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Com outros olhos…

Em visita ao Brasil, notei com tristeza como se fala pouco de reciclagem. Reciclar dá trabalho e é preciso, no meu entender, acreditar que este é o caminho que temos a seguir.

5 de março de 2008 · 16 anos atrás
  • Helena Artmann

    Montanhista e balonista há mais de 16 anos, tendo feito mais de 15 expedições para alta montanha. É formada em Comunicação So...

Depois de exatos 2 anos e 7 meses no Canadá, estivemos um mês no Brasil e a viagem foi, no mínimo, interessante. Não sei o que eu esperava encontrar, mas sei que senti coisas que não imaginava sentir.

Nosso primeiro destino era Bagé, sul do Rio Grande do Sul, onde moram meus pais e onde ficamos os primeiros 15 dias de viagem. Que ninguém recicla por lá eu já sabia, mas me impressionou não conseguir reciclar também. Apesar da casa grande, não encontrei um jeito de separar o lixo! Me culpo por isso, lógico, mas o fato é que a vida de lá não foi adaptada para estas coisas. E, depois de tantos anos cuidando do meu lixo, simplesmente descartar plásticos, vidros, metais e papéis me causaram mais desconforto do que eu podia imaginar.

A surpresa ficou por conta de uma conversa com a Claudia Guidoux, dona de uma loja chamada João & Maria no centro de Bagé. Claudia é mãe da Luciana Kalil, amiga de infância de minha irmã mais nova, Maria. A Luciana trabalha no Instituto de Permacultura e Ecovilas do Cerrado e virou uma ecologista de mão cheia. Aliás, os três filhos da Claudia o são! Toda a família é vegetariana e o filho mais novo, Marcelo, é vegano. Tão vegano que está abrindo um restaurante em Porto Alegre, para mostrar para o mundo que é possível se alimentar sem comer nada de origem animal. Marcelo é do tipo vegano mais radical: também não usa nada de origem animal. Couro? Nem pensar!

Outra surpresa foi uma breve visita a uma ONG irmã da ONG que a Luciana trabalha e que se chama Instituto de Permacultura e Ecovilas da Pampa, onde fomos muito bem recebidos pelo Rohger Castilhos, um agrônomo que já esteve do outro lado trabalhando para grandes fabricantes de todo tipo de veneno agrícola. Hoje, cultiva arroz orgânico, tem uma horta idem, constrói casa com isolamento de palha e de superadobe, tem banheiro seco (as fezes são feitas em um local apropriado, sem o uso da água, e irá, depois do período de maturação, servir de adubo – compostar) e colhe água da chuva para abastecimento das casas. Até a sauna é ‘natural’…

O IPEP tem um belo trabalho com bambu, fazendo criativos móveis que são vendidos, gerando parte da renda que a ONG precisa para viver. Como toda ONG, luta para gerar e conseguir a renda necessária para sobreviver, com a diferença imensa de não contar com a ajuda dos governos, o que não acontece com a Clean Calgary Association, a ONG onde eu trabalho. Aqui, recebemos uma substancial ajuda da prefeitura de Calgary, que sabe da importância do nosso trabalho e, mais, conta com a gente para cumprir um importante papel na educação do povo. Outro trabalho interessante do IPEP é a construção de casas populares, a preços absurdamente mais baixos que as casas feitas pelas prefeituras. Usa-se material reciclado, reutiliza-se material descartado e cria-se casas de dois quartos com um charme que a arquitetura pré-fabricada de casas de ‘papel’ multi-milionárias daqui há muito se perdeu.

Do sul, partimos para os 15 dias de Rio de Janeiro, e nova surpresa, além da já antiga impressão de que ninguém recicla. Ou, pelo menos, de que ninguém fala do assunto nem se preocupa com o mesmo, como se isso fosse um problema para os outros resolverem. Percebi, com os olhos de quem está longe daquela dinâmica, que as empregadas são um mal necessário para a economia do país, já que se todos fossem como eu, não gosto nem de pensar na quantidade de desempregadas que teríamos país afora! Mas, como pessoas de baixa escolaridade, por culpa também do País, treiná-las ou mesmo ensiná-las a poupar os recursos é um gasto de energia monumental. No entanto, entendem de reciclagem, já que isso gera renda…

E eu que me orgulhava do Brasil ter um índice de reciclagem altíssimo. E tem, posso até continuar a me orgulhar, mas muito me decepcionou o quase silêncio que existe sobre o assunto. Talvez eu esteja mesmo mal acostumada, já que trabalho com isso e discuto estes assuntos no meu dia-a-dia. Lembro de meus pais, em uma recente visita, quando comentaram que precisava fazer curso para separar o lixo na minha casa. E, pode ter certeza que, se é assim, é porque estamos cuidando do que ainda tem muita vida pela frente e dando um destino melhor, para estes produtos, que o aterro sanitário.

Infelizmente a reciclagem no Brasil é tida como fonte de renda, prova disso está no material selecionado para reciclagem, os “recicladores” só coletam materiais que tenham algum valor econômico, por exemplo o alumínio. O Brasil recicla 98% dos resíduos deste material, depois temos as garrafas PET, depois outros plásticos, papelão, outros papéis. Vidros por exemplo está difícil de reciclar, nenhum “reciclador” aceita, pois o poder público está cobrando que as pessoas que trabalham com este material tenham que usar E.P.I (equipamento de proteção individual) o que é normal e louvável, mas gera custos adicionais. Então os “recicladores” preferem não receber o material do que equipar seus funcionários.

No meu ponto de vista, a reciclagem acaba por estimular o consumismo, a idéia corrente é: quanto mais resíduo, mais oportunidade de renda pra quem sobrevive sem trabalho, absurdo! É preciso tomar cuidado para não fazer da reciclagem um incentivo ao consumismo. Antes de reciclar temos que evitar gerar resíduos ou pelo menos reduzir”, explica Rohger, acrescentando que, “em Porto Alegre, considerada uma das capitais exemplo no Brasil, a coleta seletiva de resíduos tem 18 anos, imagine você que apenas 4% da população processa seus resíduos de maneira adequada. A cidade produz o equivalente a 250 elefantes de 5 toneladas cada por dia de resíduos, 70% material orgânico, ou seja, fertilizante jogado fora que poderia abastecer o cinturão verde da cidade com adubo de alta qualidade”.

Em fevereiro, me mudei para Banff, uma cidade de pouco mais de sete mil habitantes, dentro de um parque nacional e um dos maiores destinos turísticos do Canadá. Continuo reciclando, já que aqui a prefeitura também oferece centros de reciclagens em pelo menos dois pontos da cidade. Continuo compostando, já que a compostagem faz parte da reciclagem e temos um contêiner imenso de compostagem nos mesmos setores onde se recicla. Por ser um parque nacional, a bicharada anda solta e não podemos ter latão de lixo do lado de fora da casa, nem fazer compostagem no jardim. O lixo de casa se joga em um imenso contêiner que fica a poucos metros da minha porta e tem trava anti-urso!

Mas, aqui, voltei a ter a impressão de que não sei nada, porque o papel é separado tão detalhadamente que estou sempre com a sensação de estar errada. Lista telefônica tem um local próprio, o que faz sentido já que aquele papel usado para imprimir os catálogos de telefone é o pior tipo de papel possível. Revistas, jornais e papéis de escritório devem ser separados e cada um possui um contêiner específico. Papelão também. Latas e vidros, idem. Embalagem longa vida de leite e embalagem de plástico de leite são separadas e faz sentido quando se sabe que a indústria do leite patrocina a reciclagem de suas embalagens. Quase todo tipo de plástico, com exceção do PET e da embalagem do leite, vai para um único lugar e imagino o trabalho que dá para separar os inúmeros tipos, incluindo as variações dos plásticos duros e moles. Parece avançado, mas, ainda ontem, ouvi um casal comentando como era triste me ver, em pleno domingo, abrindo minhas caixas de papelão…

Esta história toda me lembrou outra passagem com meus pais, quando me visitavam em 2002, no Rio. Um amigo paulista, passando pela cidade, comentou com eles como dava trabalho reciclar. Naquela época não havia coleta seletiva e eu ainda enchia minha mochila cargueira e andava por todo o bairro de Botafogo para chegar na cooperativa de catadores e doar minha pequena ‘coleção’ de recicláveis. Reciclar dá trabalho e precisa, no meu entender, muito mais do que apenas vontade. Precisa acreditar que este é o caminho que temos a seguir.

(Não vou entrar em detalhes neste texto que já se alonga, mas repensar suas necessidades de compra, escolher materiais que tenham pouca embalagem, reutilizar o que puder etc, é ainda uma melhor saída que reciclar. Reciclar é, na verdade, o último dos ‘Rs’ e, portanto, a última saída antes do aterro!).

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