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O tempo não pára

A estação é de queimadas no Cerrado, mas agora há um brilho novo na paisagem tostada: o dos minérios cuja lavra o governo autoriza em áreas bem conservadas numa velocidade nunca vista.

27 de julho de 2007 · 17 anos atrás

Melhor do que escrever sobre o Cerrado é ver o Cerrado. Mas hoje ele me parece estranho. Tudo parado e tenso. O ar quente e abafado, sufocando. A poeira é desesperadora. Tudo seco. Mas, de repente, as folhas vermelhas e as flores coloridas alegram grandes extensões de terra tostada.

Há tempos quero falar das queimadas no Cerrado. E, para isso, é preciso estar no Cerrado. O momento não poderia ser mais propício. Nestes 26 dias de julho chegamos a 5.281 focos de queimadas no Brasil. Os estados do Mato Grosso, Tocantins e Maranhão, justamente nas áreas de Cerrado, estão entre os primeiros da lista.

Brilho do fogo

Quando damos uma volta pelas unidades de conservação, vemos 987 focos. No Cerrado, três áreas extremamente importantes estão queimando – a Estação Ecológica Serra Geral do Tocantins, o Parque Nacional das Nascentes do Rio Parnaíba e o Parque Nacional Grande Sertão Veredas. Informações de 1979-2005, no site do Prevfogo, dão uma visão histórica deste processo no Brasil: 93% dos incêndios florestais são ocasionados por ação antrópica, apenas 7% por descargas naturais. Todo este relatório é interessante, senão o mais completo que já li.

Mas como nada é tão ruim que não possa ficar pior e o tempo não pára, deixo as queimadas repousarem na noite do Cerrado com imagens que de tão assustadoras tornam-se até bonitas.Outros assuntos colocam em xeque mais uma vez nosso trabalho com conservação do Cerrado.

Este governo não dá importância a isso. Cerrado bom, no Brasil, é cerrado limpo. Se for plano, seu destino é agronegócio. O governo não mede esforços para fomentar os negócios que querem explorá-lo. Restavam, para nós, os que queremos conservá-lo, as áreas de maior declividade, e de difícil acesso. Nessas poderíamos sonhar com conservação.

Mas este sonho também se foi,porque agora há um brilho no ar. Ou melhor, muitos brilhos: de ametista, areia, cassiterita, estanho, ferro, granito, manganês, níquel, ouro, titânio, quartzito, tântalo, quartzo, argila, calcário, fosfato, ilmenita e uma coisa nova aparecendo por lá, a kalungaíta.

Adeus Cerrado. Se o que sobrou já era pouco, agora sim, virou tudo uma coisa só. Conseguiram achar uma nova forma de utilização, que beneficiará poucos em detrimento do bem comum. Mas isso também não importa. A mineração tende a cair de cheio no Cerrado. Lamentavelmente nas poucas áreas remanescentes.

Se o agronegócio dá tanto lucro é porque nunca teve que computar o valor do patrimônio natural perdido. Se medissem isso, certamente os produtores de grãos deveriam muito para nós brasileiros, por usarem o patrimônio que é de todos. O azar do Cerrado não foi ter a maior parte dos solos com baixa fertilidade natural, mas foi ter respondido muito bem à calagem e a adubação química. Além, é claro, de ter o privilégio de eleger uma bancada ruralista forte e articulada.

Assim, enquanto não conseguíamos mover uma palha para conservar o Cerrado, em menos de um mês os ruralistas conseguiram baixar os juros do agronegócio em dois pontos. Ele vai sempre bem, obrigado.

O segundo azar está no subsolo. O Cerrado é riquíssimo. Historicamente, isso já movimentou muita gente e dinheiro nestas regiões. Mas agora chegaram as grandes mineradoras. Este avanço pode descolorir o restante do Cerrado, com tamanha eficiência, que não terá mais volta. Perdemos mais uma vez sem sequer jogarmos. Ficamos numa poeira muito mais densa do que a da seca no Cerrado.

Só para se ter idéia, veja-se o que está acontecendo em apenas três municípios no noroeste goiano, numa área de Cerrado bem conservada: Cavalcante, Monte Alegre de Goiás e Terezina de Goiás. Eles estão debaixo de 132 requerimentos de pesquisa, 204 autorizações de pesquisa, 19 requerimentos de lavra, quatro concessões de lavra, 18 licenciamentos e duas lavras garimpeiras.

Para quem trabalha com mineração, estes dados em si não demonstram nenhuma preocupação. Afinal de contas, o país inteiro é retalhado desta forma e os processos são lentos. O problema está no movimento do governo para acelerar estes processos. O que antes eram apenas dados do Departamento Nacional de Produção Mineral, agora passam a ser prioridade nacional.

A mineração vem com força total, passe livre, imposições superiores de fazer o que for necessário para não parar o desenvolvimento. O futuro vem aí com os métodos do passado.E o tempo não pára. Com tanta coisa acontecendo, dá vontade de que ele parasse um pouco. Mas ele não pára.

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