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Quando as adversidades acontecem

A frustração diante das adversidades do esporte pode levar qualquer atleta a sentir-se tensionado e ansioso. Isso não será nada bom para seu desempenho futuro.

14 de julho de 2005 · 19 anos atrás

O homem é um animal ansioso por natureza. Essa característica pode sobressair-se de maneira mais ou menos evidente, dependendo do perfil de cada um. Mas é fato que são poucos os que escapam desta realidade. E é justamente por isso que sofremos tanto quando as previsões não acontecem como planejado. Quem nunca sentiu a angústia de ter o seu plano de diversão ou treinamento arruinado devido a uma mudança climática, uma lesão inesperada ou um simples “furo” de um parceiro de atividade? Essa questão psicológica de como lidar com as adversidades é hoje estudada por profissionais e já não passa tão despercebida pelos atletas, principalmente quando entramos na seara dos esportes outdoor. Estes, por sua própria natureza suscetível às adversidades e riscos, já exigem um desenvolvimento do autocontrole de quem os pratica.

Imaginem um indivíduo que mantém uma rotina árdua de treinos e uma disciplina rigorosa quanto às atividades focadas no incremento dos resultados de desempenho. Somem a esse cenário, a busca, por essa mesma pessoa, de uma rotina que favoreça o bem-estar físico e psicológico fundamentais para uma boa estrutura e resistência, e ainda, uma alimentação adequada com restrição aos exageros. Agora imaginem esse nosso atleta tropeçando em alguma coisa que não deveria estar no seu caminho, seja numa trilha, na rua ou no banheiro de sua casa. Voilá! Uma lesão pronta para interromper suas atividades e atrapalhar (e muito) seus planos para aquela temporada ou campeonato. Brincadeiras à parte, pesquisas demonstram que as lesões têm ocorrido com cada vez mais freqüência, provavelmente pelo crescente empenho dos atletas em ultrapassar os limites antes conquistados, além da tendência ao esporte de alto rendimento. Equivalentes a esse empenho, têm sido identificados elevados níveis de frustração, depressão e ansiedade dos esportistas frente ao sentimento de impotência e perda progressiva de um condicionamento já adquirido.

O mais curioso é que este comportamento não é exclusivo de atletas profissionais. Ele tem atingido uma gama de pessoas que possuem apenas o final de semana para dedicar-se ao esporte e, justamente pelo restrito tempo para desfrutá-lo, acabam sofrendo tanto quanto um indivíduo que ganha salário para obter os resultados. “Ah! Isso não aconteceria comigo, porque só ocorre com quem compete”. Nada disso. Tanto as lesões, quanto as frustrações, acontecem nos treinamentos regulares mais do que em treinos para competições, devido à ambição de um desempenho ideal. E a esse desejo estamos todos suscetíveis.

É verdade que é preciso ter muito autocontrole e consciência da importância de conviver com o período de reabilitação e restrição da atividade. Aquela sensação horrorosa de estar sendo dominado por um ligamento ou tendão malcriado. Mas vamos mudar de perspectiva. Agora o nosso atleta está em perfeitas condições físicas e motivado para aquela empreitada que vinha sendo planejada há algumas semanas, porque exigia que alguns fatores cruciais para a sua realização estivessem de acordo: clima perfeito, condicionamento em cima, equipamento “ok” e equipe montada. No dia e hora marcados lá está ele aguardando…quinze, trinta minutos, uma hora depois e nada de aparecer aquela pessoa fundamental para que o projeto seja factível. Celular desligado e nenhum sinal de satisfação por parte do indivíduo que, quando encontrado (dois dias depois, durante um treino em comum) argumenta culpando o frio matinal, a bebedeira da noite anterior ou a sua namorada. É sobre este palco que tomam conta a indignação, seguida de um ressentimento pela falta de companheirismo e autocrítica pela suposta má escolha do parceiro. Logo, tudo se transforma em agressividade e o parceiro em falta torna-se o bode expiatório momentâneo de um fracasso.

O mesmo ocorre quando uma súbita mudança climática adia os planos, às vezes por semanas ou até meses, dependendo do tipo de expedição programada. Lembro de ter comentado em um artigo antigo sobre a minha tristeza, em uma temporada de escalada há três anos, em que choveu por vários finais de semana e eu fiquei quase um mês sem escalar. Neste caso, o agente em falta é São Pedro, mas a reação ao inesperado costuma ser semelhante ao dos casos anteriores.

Apesar desses serem exemplos diferentes, ambos desencadeiam reações semelhantes àquelas demonstradas por atletas lesionados, e também são eficazes na identificação do perfil da pessoa em lidar com imprevistos que desestruturem seus planos. A agravante é que por, serem situações momentâneas (que às vezes encontram uma solução alternativa ainda no mesmo dia), deveriam ser melhor administradas internamente. Entretanto, causam sentimentos de incredulidade, dificuldade de concentração e sentimentos de injustiça (a pessoa tende a crer que o universo conspira contra ela). Resumindo, o atleta não consegue relaxar. Essa falta de abstração pode gerar uma tensão que compromete o desempenho futuro, pois ocorre uma necessidade de “compensar” o treino perdido. Parece paranóia, mas é mais comum do que se imagina. Todos sabemos como são esses sentimentos, mesmo que os tenhamos percebido por apenas alguns minutos.

Para reduzir a indignação frente às lesões e outros imprevistos, é importante o estabelecimento de metas que levem em consideração situações adversas desse tipo. É fácil. Imagine com antecedência o que você faria se uma empreitada fosse adiada por um dia e tenha um plano ”B” sempre em mente, seja ele uma opção de treinamento indoor ou um cinema. No caso de lesões, existem diversos tipos de treinamento que podem ser continuados evitando o estímulo do órgão lesionado. Se não for o seu caso, simplesmente desfrute o tempo, deixe o corpo descansar e aproveite para cuidar da mente e montar um plano de reabilitação gradativa para a sua volta. Quanto maior for a resistência psicológica contra as adversidades, mais difícil será obter o nível de rendimento esportivo desejado. Busque o autoconhecimento se perguntando sobre que desafios pretende transpor, mas busque ter consciência de todos os fatores externos ligados ao esporte que você pratica. Esse conhecimento é fundamental para a sua longevidade no esporte e para a realização plena do seu potencial.

Para finalizar, não seja tão pessimista. Disciplina é fundamental, mas às vezes experimente quebrar as regras de propósito e fique na cama por causa do frio matinal, da bebedeira da noite anterior ou do olhar da pessoa amada. Você verá que a mudança nos planos (mesmo que condicionada), nem é tão mal assim.

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