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A Economia precisa de um sacolejo

Banco Mundial e outras instituições continuam sem mudar sua forma de se posicionar. Economistas ainda não levam em conta princípios que são óbvios para ecologistas.

19 de janeiro de 2009 · 15 anos atrás
  • Suzana Padua

    Doutora em educação ambiental, presidente do IPÊ - Instituto de Pesquisas Ecológicas, fellow da Ashoka, líder Avina e Empreen...

O economista e ecólogo Herman Daly, professor da Universidade de Maryland (Estados Unidos), tem reforçado a necessidade de encontrarmos uma saída para que a economia se torne sustentável, ou rumaremos para o colapso. Em artigo publicado na revista New Scientist, ele relata os desafios que enfrentou ao atuar como consultor do Banco Mundial. Em 1992, lhe foi solicitado que revisasse o primeiro rascunho de um relatório sobre desenvolvimento com enfoque no desenvolvimento sustentável.

Havia um retângulo intitulado “economia” com uma seta apontando para dentro, escrito inputs (entradas), e outra para fora, com a palavra outputs (saídas). Daly então propôs que environment (ambiente) fosse incluído, pois não havia qualquer indicação de onde se originavam os inputs, nem para onde se destinavam ou outputs. Sugeriu um círculo ao redor da economia com o termo ecossistema, o que explicitaria que os inputs representavam recursos retirados deste e os outputs as sobras, o lixo e a poluição que volta ao mesmo. A mera existência desse conceito permitiria que fossem levantadas questões importantes sobre os processos relacionados ao desenvolvimento e o que é esperado da economia, inclusive o quanto se pode crescer.

O fato é que o diagrama voltou para Daly sem a palavra ecossistema, o que o fez perceber que o Banco Mundial não estava pronto para tal mudança, em 1992. O que é pior, continua não aceitando mudar a forma de se posicionar. Mesmo com indicações de que reconhecia a falta de algo, não houve coragem em assumir a noção de que ecossistema precisa estar pautado nas diretrizes que a instituição propõe como metas para todos os países, o que, aliás, acaba por afetar o próprio planeta. Continua preferindo omitir este conceito a ter que enfrentar as conseqüências que decorrerão deste olhar que, aceito como natural por alguns, é evitado pela maioria.

Daly levou muito tempo para perceber que os economistas não levam em conta princípios que são óbvios para os ecologistas. Por exemplo, o tamanho da Terra é fixo – nem a superfície nem a massa planetária crescem ou diminuem. O mesmo ocorre com a energia – a quantidade que a Terra absorve é igual a que é capaz de radiar. O tamanho do sistema, que implica na quantidade de água, ar, minerais, solo, entre outros elementos, é imutável. O que cresce exponencialmente é a economia, demandando um uso exacerbado dos recursos disponíveis no planeta.

Em apenas uma geração, a população mundial triplicou, enquanto os números de carros, refrigeradores e de outros materiais comumente consumidos pela humanidade cresceram em proporções muitas vezes maiores. A natureza já não é mais capaz de se recompor para responder às demanda da economia atual, muito menos a expectativa de que cresça indefinidamente.

O ecólogo compara a economia a um organismo faminto. Consome recursos de baixa entropia como árvores, peixes, carvão e seus derivados, por exemplo. E expele produtos de alta entropia como dióxido de carbono, dejetos e água contaminada. Menciona que os economistas tradicionais se preocupam somente com o processo de circulação dos recursos e com a efetividade com que estes podem ser alocados, sem levar em conta o “sistema digestivo” correspondente. As fontes de origem e o destino das sobras são sumariamente ignorados, como se fossem infinitos. Por isso, os limites para o crescimento não entram nas equações dos planos desenvolvimentistas.

Os países mais admirados são aqueles com alto crescimento econômico, e há o anseio de que este modelo seja copiado por todos os demais. Todavia, os custos não são analisados e nem a natureza contabilizada nas equações relacionadas a esse processo. O resultado é que, agora, os custos começam a despontar como maiores do que os benefícios. Os mares se esvaziam de peixes, as florestas se reduzem drasticamente, as espécies desaparecem e os níveis de poluição excedem o que a natureza é capaz de absorver. Tudo indica que o preço que iremos pagar irá exceder os benefícios gerados. Pode ser que aí se mude a mentalidade e se comece a buscar novos caminhos. Haverá tempo?  

Daly afirma que já passamos do ponto. Em países desenvolvidos como Estados Unidos e Reino Unido, novos indicadores estão sendo propostos para se mensurar o bem-estar, como saúde humana e do ambiente. Dados indicam que o crescimento econômico muitas vezes conduz ao declínio de vários parâmetros e que o crescimento econômico está levando ao empobrecimento e não ao enriquecimento dessas populações. Conclui-se, portanto, que enquanto o anseio for somente crescimento econômico, estamos rumando ao desastre ambiental e econômico, que foi o que gerou a insustentabilidade, cada vem mais evidente.

É necessário mudar a visão. O conceito de desenvolvimento quantitativo precisa passar a qualitativo, com limites nos índices de consumo dos recursos naturais. Inovações tecnológicas deverão ser incentivadas de modo a se reciclar efetivamente o que é produzido e gerar uma distribuição equitativa dos bens produzidos. É fundamental que a escala da economia seja mantida dentro de bases sustentáveis. Após 200 anos de uma cultura que incentiva o crescimento infinito, a incorporação de um novo olhar não parece fácil. Para os economistas tal mudança pode ser inaceitável em um primeiro momento. Mas, desenvolver sem levar em conta a finitude e os limites da Terra é o absurdo. Talvez essa constatação seja a linguagem aceitável por todos e aquela que acabe por gerar mudanças.

Mais uma vez se percebe o quanto perderemos antes que estejamos dispostos a mudar. Qualquer modelo alternativo que surge é refutado com argumentos que demonstram resistência na aceitação do que é novo e diferente. Um exemplo que leva em conta o desenvolvimento sustentável como ponto de partida é o Butão. Há pelo menos três décadas, o país adota o que chama de Felicidade Nacional Bruta como modelo de desenvolvimento, e todas as áreas parecem estar no lucro. Mesmos assim, é fácil ouvir argumentos que reduzem os sucessos alcançados, como de que as conquistas se devem ao tamanho pequeno do país, ou por ser uma monarquia. Pode ser mais fácil reduzir as conquistas e a coragem dos lideres que ousaram mudar do que analisar o que e como estes têm alcançado tais mudanças.

A revista National Geographic, em março de 2008, descreveu os desafios e as conquistas desse pequeno país budista localizado no Himalaia, que passou a  priorizar a proteção do meio ambiente, a preservação da cultura e o bem estar da coletividade. O Butão vem saindo da pobreza, explorando pouquíssimo seus recursos naturais. Aumentou sua cobertura florestal ao invés de diminuí-la e, hoje, 75% do país é coberto por florestas, sendo que mais de 25% delas demarcadas como áreas protegidas. Os números de 1982 comparados aos de hoje são impressionantes: o índice de alfabetização passou de 10% para 60%; a mortalidade infantil de 163 para 40 por mil crianças; e, a expectativa de vida, de 43 anos para 66 anos.

O Butão pode ainda ter muito a progredir, mas mostra ser possível se chegar a um desenvolvimento que vai além da economia. Um exemplo brasileiro de bem estar social associado à conservação da natureza é Bonito, em Mato Grosso do Sul. Tudo indica que, ao se aproveitar as belezas naturais de maneira sustentável, inovadora e generosa, já que pessoas de todo o mundo desfrutam delas por meio de um ecoturismo sustentável e que gera emprego para muitos, os ganhos são enormes. Lá a “Felicidade Regional Bruta” parece apontar índices que impressionam, que inclui a baixa criminalidade, por exemplo. Outro sucesso é a integração de setores privados, governamentais e da sociedade civil. Vale ao menos uma análise minuciosa para que as lições aprendidas possam ser disseminadas a outros cantos do planeta.  

Nesses exemplos, o bem-estar social e a proteção ambiental parecem conspirar para um novo rumo que, quem sabe, sirva de fonte de inspiração para o Banco Mundial e outras agências que regulam os financiamentos que acabam por mudar o que é chamado hoje de desenvolvimento. Ernest Friedrich Shumacher escreveu Small is Beautiful (O pequeno é belo) em 1973, e parece ainda estar certo. O que precisamos é aprender a olhar, ver, perceber, compreender e ousar idéias que podem parecer pequenas, mas que sejam mais promissoras para um futuro sustentável da vida na Terra.

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