Colunas

Uma caminhada cinco estrelas

A África do Sul oferece 5 mil quilômetros de trilhas sinalizadas. Uma é especial. Chama-se Trilha da Baleia e além da natureza espetacular, tem conforto para nenhum mortal botar defeito.

6 de agosto de 2008 · 16 anos atrás
Vista do chalé da Vaalkrans, último local de pernoite da caminhada.
Vista do chalé da Vaalkrans, último local de pernoite da caminhada.

Minha esperança era oxigenada pelo alívio de saber que a África do Sul era o nosso país de destino. Conhecido por suas trilhas de longo curso, o trekking (caminhadas em trilhas, com pernoite) é considerado por lá, um esporte nacional, originado com a migração dos boers, os afrikaners outrora vindos da Holanda em busca de uma vida melhor  que, como os nossos bandeirantes, conquistaram este país caminhando e expandindo suas fronteiras em mais de dois mil quilômetros. Como resultado, vasta parcela da população do país manteve a tradição de realizar longos percursos a pé, mas hoje com o foco na busca de prazer com exercícios físicos e vistas paradisíacas.

Um hyrax do Cabo avistado da Trilha da Baleia.
Um hyrax do Cabo avistado da Trilha da Baleia.

A África do Sul não decepcionou e com pouco tempo de pesquisa foi possível encontrar a trilha ideal. Na Trilha da Baleia (Whale Trail) minhas exigências seriam cumpridas.  Situada na Reserva Natural De Hoop, a 260 quilômetros da Cidade do Cabo, a Trilha da Baleia foi criada para os amantes da natureza, com o grande bônus de ser um dos melhores lugares para avistar baleias que vêm procriar e alimentar seus filhotes. A área marinha protegida se extende por 5 quilômetros mar adentro e abriga 250 espécies de vida marinha.  Com financiamento do Greenpeace, as baleias são identificadas e monitoradas via satélite por cientístas desde a fase de acasalamento, no Pacífico Sul, até às áreas de alimentação, na Costa Meridional da África. A melhor época para avistar estes gigantes mamíferos, muitas vezes bem perto da costa, é entre junho e dezembro.

Reserva antecipada

Para garantir um lugar nessa requisitada trilha, fizemos nossa reserva pela internet no site do Cape Nature,  instituição pública responsável pela conservação da biodiversidade na província de Western Cape.  Foi necessário quase um ano de antecedência, para assegurar nosso lugar.  A Trilha da Baleia é popular entre os sul-africanos, mas apenas 12 pessoas têm o privilégio de caminhá-la por vez.

Antílope, um dos 86 mamíferos que vivem na Reserva De Hoop.
Antílope, um dos 86 mamíferos que vivem na Reserva De Hoop.

No mês de junho estávamos lá.  E o sonho virara realidade!  A Trilha da Baleia tem 5 chalés espalhados por seus 55 quilômetros.  Eles possuem quartos com camas e colchões (roupa de cama fica por nossa conta), utensílios de cozinha, fogão, banheiro com chuveiro aquecido por energia solar e até uma churrasqueira do lado de fora, com lenha disponível, para os mais animados.  E o melhor ainda estava por vir.  De cada uma das paragens sai uma estrada invisível aos olhos dos trilheiros, que é utilizada por profissionais da Reserva para transportar a bagagem de um chalé para outro.  Quer que repita? Ao menos foi com tal incredulidade que eu soube desse serviço.  Todos têm direito a uma peça de bagagem mas que, com alguma flexibilidade, pode virar uma grande mala.  Foram incluídos então muitas comidinhas, vinhos sul-africanos, temperos, enfim, as mais desejosas delícias para finalizar perfeitamente cada dia de dura caminhada.

A Trilha da Baleia começa em Potberg e termina em Koppie Alleen.  Os carros (em nosso caso alugado) são deixados em um estacionamento em Potberg.  Ao final da caminhada um mini-ônibus da Reserva transporta todos de volta ao ponto de partida.

Na primeira noite conhecemos nossos futuros companheiros de caminhada, felizmente simpáticos.  Duas amigas afrikaners e um casal também local.  Tudo bem, eu não havia cogitado caminhar com brasileiros.  Após nosso encontro, foi-nos apresentada, pela guarda-parque local, a Trilha da Baleia.  Durante meia-hora aprendemos o que podíamos e não podíamos fazer, os cuidados a tomar, e alguma informação sobre a trilha.  Cada um recebeu um mapa bem completo, com uma pequena descrição de cada dia, notas sobre a acomodação, e dicas para tirar maior proveito do passeio.

A lagoa onde se mergulha ao fim do primeiro dia de trilha
A lagoa onde se mergulha ao fim do primeiro dia de trilha

Ainda esta noite fizemos amizade com Johannes, que nos ensinou a fazer uma fogueira com 100% de sucesso.  Para um boer, esse conhecimento é obrigatório.  Ficamos animados em ter no grupo um parceiro que iria nos ensinar sobre a cultura desse segmento da população sul-africana e ajudar a esquentar nossas frias, mas estreladas noites.

Vista deslumbrante 

O primeiro dia de caminhada é o mais difícil.  Em 15 quilômetros de percurso precisamos vencer o pico Potberg, único da caminhada, com seus 611 metros.  Nessa fase ainda estamos afastados da costa, mas com a vista da cidade de Swellendam ao norte, Cabo do Infante ao leste, e o Cabo Agulhas a oeste.  Para os sortudos, os raros Abutres do Cabo podem ilustrar o céu. Essa é a única região no Western Cape de acasalamento dessas aves de rapina. Ao final do dia somos recompensados não por eles, mas pelo encontro de uma pequena lagoa, perto do alojamento, para um mergulho de batismo.

Há 1500 espécies vegetais na reserva, entre elas a Protea.
Há 1500 espécies vegetais na reserva, entre elas a Protea.

A sensação de chegada na primeira hospedagem é incrível. Depois de um banho deliciosamente quente começamos a cozinhar e em minutos já compartilhamos os vinhos. Fomos apresentados a temperos de limão com pimenta, mustarda picante, e chili, para serem moídos na hora, que fizeram o maior sucesso em nosso fettuccine (que foi saboreado sobre uma mesa, e não no chão) com tomates e berinjelas. E como o que é bom deve continuar, um chocolate de pimenta, acompanhado de morangos frescos, foi lentamente arrematado, entre a fogueira e o céu africano. Melhor que isso, só dormir com um travesseiro macio e um pijama fofinho. Nossos desejos eram como ordens.

Depois do sono com os anjos começamos o segundo dia de trilha. A expectativa de encontrar o Oceano Índico é grande, mas os diferentes tipos de fynbos nos fazem esquecer qualquer desejo futuro. Esta flora de folhas finas e pontas afiadas corresponde ao reino floral mais rico do mundo, sendo a protea, sua flor mais conhecida, símbolo nacional do país. Só em De Hoop 1500 espécies de plantas estão presentes, das 9000 catalogadas na região do Cabo.  Dá para perceber.

Terminamos os 14,7 quilômetros com a vista almejada. O rio Breede escoando ao encontro do Oceano Índico.  Mais um mergulho de batismo, agora em águas salgadas.  O chalé desta noite, denominado Noetsie, tem a maior bossa.  Com a arquitetura sul-africana em estilo Arninston, seus telhados de sapê em forma de A, tocam o chão, parecendo uma oca geométrica.

Encontro com o litoral

Depois de dois dias de caminhada o espírito está mais leve e a viagem melhora a cada passo.  Também pudera, carregando uma mochilinha diária de míseros 4 quilos, com apenas água, câmera e lanche, o corpo agradece.

A primeira vista do Oceano Índico na trilha.
A primeira vista do Oceano Índico na trilha.

Daqui para a frente caminha-se pela costa.  O terceiro dia tem apenas 7,8 quilômetros que o mapa classifica de leves, portanto não precisamos correr.  As dicas obedecidas por todos e agora recomendadas por nós, são aproveitar a Baía de Noetsie e, já ao longo do caminho, fazer um snorkel com os peixinhos coloridos em torno da caverna de Stilgat.

O quarto dia de caminhada apesar de ter um total de 11 quilômetros é realizado sem esforço.  Grande parte é percorrida nas areias límpidas da praia e o tempo restante sobre rochas com cavidades que formam aquários naturais. O chalé também surpreende.  Incrustado na beira de um rochedo, no topo de uma caverna, melhor lugar para o pôr-do-sol não há.  Com a indecisão do céu entre o laranja, rosa e o vermelho, as ondas se chocam sob nossos pés.  É hora de brindarmos com uma das nossas últimas garrafas de vinho sul-africano.

Como geralmente acontece em longas caminhadas, o último dia é tranqüilo.  São apenas 7 quilômetros que podem ser feitos com muitas paradas.  E foi nesse dia final que fomos presenteados.  Infelizmente não com as baleias – não foi desta vez – mas um cardume de aproximadamente 15 golfinhos. Graciosamente eles saltam como que para chamar nossa atenção.  Parece que se divertem tanto quanto os trilheiros nesse belo passeio.  E como são bons surfistas!

Um grupo de golfinhos surfa nas ondas do Índico.
Um grupo de golfinhos surfa nas ondas do Índico.

Ao término do quinto dia chegamos em Koppie Alleen, fim da trilha.  Mas a jornada continua.  Um pequeno antílope timidamente nos esperava.  Ele faz parte da rica fauna de 86 espécies de mamíferos encontradas na Reserva De Hoop.  Foi para fechar com chave de ouro.

A Trilha da Baleia é muito mais que um caminho para avistar os mamíferos marinhos que inspiraram seu nome.  Falando em África do Sul, eu já esperava um banho de diversidade.  É difícil superar a beleza do Western Cape com seu conjunto de montanhas, matas de fynbos, praias, vegetação costeira, piscinas e cavernas em rochas, fauna marinha e terrestre.  Mas encontrar acomodações estrategicamente localizadas em lugares divinos, com as melhores vistas, foi uma admirável surpresa!  E finalmente, o conforto com os serviços de transporte.  Missão completa:  acho que encontramos a trilha 5 estrelas.

Serviço

Para quem não conseguir reservar a Whale Trail, ainda assim a África do Sul tem muito a oferecer.  São mais de cinco mil quilômetros de trilhas sinalizadas.  Na própria Cidade do Cabo há o Parque Nacional da Montanha da Mesa com mais de 1.000 quilômetros de trilhas sinalizadas, com vistas de tirar o fôlego, diversas espécies de flores endêmicas, cachoeiras, praias e fauna variada.

Outras Trilhas:

Wilderness National Park
www.sanparks.org/parks/wilderness/
Tel:  44 877 1197

Hottentots Holland Nature Reserve
www.sa-venues.com/game-reserves/wc_hottentotsholland.htm
Tel:  21-4832949

Como chegar
South Africa Airways – O preço da passagem na alta estação, do Rio de Janeiro para a Cidade do Cabo, com escala em Johanesbourg, começa a partir de US$1.500 com taxas incluídas (ida e volta).

Onde ficar

Long Steet Backpackers – acomodação econômica.  US$20 por pessoa em quarto duplo.
www.longstreetbackpackers.co.za
209 Longstreet Cape Town South Africa
Tel:  21 4230615
[email protected]

The Fritz Hotel – Pequeno Hotel 3 estrelas, com estilo Art Deco.  Perto do centro, muito bem localizado.  US$60/100 (alta/baixa termporada – quartos duplos).
www.fritzhotel.co.za
1 Faure Street, Garden
Tel:  21 480 9000
[email protected]

Onde comer

Melissa – Imperdível.  Seja para tomar café da manhã, ou para comprar mantimentos para um requintado piquenique.  Mistura de patisserie com lojinha de produtos caseiros.
www.melissas.co.za
94 Kloof Street.  Tamboerskloof.
Tel:  021-424 5540.
[email protected]

Den Anker – Com 12 anos de casa este restautante de nome Belga, serve comida internacional, mas também pratos sul-africanos.  Os frutos do mar são frescos (o prato de entrada de mexilhões vale a pena), e o filé com molho de pimenta saboroso.  Localizado no Waterfront, como o nome diz, com vista para o mar.
www.denanker.co.za
Pierhead – V & A Waterfront.
Tel:  21 419 0249
[email protected]

Leia também

Notícias
28 de março de 2024

Estados inseridos no bioma Cerrado estudam unificação de dados sobre desmatamento

Ação é uma das previstas na força-tarefa criada pelo Governo Federal para conter destruição crescente do bioma

Salada Verde
28 de março de 2024

Uma bolada para a conservação no Paraná

Os estimados R$ 1,5 bilhão poderiam ser aplicados em unidades de conservação da natureza ou corredores ecológicos

Salada Verde
28 de março de 2024

Parque no RJ novamente puxa recorde de turismo em UCs federais

Essas áreas protegidas receberam no ano passado 23,7 milhões de visitantes, sendo metade disso nos parques nacionais

Mais de ((o))eco

Deixe uma resposta

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.