, pois prestavam serviços inestimáveis à humanidade sem qualquer ônus.

Em nosso país, estamos na eminência de também agirmos de maneira surreal, ao permitirmos a redução drástica da cobertura florestal com o aviltamento do Código Florestal. Às vésperas da reunião de Copenhague, o Brasil toma medidas que mais uma vez soam ultrapassadas por não incorporarem sustentabilidade em seus planos desenvolvimentistas. Sendo um dos poucos países ainda com potencial de introduzir propostas criativas, estamos retrocedendo. Nosso Código Florestal de repente está nas mãos de ruralistas e anos de conquistas estão em risco, sem as devidas consultas públicas que se esperaria de um pais democrático. A responsabilidade do Brasil deveria ser redobrada pela riqueza natural de nosso território, aspecto ignorado pelos tomadores de decisão (com o aval do presidente Lula e de seu braço direito e candidata à Presidência, Sra. Dilma Rousseff), que, se ouvissem a opinião pública, saberiam que não são esses os anseios da maioria da população.

Uma pesquisa recente realizada pela Data Folha, a pedido da organização Amigo da Terra, revelou que nossas florestas são valiosas para o povo brasileiro. Uma vasta maioria, 94%, acha que o desmatamento deve parar de modo a diminuir os riscos dos desastres ambientais como mudanças climáticas, deslizamentos de terras, alagamentos entre outros. Esta é a opinião de homens e mulheres, jovens e idosos. Noventa e um por cento pedem leis mais rigorosas para se evitar o desmatamento, 5% acham que deve continuar como está e apenas 4% apóiam a retirada de matas para ampliação de áreas para agricultura. De acordo com a pesquisa, 93% dos entrevistados vão preferir votar em candidatos que dificultem o desmatamento. Sendo assim, a Sra. Dilma Rousseff deveria ser mais cautelosa em suas posições desenvolvimentistas e, a boa notícia, é que as chances da Marina Silva aumentam…

O que se percebe é que a maioria das decisões acaba partindo dos países desenvolvidos. Até uns anos atrás, era fácil responsabilizar os outros, mas com o nível de informações que se tem hoje está ficando cada vez mais difícil. Quando viajávamos para fora, por exemplo, éramos acusados de estarmos destruindo as florestas de nosso País, o que me deixava bastante indignada. Não havia percepção de que o padrão de vida dos ricos afetava os pobres, e principalmente as nações onde a biodiversidade ainda está mais presente. Mas, fico ainda mais indignada quando vejo o Brasil continuar a se deixar monitorar por demandas externas, iludido de que estamos assim nas vias do progresso. O que estamos de fato é persistindo em produções para a exportação que destroem a nossa natureza e não ajudam a distribuir os ganhos. Os ciclos econômicos continuam com monoculturas e extrações insustentáveis de minérios, madeiras e outros produtos naturais. Ao que tudo indica continuamos vivendo à mercê da oscilação de mercados externos oscilantes, cujos produtos dependem da vontade de compra de quem tem mais divisas.

Se nós ainda somos os donos de um dos maiores patrimônios naturais, e se este é indispensável ao equilíbrio planetário, não deveríamos nós estarmos ditando as regras do jogo, e assim passarmos a influenciar os mercados externos? Não poderíamos proteger o que temos de riquezas naturais e incentivar propostas (como REDD) no mercado internacional para que nossas florestas recebam compensações justas se mantidas para o equilíbrio do planeta? Se tivéssemos respeitado os limites, a natureza continuaria nos proporcionando gratuitamente préstimos que garantissem a manutenção e a estabilidade do clima, o fornecimento farto de água e de solos férteis, e a evolução das espécies e dos ecossistemas, além de todos os demais serviços ambientais que sempre desempenhou com maestria. Se continuarmos nesse ritmo destrutivo vamos acabar tendo que importar as árvores artificiais por conta de nossa incompetência de mantermos nossas florestas verdadeiras em pé, sendo que estas com certeza realizavam um trabalho muito mais completo, integral e ainda embelezavam nosso Pais.

Tudo indica que, ao invés de levarmos para Copenhague uma postura avançada de contribuição à salvaguarda do planeta, teremos que baixar a cabeça por conta de nossa vergonhosa pasta interna de perdas e descuidos que só contribuirão ainda mais para o aquecimento da Terra. Uma pena, pois estamos jogando a bola da responsabilidade também para quem quiser pegar, mas parece que vai mesmo é para o escanteio!

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