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Sob o sol do Canadá

A montanhista Helena Artmann estréia no Eco, depois de pisar em altos cumes de vários continentes e de se mudar para o Canadá, onde está mais perto da neve, das escaladas e do futuro.

13 de novembro de 2006 · 17 anos atrás
  • Helena Artmann

    Montanhista e balonista há mais de 16 anos, tendo feito mais de 15 expedições para alta montanha. É formada em Comunicação So...

Aqui estou eu no Canadá, o segundo maior país do mundo em extensão. Suas terras se espalham do Atlântico ao Pacífico, dos Estados Unidos ao Pólo Norte. No entanto, sua população é a mesma da Grande São Paulo, cerca de trinta milhões de habitantes se concentram na parte sul do país, onde o clima é mais ameno. São dez províncias e três territórios. O país inteiro é ‘liso’, quase desprovido de elevações, com exceção de uma espinha dorsal a mil quilômetros da costa oeste, as Rochosas Canadenses, que são a continuação (ou o começo) das Rochosas Americanas.

A montanha mais alta do país está no território vizinho ao Alasca, o Yukon, e se chama Logan. É um gigante de mais de seis mil metros de altitude e ainda mais difícil de se escalar do que o McKinley (Denali) mas talvez tão frio quanto. Uma das províncias ao sul do Yukon é Alberta, com pouco mais de três milhões de habitantes, a mais ensolarada do Canadá e uma das mais ricas do país, pela abundância de petróleo em suas terras. Quem ganha com isso são seus moradores, os únicos do Canadá que só pagam uma taxa, a federal: 6% em tudo que se compra ou se negocia na província, mas Alberta tem muito do que se envergonhar, como um dos maiores poluidores do país – culpa, também, do petróleo.

Calgary é a maior cidade de Alberta (capital Edmonton), está situada mais ao sul da província, tem um clima melhor por causa da influência de um vento quente que sopra do Pacífico chamado Chinook e é uma das cidades que mais crescem – acaba de atingir a marca de um milhão de habitantes e já é a quarta maior do Canadá. Tudo isso tem seus prós e contras, como a economia aceleradíssima, com estudos que dizem que em dez anos Alberta precisará de 100.000 pessoas para cobrir todas as vagas de emprego, sendo 30.000 só para Calgary. Bom para quem procura emprego, péssimo para quem emprega – muitos negócios estão sendo fechados por falta de funcionários.

O mercado imobiliário está em um momento nunca imaginado. O preço das casas subiu mais de 50% em poucos meses. Isso, quando se encontra casa para vender. Pior ainda para quem vive de aluguel, que no fim do verão (julho/2006) não encontrava nada – alguns, vindos de outras províncias, conseguiram emprego mas tiveram de voltar para casa, pois não tinham onde morar. Estima-se que chegaram 100 pessoas por dia em Calgary, durante o verão. Pior, 25% de todos os ‘homeless’ da cidade estão empregados em um emprego permanente e em tempo integral. Eles só não têm para onde ir quando terminam o dia de trabalho e acabam superlotando os abrigos para sem-tetos.

Vida de imigrante

Pois é este o lugar onde eu estou morando há um ano e meio. Larguei tudo no Brasil para virar imigrante no Canadá, um país que me recebeu de braços e portas tão abertos que não imaginei que fosse possível. O Canadá é feito de gente como eu, de gente do mundo inteiro, que fala inglês com sotaque, que enriquece a cultura e deixa o país com um charme que não imaginava ter. Vim por absoluta falta de esperança no meu futuro, no futuro de um filho que ainda quero ter. Vim para viver um sonho e experimentar a vida fora do meu país, mais perto de outra coisa que amo: a neve e o gelo. Pois é… eu também vim para cá por causa do frio!

Basta uma breve olhada em meu currículo de montanha para se perceber esta paixão: três expedições à Bolívia, incluindo a subida da primeira e segunda mais alta montanha do país; uma expedição à sexta montanha mais alta da Terra, no Himalaia; três expedições ao Aconcágua, o teto das Américas (sim, com uma chegada ao cume); cume mais alto da Europa (Elbrus); cume mais alto da América do Norte e montanha mais fria do mundo (McKinley/Denali) e um verão na Estação Antártica Comandante Ferraz, entre outras viagens pelo mundo. Vir parar em um lugar frio não é, em absoluto, uma surpresa e, aqui, às portas do meu segundo inverno, já não vejo a hora de poder esquiar novamente, esporte que aprendi no inverno passado.

Mas por que o Canadá? Por dois motivos básicos: primeiro, porque tenho uma irmã casada com um canadense e dois sobrinhos canadenses. Segundo, porque é um país aberto à imigração e eu só me mudaria em condições legais. Como minha irmã mora em Montreal, na província de Quebec – a única de língua francesa –, e eu e meu marido, Ricardo Barcellos, não teríamos como fazer o processo para lá por não falar a língua, tivemos de decidir onde morar. Já pensou abrir o mapa de um país que você nunca foi ou conhece pouquíssimo (eu havia estado em Vancouver e Victoria, ambos em British Columbia, por duas semanas, em 2002, e Ricardo nunca havia pisado aqui) e decidir onde morar?

Um paraíso de atividades ao ar livre

Dois montanhistas, um país ‘chato’ e uma cadeia de montanhas no canto. Hoje, a opção parece quase óbvia, e foi, quando recebemos um email de uma amiga contando as maravilhas da região que está a apenas hora e meia de Calgary. Em resumo, tinha-se de tudo, do bom e do melhor, para fazer: escalada em rocha, muita caminhada (tanto em trilhas quanto em um terreno de pedras soltas que chamam aqui de ‘scramble’), esportes aquáticos, mountain bike, caminhadas por glaciares etc. no verão. No inverno, escalada em cascatas congeladas, caminhadas com raquete, cross country esqui, downhill esqui e alpine touring esqui – três modalidades totalmente diferentes de um esporte que parece o mesmo. Quilômetros e quilômetros de trilhas para estes três tipos de esqui. Tudo isso parecia um paraíso.

E é. Difícil descrever a infra-estrutura que temos e a quantidade de atividades de altíssimo nível. Dá para perceber quando vemos que alguns dos grandes nomes do alpinismo mundial moram por aqui, como Valerie Babanov, um russo que, assim como eu, trocou seu país por Calgary, e Barry Blanchard, um guia de montanha que mora em Canmore – além de tantos outros. Também não é à toa que Banff sedia anualmente o Banff Mountain Film Festival, uma iniciativa do Banff Centre, ligado a atividades de montanha, sejam elas as artes, o cinema, a fotografia, a literatura etc. O Rio de Janeiro recebe ‘o melhor de Banff’ no World Tour, sempre no segundo semestre do ano.

Aliás, Canmore e Banff, se não fossem tão pequenas (12 mil e 7 mil habitantes, respectivamente), seriam candidatas sérias à nossa nova cidade. Depois de tanta mudança, isso não nos assusta mais. Canmore está a uma hora de Calgary, já no meio das montanhas. Banff, a uma hora e meia, mas já dentro do Parque Nacional de Banff. Vale dizer que existem mil restrições para se morar em Banff e só o nosso desejo não nos permitiria mudar para esta charmosa vila de montanha. E vale dizer também que ficam dentro do Parque Nacional de Banff alguns dos lagos mais fotografados do mundo, como o turquesa Moraine e o verde leitoso Louise.

Rica vida selvagem

As Rochosas formam um extenso corredor de parques nacionais ou provinciais que protegem uma riquíssima fauna e flora, incluindo os urso preto e grizzly, os alces, veados de vários tipos, o puma, o cabrito montanhês, a raposa. Não há vez que vamos a Kananaskis, um belíssimo e próximo parque provincial, que não vemos um bicho selvagem. Banff possui mais de três mil quilômetros de trilhas bem cuidadas e freqüentadíssimas. Kananaskis, durante o inverno, oferece mais de 80 quilômetros de trilhas preparadas com máquinas da prefeitura para o cross country esqui – e é tudo gratuito.

Tudo isto para dizer que é daqui que inicio este trabalho com O Eco. Daqui, pretendo mandar notícias da montanha, dos equipamentos que usamos para ir às montanhas, da conservação das montanhas e, por isso mesmo, do meio ambiente, de ecologia, das nossas pegadas humanas na Terra e de tudo o que lhes parecer interessante que eu divida com vocês. Não por coincidência, estou começando a trabalhar em uma ONG chamada Clean Calgary Association, que cuida do bem-estar da cidade onde escolhi morar. Terei números e dados interessantes para divulgar e, quem sabe, mudar um pouquinho a forma como vemos a nossa passagem pela terra.

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