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A política chegou aqui

Uma lei que regulamente os esportes de aventura pode ser benéfica para todos. Desde que não seja feita só por políticos, como está ocorrendo no Distrito Federal.

16 de setembro de 2005 · 19 anos atrás

A mais recente polêmica no meio dos esportes outdoor é uma tentativa da Câmara Legislativa do Distrito Federal de legislar sobre essas atividades. Uma vez aprovada, esta lei pode servir de precedente para regularizar “oficialmente” os esportes de aventura em todo país. Analisar este material é uma tarefa complicada, pois pode ser encarada como uma boa iniciativa que precisa de ajustes ou como apenas mais uma tentativa política de ganhar visibilidade sem realizar o trabalho direito, acarretando em burocracia, corrupção e, o pior, mais papelada sem utilidade nem viabilidade prática de ser operacionalizada.

Por que esse ponto de vista negativista? Acontece que políticos vêm defendendo esse e outros projetos similares, sem buscar informações concretas nem tampouco envolver aqueles que mais conhecem a problemática desse meio, ou seja, os próprios atletas, representados por instituições regionais e nacionais organizadas com o objetivo de regulamentar e evoluir com esses esportes no país.

Tudo começou com os últimos dois acidentes que chamaram a atenção da mídia. O primeiro, ocorrido em Minas Gerais, ocasionou a morte de uma jovem durante um salto de bungee jump, realizado em uma ponte ferroviária. O outro foi próximo do Distrito Federal, e acarretou a morte de outro jovem, desta vez durante a prática de rappel. O deputado João Paulo Gomes (PL-MG) prontamente passou a defender a proposta de proibição da prática de Bungee Jump, qualificando-o como contravenção penal.

Foi a vez então do deputado Chico Leite (PT-DF) se colocar contra esta proposta alegando, inclusive, que a prática do esporte de aventura movimenta hoje no Brasil um montante em negócios que gira em torno de R$ 84 milhões, proporcionando o turismo ecológico e o desenvolvimento de muitos municípios. Muito bem, Sr. Deputado, ficamos contentes com o reconhecimento. Acontece que, logo em seguida, ele apresentou um projeto de lei que visa regulamentar a prática dos esportes “radicais” (coloco entre aspas porque este termo incomoda a mim e a todos os praticantes sérios destas modalidades).

A grande questão é que ambos os projetos, mesmo que tenham boas intenções, comprovam o despreparo de nossos representantes em Brasília no entendimento dos problemas e na elaboração de propostas para solucioná-los. Não vou comentar a proposta de proibição do bungee jump, simplesmente pelo seu teor radical (aqui sim!). Vamos então ao projeto de lei do deputado Chico Leite.

A principal falha deste projeto é a negligência com a pesquisa sobre os esportes outdoor e as lacunas de informação. A princípio, o erro mais gritante e visível aos olhos é a listagem dos esportes passíveis desta regulamentação. Aproveito para perguntar: alguém pode me dizer no que consiste o esporte “pêndulo”? O “rope-jump” é divertido? Fiquei preocupada com essas definições, pois não encontrei ninguém que já tivesse ouvido falar nesses esportes. Fora isso, temos montanhismo, escalada, alpinismo (nos Alpes brasileiros, provavelmente) e técnicas verticais na lista. Isso que eu chamo de falar a mesma coisa de várias formas diferentes.

Portanto, se você pratica “bungee jump, base jump, pêndulo, rope jump, técnicas verticais, rappel, tirolesa, alpinismo, arvorismo, montanhismo, escalada, rafting, boiacross, canionismo, espeleologia ou cavernismo”, preste atenção! Brincadeiras à parte, o projeto não deixa claro quais os esportes sob observação, mencionando apenas que dispõe sobre “esportes de aventura e técnicas que envolvam equipamento de segurança”. Mas qual equipamento de segurança? Capacete é um deles e é adotado em grande parte dos esportes não “radicais” como ciclismo, hipismo, hockey, automobilismo (kart) etc. Resumindo, falta especificação do que está sendo regulamentado.

Outra lacuna que tem deixado muita gente preocupada é sobre quem é atingido por esta lei. Apenas os estabelecimentos comerciais? As agências de ecoturismo? Os cursos? Os praticantes? No início do texto do projeto essa questão parece bem clara: “…dispõe sobre a exploração comercial e o patrocínio de esportes de aventura…”, ou seja, age estritamente sobre pessoas físicas ou jurídicas que fazem dinheiro com o esporte, seja dando um curso, guiando empreitadas, conduzindo viagens ou montando estruturas de experiências instantâneas de adrenalina, muito comuns no bungee jump e rappel.

Aproveito para esclarecer: rappel não é um esporte e sim uma técnica dentro da escalada, utilizada para descer. Por ser fácil de aprender e não exigir muito compromisso do atleta, virou moda. Mas existem tantos detalhes (que passam despercebidos) que fazem a diferença entre a vida e a morte nesta técnica, que a sua prática isolada, sem um conhecimento estruturado, pode torná-la muito perigosa.

Voltando ao assunto, pouco depois da listagem dos esportes qualificados pela lei, temos uma lista, supostamente mais detalhada, dos potenciais atingidos: “…os estabelecimentos particulares, operadoras, clubes, associações, sociedades de praticantes de esportes de aventuras…”. Huumm. Até onde os clubes precisam de uma regulamentação vinda de fora? E quem seriam os profissionais com a competência técnica de certificar os representantes dos clubes, que vêm se esforçando em organizar seus respectivos esportes desde o início da prática no Brasil? Sim, porque boa parte dos esportes outdoor já tinha uma massa de praticantes no início do século, mesmo que isso não aparecesse na mídia.

Creio que os clubes seriam as melhores opções para orientar os políticos e ajudar a suprir as falhas de projetos sobre os esportes outdoor. E o que seriam sociedades de praticantes? O Hell’s Angels é uma sociedade informal de motoqueiros, mas não fazem dinheiro com isso. Portanto, não fica claro aqui se entramos no âmbito das pessoas físicas, como os praticantes sem interesses comerciais.

Se for o caso, esta lei será restritiva ao desenvolvimento do esporte, tendenciosa e impraticável, pois são os praticantes comuns e comprometidos que, no dia-a-dia, colaboram com a solidificação, estruturação e profissionalização das atividades. Não podemos criar barreiras para estes, baseados em um público amador que ainda não decidiu por obter conhecimento técnico e teórico sobre a modalidade, nem tampouco por aproveitadores que vêm explorar um mercado sem ter estrutura para tal.

O projeto continua e com ele várias dúvidas. Sobre a certificação, discursa que os responsáveis por estas atividades (que não sabemos ao certo quem são) tenham “comprovação de capacitação de seus instrutores em cursos reconhecidos nacionalmente”. Mais uma vez, quais são esses cursos reconhecidos? Quem define isso? Os bombeiros? Tem mais: “a licença ficará condicionada à apresentação da caderneta específica de cada modalidade esportiva…”. Caderneta??? Do que estamos falando?

Mas existe luz no fim do túnel. Se, e somente se, este projeto de lei estiver tratando da regulamentação da prática comercial por meio de atividades ligadas aos esportes outdoor, pode ser que finalmente quem já está neste mercado possa contar com um apoio do governo, oficializando sua profissionalização e, em contrapartida, haja uma inibição dos aproveitadores, maiores responsáveis pelos acidentes que vêm ocorrendo.

Para isso, o projeto traz exigências como certificado de qualidade dos equipamentos (INMETRO, para os nacionais e respectivas para os importados) e conteúdo informativo (história, evolução, mecânica, técnicas, especificações, procedimentos de segurança e primeiros socorros) obrigatório nos cursos ou antes da realização do evento esportivo pelos clientes. E estabelece sanções para os responsáveis. Hoje não há como responsabilizar uma empresa ou um profissional por um acidente, pois o único documento concreto na negociação é a declaração de ciência dos riscos assinada pelo cliente.

Enfim, sou otimista e quero acreditar que essa iniciativa seja boa para todos. Quem já é reconhecido no mercado pode ter um pouco de trabalho para se registrar, mas, no final, serão os profissionais sérios e seus clientes os mais beneficiados. Agora, como dizia um antigo chefe, “o combinado não sai caro”. E para combinar, os órgãos públicos devem envolver os clubes, associações e federações, tanto para aconselhamento e sugestionamento, como para não fazer feio na hora de publicar um projeto de lei com informações erradas, vazias ou incompletas.

Uma boa oportunidade ocorrerá no dia 22 de setembro, quando acontece a primeira iniciativa de discutir os termos do projeto, em uma audiência pública conduzida pelo próprio deputado Chico Leite, na Câmara Legislativa do Distrito Federal. Dirigentes e praticantes das várias modalidades de esportes outdoor estão convidados. Para fazer acontecer, precisamos participar. Essa é a hora.

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