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Não seja radical, seja amador

A imagem dos esportes “radicais”, criada pela mídia, tem intenção meramente estética. Amadorismo é bem-vindo, mas não pode ser sinônimo de irresponsabilidade.

26 de setembro de 2005 · 19 anos atrás

“Uhúúú!!! Radical!!!” – quem pratica algum esporte outdoor, seja ele montanhismo, mergulho, paraquedismo, vôo livre ou afins, já deve ter escutado esta clássica manifestação de euforia, principalmente no meio de pessoas que estão experimentando alguma dessas atividades pela primeira vez. As reações ao ouvir o burburinho “radical” são: olhares decepcionados, sobrancelhas franzidas e logo o preconceito instantâneo envolve todo o juízo sobre essas pessoas.

Também, pudera. É muito comum testemunhar agressões ao meio ambiente, exibicionismo gratuito e exagerado, além de conhecimento quase nulo sobre técnicas, filosofia, evolução do esporte e, principalmente, segurança. Inicialmente, pensei em escrever uma crítica ao público descompromissado com as informações que cercam o esporte que praticam. Mas percebi que criticar é muito fácil e preferi entender um pouco do cenário que envolve estas pessoas e como elas acabam participando dessas situações “radicais”.

Para começar, quero fazer um esclarecimento. Quando falo de um público sem compromisso, não estou me referindo ao público amador. Apliquei mal a palavra no último artigo, um leitor atento me alertou e fiquei preocupada em ter passado uma mensagem errada. Os amadores correspondem à grande maioria dos praticantes de esportes outdoor, e são os grandes responsáveis e incentivadores da organização das atividades e eventos. Nossa relação com o esporte é até mais forte e louvável, visto que não ganhamos dinheiro com isso. Aliás, eu nunca tinha me perguntado o significado da palavra AMADOR. “Se você é um amador, é porque faz algo apenas por amor (como já mostra seu prefixo). Profissional é quem faz e é pago por isso. Ponto. Nem um nem outro é melhor”, foi o que me esclareceu Fabio Vieira, que também alertou para a redefinição do uso da palavra, hoje erroneamente aplicada para descrever pessoas “que não fazem bem”. Pois bem, se você se considera um amador, tenha orgulho disso.

Mas por que algumas pessoas exploram o esporte e o meio ambiente de forma negligente? Como classificar quem não faz por amor e nem por dinheiro, mas por motivos descartáveis? É fácil apontar o dedo e criticar, mas na verdade a maior parte de culpa deste fato hoje vem dos esforços da mídia (principalmente a televisiva) e da banalização do mercado que oferece serviços vinculados aos esportes outdoor. Se essas forem as principais referências dos aspirantes, que orientação deve chegar a eles? Não gosto nem de imaginar.

O papel da mídia é adequar conteúdo e forma para expressar e fazer chegar alguma mensagem ao seu público-alvo. Infelizmente, as pessoas gostam de ver gente bonita, forte, rica, descolada e corajosa nos veículos de propaganda. Como os holofotes ultimamente estão voltados para os esportes outdoor, sobra para a gente. A receita é simples: arruma-se um modelo bonito, forte e com roupas no estilo “esperado” para um bom aventureiro. Demonstra-se o indivíduo em situações que exijam uma coragem que beira a insanidade e é claro que, quanto mais arriscado, inusitado e de solução improvisada, mais interessante fica. Adicione a isso um visual lindo (o zen está na moda também), agregue uma expressão de contemplação misturada com conquista e, voilá!, está pronta a fôrma para a produção de muitos futuros atletas de aventura.

Se interpretarmos minuciosamente essa mensagem, perceberemos pura exaltação da beleza física e produção estética, banalização de técnicas e procedimentos de segurança, e a presença da natureza somente como pano de fundo. Mas se é tão agressivo, como pode influenciar alguém? Por que é aí que entra aquele planejamento de conteúdo e forma de que falei. E a mensagem final? No mundo virtual ela é cada vez mais sutil, mas no mundo real fica bem claro como é contraditória. É só reparar em alguém que tenha este comportamento no meio outdoor e perceber como falta sintonia com o ambiente e as pessoas que o cercam. A mídia não mostra que o lixo não deve ser deixado no mato, não fala de poluição sonora e não mostra ninguém com bolhas no pé por causa daquele tênis lindo, mas que não funciona nas trilhas. Ela veste a pessoa com uma roupa que parece apropriada à atividade, mas que na realidade não é. Os resultados são tentativas de usar equipamentos não adequados para segurança; lixo e desmatamento; poluição sonora e a constatação clara daquele sentimento de “peixes fora d’água”.

Já os cursos e profissionais despreparados e sem ética profissional e ambiental são casos à parte, porém com conseqüências até mais graves. Não sei o que pode ser pior – uma orientação errada ou nenhuma orientação. Acredito que esta última cause menos danos, porque ao menos as pessoas de bom senso não se arriscariam em bobagens sem buscar informação antes. Agora, se o indivíduo paga por um trekking de um dia e no seu grupo tem 20 pessoas subindo uma trilha que demonstra aparente sensibilidade ecológica, ele vai acreditar que esse é o procedimento habitual. Ainda vai contar sua aventura para todos, mostrar fotos e guiar seu próprio grupo de 20 amigos na mesma trilha, agora que conhece o caminho.

O discurso do profissional também conta muito para a imagem que o praticante terá do esporte. É comum a máxima “faça o que eu digo, não faça o que eu faço”. É claro que existem casos e casos, mas o ideal é evitar ao máximo a hipocrisia do discurso x atitude frente a alunos que estejam começando, pois eles estão no momento fundamental de formação de sua “personalidade esportiva”. Eu já vi cada improviso no uso de técnicas e equipamentos, orientado por supostos professores, que dá até angústia.

Entretanto, ainda existe um grupo que não tem orientação porque não quer, e acaba sendo inconseqüente e irresponsável. São pessoas que não apenas preferem iniciar por conta própria, mas que não buscam aprofundamento técnico nem teórico. Fora isso não querem saber de mínimo impacto, fazem errado e dizem para todos que são praticantes! E há aqueles que nem humildade têm para aceitar as sugestões e dicas de outras pessoas. Cansei de ser criticada em trilhas, tentando explicar para grupos o porquê de não deixar o lixo para trás. E essas pessoas sempre levam namorados (as), amigos e parentes para uma “aula” sobre o esporte. Como conseqüência, vários acidentes vistos na TV são de pretensos atletas que ainda afirmam que praticam o esporte há muito tempo e que não sabem como isso pode ter acontecido. Enquanto isso, os reais atletas, amadores e profissionais, têm a imagem abalada.

Por isso, se você quer experimentar ou mesmo iniciar algum esporte outdoor, busque orientação. Mesmo começando por conta própria, visite um clube ou associação e tente conhecer pessoas que possuem mais técnica que você. E sempre tenha humildade para aceitar uma sugestão, mesmo que já seja praticante há muito tempo. Por outro lado, se você for um praticante experiente e se confrontar com pessoas que demonstrem pouco conhecimento, tente se aproximar e orientá-los. Provavelmente eles não sabem que é mais interessante ser amador do que radical.

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