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Estratégia para acabar com o Cerrado

A agenda ambiental do governo virou incentivo ao biocombustível. Azar do cerrado, onde parece não haver mais lugar para a conservação e e nem para a criação de áreas de proteção.

31 de agosto de 2007 · 17 anos atrás

A agenda ambiental do governo é biocombustível e certificação de agricultura. E no meio desta estratégia nacional o Cerrado mais uma vez será “a bola da vez”. O Brasil não tem nenhuma ação governamental realmente efetiva para a conservação do Bioma, apenas a viabilização de investimentos que pressionarão de vez suas áreas remanescentes.

Na outra ponta a estratégia, a intenção é retirar o que resta de Cerrado da Amazônia Legal. Com isso, o golpe será mais voraz. A reserva legal cai de 80% para 20%. A partir daí é só colocar as máquinas em campo e preparar o terreno para receber os incentivos que o governo chamará de fomento ao biocombustível.

Cerrado virou sinônimo de uso, sempre coerentemente adjetivado como sustentável. Não sobra mais espaço nas políticas do governo para a preservação e nem para o conhecimento científico voltado à biologia da conservação, à proteção integral e a perpetuação dos processos naturais.

Juntando os biocombustíveis, as hidrelétricas e as reservas extrativistas, tem-se um plano acabado para empobrecer ambientalmente toda uma região para entregá-la, ao fim do processo, a uma população que não terá mais os meios de vislumbrar um futuro.

Estudo realizado pela EMBRAPA, financiado pelo Ministério do Meio Ambiente e Banco Mundial, que mapeou 204,7 milhões de hectares por meio de 114 cenas do satélite Landsat do Cerrado e concluiu que 61,2 % da cobertura do Cerrado ainda está conservada. As pastagens nativas engrossaram esta estatística. Mas elas um dia foram formações de cerrado, de mata, de cerradão, entre outras fisionomias do Cerrado, ecologicamente distintas de pastagens nativas. Mas o que importa para o governo são os números finais, que Brasília manipula para dar a ilusão de que tudo vai bem.

O governo também forçou a barra há uns dois anos atrás para mudar toda a estrutura da Diretoria de Ecossistemas do Ibama. Chamou de reestruturação. Pintou algo que parecia inovador mas que parou na falta de recursos e apoio. Daí, do dia para noite criou o Instituto Chico Mendes. No meio desta confusão, que até agora sabe Deus como será tocada, ninguém respondeu se às ações de conservação para o Cerrado já iniciadas terão continuidade e se as propostas para criação das novas unidades de conservação terão prosseguimento.

O que se sabe é que a prospecção de potencial hidrelétrico nas 12 unidades de conservação da Amazônia correu fácil. Ela abre um excelente precedente para avançar nos projetos de hidrelétricas no Cerrado. A hidrelétrica do Mirador, que inundará parte de uma reserva privada, há anos barrada, especialmente pelo esforço pessoal do Peter Midkif, um defensor de Cerrado de primeira ordem, agora terá caminho aberto.

Corroborando tudo isso, continua a prospecção para a implantação de reservas extrativistas. Em Minas Gerais os processos seguem o estilo atual, do deixa acontecer. Na prática, as propostas são tão genéricas quanto o potencial hidrelétrico das unidades da Amazônia. Algumas propostas são encaminhadas sem diagnóstico e pior de tudo sem “comunidades extrativistas”. São assinadas por algumas pessoas, quase sempre de uma ou duas famílias e quando esse aspecto é questionado, ouve-se respostas assustadoras: se não houver locais interessadas na área, extrativistas de outras regiões serão identificados e deslocados para ela.

Juntando os biocombustíveis, as hidrelétricas e as reservas extrativistas, tem-se um plano acabado para empobrecer ambientalmente toda uma região para entregá-la, ao fim do processo, a uma população que não terá mais os meios de vislumbrar um futuro.

*Esse texto foi editado em 22/04/2024 para repaginação

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