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Como mudar o mundo

Pessoas com grandes e inovadoras idéias podem dar uma ajuda de peso aos trabalhos de conscientização sócio-ambiental. Livro sobre empreendedorismo diz o porquê.

26 de maio de 2006 · 18 anos atrás
  • Suzana Padua

    Doutora em educação ambiental, presidente do IPÊ - Instituto de Pesquisas Ecológicas, fellow da Ashoka, líder Avina e Empreen...

Escrito por David Bornstein, o livro Como Mudar o Mundo: empreendedores sociais e o poder das novas idéias foi lançado em diversas cidades brasileiras com palestras variadas. Mais uma vez a Ashoka e a Avina, instituições que se dedicam a incentivar empreendedores e seus projetos transformadores, brilharam. Os fundadores dessas instituições foram vanguardas ao perceberam a força de indivíduos determinados e persistentes em levar adiante suas utopias que acabam se tornando realidades palpáveis no caminho de um mundo mais ético e equilibrado.

A Ashoka foi o foco principal do livro, o estudo de caso central, com relatos de seu criador, Bill Drayton as experiências de fellows, como são chamados os empreendedores que apóia, escolhidos por seus trabalhos de destaque em várias partes do mundo, com enfoque nos seguintes brasileiros: Vera Cordeiro, com a Associação Saúde Criança Renascer; Rodrigo Baggio, com o Comitê para Democratização de Informática, e Fábio Rosa, agrônomo que desenvolveu um projeto de eletrificação rural de baixo custo. A Avina merece reconhecimento nesta iniciativa, pois apoiou o autor de modo a tornar o livro uma obra capaz de disseminar o que indivíduos motivados são capazes.

O lançamento em São Paulo ocorreu na Fundação Getulio Vargas dia 23 de maio e contou com um auditório repleto de jovens alunos da casa e um público diverso interessado pelo tema. Palestras introdutórias ilustraram a abrangência da necessidade de se promover inovações no governo, na empresa e no terceiro setor.

O professor Yoshiaki Nakano, ex-secretário da Fazenda do governo do estado de São Paulo e diretor da Escola de Economia de São Paulo – FGV, chamou a atenção para os desafios de se quebrar estruturas viciadas, ineficientes e corruptas, comuns à máquina estatal. Compartilhou as estratégias que desenvolveu ao criar meios de romper com a ineficiência que encontrou na Secretaria da Fazenda. Com objetivos específicos e bem definidos conseguiu implantar sistemas paralelos aos existentes, buscando desburocratizar para melhor atender às necessidades da sociedade rápida e eficientemente. Mencionou a importância de se buscar e de adentrar por meio das brechas que precisam ser encontradas, pois confrontar os sistemas existentes, além de ser perigoso, pode levar idéias inovadoras ao suicídio.

Nakano analisou o processo histórico brasileiro que se baseia na concentração de poder desde a época colonial, o que acabou gerando uma sociedade que serve ao Estado, e não o revés, como deveria ser. Com uma carga tributária alarmante, a população alimenta uma máquina estatal que não corresponde às necessidades sócio-ambientais da nação. Idéias novas representam ameaças e por isso se tornam alvo de resistências, pois podem quebrar as estruturas hierárquicas que garantem a perpetuidade das normas estabelecidas, onde as funções são fragmentadas e raramente questionadas.

Sua experiência, no entanto, mostra que mesmo em um ambiente altamente burocrático e também por isso hostil a mudanças inovadoras, como o que encontrou no governo paulista, é possível usar a criatividade para transformar a realidade. Mas, seu relato mostra também que muita criatividade deve ser necessária na forma de introduzir novos mecanismos de mudanças sem ameaçar o status quo.

Exemplos pessoais

O setor privado foi representado por José Américo Madeira Pinto Jr. da AMP Soluções, que trouxe diversas definições de empreendedorismo e mostrou sua relação com o mundo empresarial. A inovação, a ousadia e a persistência são características que precisam estar sempre presentes para que a iniciativa se destaque. Por meio de um trabalho realizado com esses elementos, um profissional pode sair do anonimato ao estrelato, sem que este tenha sido seu objetivo. Práticas corretas baseadas em idéias novas e pautadas na ética podem acabar conquistando louros inesperados além do lucro, que é o resultado fim de qualquer empresa bem sucedida.

Duas mulheres trouxeram seus estudos de caso para ilustrar uma colaboração inspiradora: Anna Penido, da ONG Cipó, que trabalha na área social, e Adriana Mascolli, consultora da McKinsey&Co. Anna compartilhou sua experiência com os desafios que enfrentou para conquistar credibilidade, visibilidade e recursos suficientes para realizar seus sonhos de melhorar as condições de vida de crianças e adolescentes em situação de risco nos arredores de Salvador, onde sua organização atua. Ao receber o Prêmio Empreendedor Social Ashoka – McKinsey, Anna conquistou a atenção desta renomada empresa internacional de consultoria, além do período em que concorreu ao prêmio. Com isso, organizou suas estratégias, analisou seus desafios e pôde identificar novas oportunidades que tinham passado despercebidas. Os resultados alcançados com a nova estruturação foram surpreendentes. O esperado era triplicar a quantidade de meninos atendidos e de recursos levantados em cinco anos, mas em muito menos tempo os números haviam se multiplicado por cinco.

Adriana Mascolli, por sua vez, expressou sua alegria em ter contribuído para uma organização cuja causa se solidariza. Seu orgulho de ter feito parte das realizações da Cipó era evidente, o que pôde ajudar a contagiar os alunos da FGV que assistiam ao seu depoimento. Além de se sentir aliada à causa, à organização e à coordenadora da ong, Adriana mencionou o quanto aprendeu no convívio com uma pessoa que sabia claramente o que queria, batalhava incessantemente e se mostrava estar sempre aberta às idéias que podiam ajudar a chegar de forma mais eficiente onde queria.

A hora do empreendedorismo

Finalmente foi a vez do autor do livro, David Bornstein, se pronunciar. Apontou para o fato de o empreendedorismo ter surgido com tanta força na época atual, principalmente devido a uma maior liberdade política que os países desfrutam, especialmente aqueles cujos governos deixaram de ser autoritários e fechados, como era comum nos anos 70 e 80. Não se espera mais que as soluções venham do Estado e, com isso, as organizações do terceiro setor despontaram por todos os cantos do planeta. Há uma grande busca por solucionar problemas sócio-ambientais que se tornam mais e mais evidentes com a eficiência tecnológica e dos meios de comunicação.

Apesar da necessidade aparente, as idéias inovadoras e os empreendedores enfrentam enormes desafios para serem aceitos. A cadeia de ‘nãos’ que se forma frente a uma idéia nova precisa ser driblada para que correntes de ‘sins’ prevaleçam. Persistência passa a ser indispensável, comumente chegando à obstinação, porém com suavidade e diplomacia para que os obstáculos sejam ultrapassados.

Bornstein descreveu as experiências que incluiu em seu livro dando especial ênfase aos exemplos brasileiros da Vera Cordeiro, Fabio Rosa e Rodrigo Baggio. Mencionou que o empreendedor percebe o padrão de problemas e cria rapidamente oportunidades de mudanças. Caracteriza-se pela abertura ao que é novo e por ousar experimentar soluções inusitadas. Ao enfrentar resistências percebe formas de driblá-las e ainda de se tornar modelos para que outros se inspirem em suas trajetórias.

Citou Peter Drucker, que afirma que a criatividade é indispensável para sobrevivência. Nesse sentido, o meio ambiente precisa urgentemente descobrir fórmulas de incentivar empreendedores a criarem, pois mesmo que não seja percebido pela grande maioria das pessoas, a sobrevivência da vida na Terra está ligada à qualidade ambiental, e esta a como tratamos a natureza. Por isso, empreendedorismo pode ser um caminho para se buscar meios de se sensibilizar amplamente para a importância da conservação, do respeito e da celebração das diferenças.

Bornstein dá uma contribuição ao analisar processos e valorizar empreendedores que ousaram e foram capazes de grandes transformações. Resta agora descobrirmos como educar de maneira a despertar inquietações para motivar mais e mais pessoas a também ousarem a se envolverem com causas que tragam benefícios sócio-ambientais para a coletividade. O caminho pode estar sendo apontado, mas ainda há um percurso a ser buscado de como podemos ampliar os efeitos desse novo pensar e agir.

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