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Atraso do Brasil: cidades insustentáveis

As grandes cidades brasileiras, graças à imensa e continuada cretinice de seus administradores, não podem mais tomar chuva sem entrar em parafuso 

21 de setembro de 2009 · 15 anos atrás
  • José Truda Palazzo, Jr.

    José Truda é jardineiro, escritor, consultor em meio ambiente especializado em conservação marinha e tratados internacionais, e indignado.

Chove em Porto Alegre. A cântaros, como diria minha avó. Mais uma leva de inundações, deslizamentos, a repetir-se em um par de dias em Santa Catarina, sempre com a mesma ladainha dos afetados: “Deus foi ruim com nóis”.

Não sou dos mais católicos neste país infectado de fanatismos diversos, mas neste caso em particular me obrigo a sair em defesa Dele. As grandes cidades brasileiras, graças à imensa e continuada cretinice de seus administradores, não podem mais tomar chuva sem entrar em parafuso.

A razão da crescente incapacidade do meio urbano brasileiro de lidar com um dos mais banais fenômenos da Natureza, bem como de assegurar um mínimo de qualidade de vida a seus habitantes, é simples: estamos permitindo que as cidades virem imensas latrinas da má gestão do Brasil. Nelas deságuam, além da chuva, os resultados desastrosos de “políticas públicas” que são tudo menos políticas de gestão, e tudo menos públicas, já que atendem somente – pra variar – aos interesses provados de uma minoria cretina e descompromissada com o futuro.

Parece haver uma grande conspiração para tornar as cidades brasileiras de grande porte absolutamente inviáveis. Mas o pior é que não se trata disso, e sim do acúmulo, no tempo e no espaço, da cretinice, ganância e safadeza setorial de nossos governantes, que se atiram sôfregos ao oportunismo eleitoreiro e ao conluio com interesses econômicos que vão do empreiteiro da esquina à multinacional de automóveis européia. A soma dessas más políticas executadas por maus políticos gera o caos urbano no qual o Brasil mergulha, célere e cego, achando que ele é “pogreço” e inevitável.

Sigamos a chuva que cai sobre as cidades maiores, então. Antes, os grandes volumes de precipitação típicos da sazonalidade dos trópicos e subtrópicos encontravam vazão não apenas em grandes áreas não-edificadas, muitas cobertas de vegetação arbórea, reduzindo a velocidade de escorrimento e promovendo a infiltração no solo. As ruas eram pavimentadas com paralelepípedos, mais recentemente com blocos de concreto, e permitiam infiltração adicional no próprio eixo da via. O restante escorria para cursos d´água cujas calhas podiam absorver excedentes em curto prazo, armazenados em margens amplas, florestadas, ou em banhados que atuavam como verdadeiras esponjas para receber e liberar depois lentamente o excedente pluvial.

Suas Burrescências os prefeitos, entretanto, não conseguem ver nem terreno não-edificado nem rua de paralelepípedo, entretanto, sem pensar que ali existe um espacinho a mais para faturar. Vias perfeitamente transitáveis com pavimentação de pedra são tamponadas com uma “cobertura de bolo” asfáltica, que não somente custa os olhos da cara (oba, mais um empreiteiro a contribuir na campanha que vem!), que não somente só dura até a próxima eleição, mas ainda impermeabiliza uma imensa área do solo urbano sem necessidade, transformando o que era infiltração em escorrimento superficial. Terrenos de infiltração, cuja não-ocupação deveria ser estimulada, são taxados (com imposto mesmo) de inaproveitados, e os “Planos Diretores”, colcha de retalhos que como camadas geológicas registram para a História os interesses espúrios de sucessivas (indi)gestões municipais, cada vez mais adensam a ocupação predial, jogando para a rua de baixo o problema da de cima, e assim por diante. Entrementes, os córregos são aterrados, canalizados, e os maloqueiros incentivados a se instalar em suas margens desmatadas, mais uns votinhos de miseráveis desesperados a agradecer qualquer benesse da “otoridade”, quando da próxima inundação.

Do exemplo local pulemos para o nacional. Ávido de votos para 2010, e temeroso de perder sua base eleitoreira no ABC paulista, berço das indústrias que vomitam veículos sobre o Brasil desde que o grande criminoso Juscelino acabou com as ferrovias e nos condenou ao risco de assassinato por caminhoneiros dopados a cada esquina desse país, o Einstein de Garanhuns e sua catrefa decidiram por bem reduzir os impostos sobre os veículos particulares. Nem pensar em botar esses bilhões de renúncia fiscal em melhorar o porco, inseguro e irregular transporte coletivo de milhões de brasileiros urbanos; melhor garantir os empreguinhos setoriais dos “cumpanhêro” nas indústrias sabidamente pelegas do esquemão PT de governo. É assim que apenas no primeiro semestre desse ano quase 200.000 veículos a mais foram atirados ao já caótico e saturado trânsito das cidades, cada um deles levando na maioria das vezes apenas um classe-médio para cima e para baixo, retroalimentando o ciclo de ineficiência econômica, poluição e neurose que passaram a ser a marca registrada da mobilização para o trabalho em todas as capitais do Brasil.

Em seus gabinetes climatizados, os prefeitinhos esfregam as gananciosas mãozinhas: mais engarrafamento quer dizer que temos de fazer mais obras viárias, mais licitações, mais contribuição pra campanha que vem. Muitas vezes as obras sequer fingem que são úteis, como o novo viaduto da entrada da BR-116 em Porto Alegre, que liga o nada a lugar nenhum enquanto abaixo dele o caos de entrada e saída da cidade segue incólume.

Seriam muitos os exemplos para seguirmos pulando de um a outro degrau da sebosa escadaria política brasileira para entender que interesses transformam nossas cidades em favelões insustentáveis, mas deixo vocês pensando com uma afirmação que faço sem hesitação sobre a visão de urbanismo do partido imperial reinante. Por muito tempo, quando o PT era oposição, trouxas como eu acreditaram que havia ali outra visão de mundo e de cidadania, com conceitos como qualidade de vida, auto-sustentação das comunidades, engenharia de baixo impacto, enfim, aquilo que no mundo exterior a Pindorama vem crescendo como alternativa à pocilga medieval das metrópoles terceiro-mundistas. Ledo engano, mais uma vez.

O primeiro choque de realidade veio com a ascensão do PT à Prefeitura de Porto Alegre, onde reinou por mais tempo do que merecia. Ali, assistimos estarrecidos à “urbanização” de favelas no mesmo estilo de Maluf, ou seja, transferir os pobres de casinhas de madeira para caixotes de concreto amontoados, sem árvores, sem pátios, sem espaços de convivência, sem praças, sem uma horta comunitária. Qualidade de vida, parece, é considerado “luxo burguês”. E mesmo as praças e parques pré-existentes não tiveram vida fácil; o atual feitor da Polícia Federal Tarso Genro, quando prefeito de Porto Alegre, tentou a pau e corda acabar com um dos parques mais importantes da cidade socando sobre ele um sambódromo, o que só não conseguiu graças à intervenção do Movimento de Justiça e Direitos Humanos aliado à minoria de ativistas ambientais gaúchos não-petistas.

No momento em que escrevo, outro prefeitinho petista, Jairo Jorge, prepara-se para dar licença ao estupro de uma das últimas áreas verdes centenárias do centro da cidade gaúcha de Canoas, o bosque da Villa Mimosa, patrimônio histórico e ecológico do Município, mas reivindicado pela poderosa empreiteira Goldzstein Cyrella para no lugar do bosque erguer duas torres de apartamentos de luxo. Jairo Motosserra deu uma sonora banana para a mobilização da comunidade contra a destruição desse bosque no centro da cidade. Disse alto e bom tom que seu compromisso é com os contratos, com o “pogreço”, com o empresariado. Bonito exemplo do que nos espera se em 2010 deixarmos que essa corja se perpetue no poder. Cidade não é mais onde moramos: é onde as quadrilhas e máfias político-empresariais disputam o voto do analfabeto e o dinheiro dos alfabetizados, para poder ir morar num bairro distante ou em Miami. Ao menos contra isso deveríamos nos levantar, porque se não cuidarmos nem do nosso quintal, quem salvará a distante Amazônia?

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