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Força da transformação

Fóruns de discussão são a melhor alternativa para resolver problemas socioambientais locais. Exemplo disso é o que acontece no Pontal do Paranapanema.

1 de julho de 2005 · 19 anos atrás
  • Suzana Padua

    Doutora em educação ambiental, presidente do IPÊ - Instituto de Pesquisas Ecológicas, fellow da Ashoka, líder Avina e Empreen...

A idéia da participação como base para o fortalecimento da sociedade não é nova. A Agenda 21, documento elaborado durante a Rio-92, defende o engajamento de todos nas decisões que podem vir a influenciar a realidade socioambiental. Um de seus princípios baseia-se na afirmação de que a participação de todos os cidadãos é a melhor maneira de tratar os assuntos ambientais.

Na verdade, o ideal seria que todos os assuntos fossem tratados de maneira transparente e com a participação de um público amplo. Com certeza, muita manipulação e corrupção seriam evitadas e a realidade das decisões seria outra: a coletividade seria de fato levada em conta.

O Capítulo 28 da Agenda 21 enfatiza que a maioria dos problemas e soluções tem maior chance de sucesso quando tratados no âmbito regional, o que depende de um processo efetivo de educação e mobilização da sociedade para a construção conjunta de estratégias que levem a um desenvolvimento sustentável. Uma vez que a educação nunca foi prioridade neste país, a área ambiental tem sido ponto de partida para um processo participativo inovador que busca maior consciência e respeito pelo outro e pela natureza.

Dentre as abordagens participativas criadas no campo socioambiental estão os fóruns. Um exemplo foi desenvolvido em uma das mais conflituosas regiões do Brasil, o Pontal do Paranapanema, oeste de São Paulo, e tem mostrado resultados além do esperado. As ‘Eco-Negociações: um Pontal bom para todos’, como são chamados esses encontros, foram concebidos para que diferentes questões socioambientais da região pudessem ser analisadas. Os encontros contam com uma grande diversidade de públicos, incluindo o prefeito do município de Teodoro Sampaio, Paulo Pires, vereadores, autoridades ligadas às questões ambientais, representantes do Parque Estadual do Morro do Diabo, área protegida mais significativa do oeste paulista. Participam ainda o profissional do Ibama local, a polícia florestal, o promotor, educadores, ambientalistas e pesquisadores do IPÊ – Instituto de Pesquisas Ecológicas, uma instituição de fins ideais que há duas décadas desenvolve trabalhos na região.

A Eco-Negociação passou a ser a melhor forma encontrada pelo IPÊ de compartilhar os resultados de pesquisas em conservação da biodiversidade, ações que visam melhorias socioambientais como, por exemplo, o plantio de milhares de mudas de árvores nativas e iniciativas de desenvolvimento sustentável que vêm melhorando o ambiente como um todo e a qualidade de vida de centenas de famílias assentadas na região. Quatro eco- negociações já foram realizados com um espaço de tempo de aproximadamente um ano entre eles. Com o objetivo de compreender as diferentes percepções sobre o que é considerado problema e potencial, os fóruns acabaram dando poder à sociedade local, que levou adiante projetos criados durante as reuniões por indivíduos ou grupos que se formaram dentre os participantes.

A metodologia adotada é conhecida como DAFO (deficiência, atributo, fortaleza e oportunidade) e os aspectos são analisados levando em conta a opinião de todos. São considerados a importância regional do assunto, os potenciais socioambientais locais, as ações que podem ser desenvolvidas localmente, as possíveis parcerias de acordo com as temáticas identificadas, e o grau de interesse dos participantes em se envolverem com planejamentos e ações que representem em mudanças.

Esses encontros são, na verdade, oportunidades de estímulo à participação dos diferentes segmentos sociais, já que muitos não têm por hábito se engajar em processos decisórios. A motivação para se tornarem atuantes, a ponto de exercerem seus papéis de cidadãos, é um processo que precisa ser conquistado por exigir que cada perceba seus direitos.

Essa linha de pensamento condiz com pensadores como Paulo Freire, Pedro Demo e Leonardo Boff, que chamam a atenção para a importância do fortalecimento individual e coletivo que resulte no exercício pleno da cidadania. Sendo a participação uma conquista, as eco – negociações servem a este propósito. Ao serem estimulados a opinar, muitos exercitam posturas contrárias à tradicional humildade, comum em classes sociais menos privilegiadas, onde ainda predomina o poder das oligarquias.

No caso do Pontal, até a chegada do Movimento dos Sem-Terra (MST) em meados dos anos 1990, era comum a presença de líderes autoritários, com as características dos chamados “coronéis”. A força do MST mexeu com as hierarquias estabelecidas, apesar de ainda haver poderes dominantes bastante reconhecíveis, que mantém certo controle sociopolítico. É nesse sentido, que os fóruns são estratégias educacionais relevantes, pois ajudam a romper a rigidez das estruturas sociais nas quais as oligarquias dominam, muitas vezes sem serem questionadas abertamente. Durante os fóruns, a transparência com que todos são estimulados a opinar acaba inibindo o autoritarismo velado, e oferece a oportunidade de inclusão de todos na teia social.

As eco-negociações vêm sendo realizadas periodicamente, o que colabora com o estabelecimento de uma nova ordem social, ao identificar as mudanças atingidas por meio do interesse e da motivação das pessoas que se engajam em questões que beneficiam a coletividade e a natureza. Sendo assim, a prática de buscar soluções de forma aberta, que levam em conta os diferentes pontos de vista, pode retrair o poder que, muitas vezes, se nutre de favores feitos com o propósito de receber reconhecimento e reciprocidade, base do sistema clientelista freqüente no interior do país.

O MST, muito presente na região do Pontal do Paranapanema, representa, na história brasileira, um levante social maciço contra essa concentração de poder nas mãos de poucos, que alienou a grande maioria da população dos processos de participação. Ao se alicerçar na consolidação de movimentos de base, o MST desenvolveu uma escuta diferenciada das necessidades de um número representativo de pessoas que aderiram ao movimento. Acabou, inclusive, chamando a atenção da sociedade em geral para as diferenças sociais existentes no país.

Todavia, mesmo sendo inquestionável as conquistas do MST no campo social, há muito ainda a ser feito, principalmente no que diz respeito à inclusão de uma pauta ambiental nas suas ações. Após receberem suas porções de terra, o MST nem sempre consegue oferecer o apoio necessário para que as famílias assentadas vivam dignamente. Muitas se encontram isoladas, em situações desafiantes e sem contato com o mundo ao redor, o que dificulta ainda mais o acesso a apoio e a possíveis meios de melhoria de vida. Nesse sentido, os fóruns ajudam, também, a tornar pública a realidade das famílias assentadas e viabilizam a inclusão deste segmento, e de outros também excluídos, nas tomadas de decisão.

Sendo assim, o planejamento regional com base nas diferentes visões torna-se mais abrangente e democrático, e reflete uma realidade antes despercebida. Favorece o interesse na implementação das estratégias definidas coletivamente, além de fortalecer reivindicações junto ao poder público referentes às prioridades acordadas entre participantes ou grupos. Os fóruns têm, portanto, potencial para propiciar profundas mudanças que ajudam a romper os sistemas sociais hierárquicos, comuns na história brasileira.

As eco -negociações, juntamente com ações contínuas de educação ambiental, agro -floresta e desenvolvimento sustentável, têm resultado no desenvolvimento de um número significativo de projetos, o que demonstra ser uma estratégia eficaz na atribuição de poder à sociedade local e na transformação de todo um cenário socioambiental antes considerado extremamente desafiante. Por isso, a conclusão que se chega é que se é possível a integração de diversas camadas sociais e a inclusão de iniciativas ambientais no Pontal, um local reconhecido pelo conflito, é possível em qualquer lugar do mundo. A base é a transparência, a vontade de mudar para melhor e a prevalência de interesses coletivos sobre os pessoais, acompanhados, é verdade, de trabalho incessante, mas prazeroso e gratificante. São estes os valores que precisam ser introduzidos para que prioridades socioambientais sejam incorporadas, dando maiores chances à natureza e ao ser humano de viverem harmonicamente.

Quem sabe nossos governantes não poderiam dar uma escapadinha no Pontal do Paranapanema e se contagiar com o valor de se trabalhar pelo bem comum. Com certeza a realidade não seria a que vemos e nos envergonhamos na atual conjuntura.

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