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Uma breve história dos equipamentos IV

A última coluna da série fala do mergulho desde seus primórdios no Egito. Para deslanchar, a prática teve nobres colaboradores como Aristóteles e Da Vinci.

8 de julho de 2005 · 19 anos atrás

Nas últimas semanas eu trouxe informações e boas histórias sobre a evolução de equipamentos de esportes como o montanhismo, mountain bike e pára-quedismo. Para finalizar essa pesquisa selecionei uma história realmente antiga, que remonta cenários muito anteriores à era Cristã e que recorda grandes épicos da mitologia grega: o mergulho.

É difícil dizer em que momento o homem começou a se interessar por atividades de mergulho, pois se acredita que desde os tempos mais remotos ele já buscava nesta atividade uma fonte de subsistência. Por este motivo, utilizam-se os registros das primeiras civilizações sobre o assunto como base. Mas acredito que isso não deixe ninguém frustrado porque o primeiro período encontrado é de 4.500 a 1.500 a.C., entre os povos da Ásia Menor e Egito. O simples fato de existirem diversos artefatos arqueológicos compostos de matérias encontradas no fundo do mar, como as ostras petrolíferas, ouriços e plantas marinhas já identifica uma atividade subaquática realizada pelo homem nesta época. Uma ilustração encontrada no palácio do rei persa Assurbanipal II, de um homem em posição de natação com um odre de couro de carneiro abaixo do peito, utilizado como saco respirador, é o nosso primeiro registro oficial de um equipamento de mergulho.

Na Grécia antiga as atividades de natação e mergulho eram motivos de admiração pelos não praticantes, pela sua eficácia estratégica e pelas histórias de heróis mitológicos como Teseu, que duelou e venceu o rei Minos na missão de encontrar um anel no fundo do mar (haja apnéia). Esta foi a primeira civilização a utilizar mergulhadores como guerreiros estratégicos em suas batalhas, como a conquista de Tiro por Alexandre – o Grande, entre 41 e 45 a.C. que, segundo os relatos foi bem-sucedida graças à destruição das defesas submarinas dos fenícios, e ao transporte “clandestino” de víveres para os guerreiros sitiantes.

Os romanos também se aproveitaram mais tarde da arte do mergulho como alternativa estratégica de guerra criando os “urinatores”, sua unidade de combate subaquática. Nesta época, existiam mais equipamentos “anti-mergulhadores” do que aqueles que os favorecessem. Com a queda do império romano, os mergulhadores passaram a se dedicar a atividades de recuperação de barcos afundados, trabalhos em portos, correio entre ilhas etc., dando início ao mergulho profissional. Mais ou menos no mesmo período foi desenvolvido o “Lebeta”, uma geringonça impressionante que foi utilizada (com poucas evoluções) até o século XVI, devido à carência de conhecimentos específicos sobre o controle da pressão atmosférica e hidrostática, além das poucas opções de matéria prima, que se resumiam ao ferro, a madeira e ao couro de animais. Muito bem. O “Lebeta” ou sino de mergulho era utilizado para permitir ao homem submergir e permanecer debaixo d’água e foi objeto de estudo e curiosidade de Aristóteles. Ele era um aparato de ferro no formato de um sino com uma pequena abertura frontal para visualização.

O homem “vestia” esse equipamento e mergulhava fazendo com que o ar do interior se comprimisse com a água (em pressão ambiente), permitindo alguma autonomia quando submerso. O principal problema era o fato do “Lebeta” não permitir a renovação do ar, concentrando gás carbônico no seu interior. O melhor exemplo que posso dar para ajudar à imaginação a projetar uma imagem do “Lebeta” é um balde. Isso mesmo: é como colocar um grande balde de ferro pela cabeça e até a altura dos joelhos e entrar na piscina com ele. Outro suposto equipamento criado nesta época pelos gregos foi a esponja embebida em azeite, que os mergulhadores colocavam na boca e, uma vez dentro da água, pressionavam-na contra os dentes liberando o azeite até os olhos na medida em que nadavam, permitindo uma melhor visão submarina por reduzir os erros de refração da água. Eles também colocavam as mesmas esponjas nos ouvidos, mas não se sabe com que finalidade.

Talvez devido a uma preocupação comum estudada por Aristóteles, como a ocorrência de ruptura do tímpano e a surdez, havia acidentes freqüentes junto aos mergulhadores de apnéia que coletavam esponjas e corais. O filósofo e matemático também fez alusão, em um de seus estudos, sobre os tubos respiradores e escreveu que “os mergulhadores da época estavam dotados para permanecerem longo tempo debaixo da água, respirando através de um tubo que os faz parecerem com os elefantes”.

Muito tempo se passou sem que fossem feitos investimentos na evolução dos equipamentos de mergulho, pois durante a Idade Média foi difundida a crença de que os oceanos eram povoados por monstros, mas o Renascimento mudou esta perspectiva. Mais uma vez Leonardo da Vinci atuou como incentivador da atividade criativa na evolução dos equipamentos, desenhando os projetos de luvas palmeadas, pés de pato (nadadeiras) e, sua principal contribuição, um capuz de couro que cobria a cabeça e o pescoço do mergulhador, com um tubo respirador na altura da boca. Esse capuz continha espinhos para defender o corpo dos peixes. Seu conterrâneo Renato Vegecio acrescentou os machados e os braceletes de chumbo (para gravar as mensagens a serem transportadas), mas foi Diego Ufani que colocou pesos nos pés dos mergulhadores e que criou lentes adaptadas à aberturas no capuz, para melhorar a visão: as primeiras máscaras. Estamos em 1623.

Em 1648 o físico francês Blas Pascal desenvolveu o princípio da hidrostática. A partir daí vieram os esforços em desenvolver mecanismos que viabilizassem a conservação e renovação do ar durante o mergulho. O primeiro invento original foi do italiano Giovanni Borelli, em 1652. Consistia em um grande saco de couro utilizado na cabeça como depósito de ar que, ao ser utilizado era encaminhado para outro saco de couro anexo ao corpo do mergulhador, que agora era protegido por um traje de couro (ainda por baixo do Lebeta). O cilindro de ar (que era comprimido manualmente) era levado na cintura. O projeto, apesar de inovador, não foi testado.

Como o Lebeta não conseguiu ser substituído por algo mais funcional, os inventores passaram a tentar deixá-lo mais confortável, criando versões com tamboretes que serviam para descansar embaixo da água, versões “família” com capacidade para seis pessoas, versões com janelas…Mas o mais interessante foi o modelo criado pelo astrônomo Edward Halley (é ele mesmo, o do cometa) que anexou barris de ar em volta do Lebeta, que transportavam o ar para o seu interior através de tubos. Logo criaram a versão individual deste invento e o mergulho autônomo começou a ganhar eficiência.

Com a idealização da técnica de renovar o ar por meio de uma bomba pneumática, teve início a modelagem do clássico escafandro. O primeiro, apesar de ainda pouco confortável, era um luxo se comparado ao Lebeta. O corpo era de madeira e os braços, revestidos de couro, ficavam livres para movimentarem-se por fora da estrutura, por meio de orifícios laterais. O escafandro clássico, criado em 1819 pelo alemão August Siebe, possuía novamente o corpo metálico, mas a inovação era o sistema de respiração. O ar era bombeado da superfície e liberado por uma válvula anti-retrocesso, permitindo um melhor equilíbrio de pressão e respiração. Mas a flexibilidade ainda era comprometida por um detalhe: como o fundo ainda era aberto, qualquer inclinação pelo mergulhador desestabilizava todo esse sistema. Ou seja, só funcionava na posição vertical. O objetivo agora era encontrar uma forma de “mergulhar fundo a seco”, como diziam, por meio de um escafandro rígido articulado.

Outro problema começou a ser identificado. Conforme o homem evoluía nas suas invenções e passava a atingir profundidades maiores, a pressão atmosférica passou a se tornar um impeditivo para novas investidas. Isso até a criação do “aerófago”, uma nova engenhoca francesa criada por Auguste Denayrouse e Benoit Rouquayrol, que regulava automaticamente o suprimento de ar, liberando os mergulhadores da dependência da superfície e que estabilizava a pressão através de válvulas. Em 1925 esse modelo foi adaptado por Le Prieur aos tradicionais cilindros de oxigênio, ganhando mais autonomia e mantendo as funções de regulagem da pressão por meio de duas câmaras pressurizadas: uma de pressão ambiente e outra de baixa pressão. Em 1930 o inglês Joseph Peress concebeu um escafandro de liga de magnésio, modelo das roupas de mergulho que se sucederam até os dias de hoje, como as que permitem mergulhos de 600 metros de profundidade.

As novidades e necessidades passaram a ser mais sutis. Hoje os mergulhadores buscam superar seus obstáculos desafiando recordes de profundidade, tanto em apnéia (mergulho livre sem carga de oxigênio) como em mergulho autônomo (com os cilindros de oxigênio e regulagem de pressão). As novas tecnologias têm buscado formas de incrementar e aprimorar os antigos inventos para permitir essas façanhas. É uma pena ter que tentar sintetizar os fatos e não poder contar todos os detalhes da evolução dos equipamentos de mergulho, como fatos da vaidade humana (os modelos de nadadeiras em formato de garras de felinos; “estilosos” para a época, porém pouco eficientes), mas o artigo ficaria grande demais. A pesquisa sobre os outros esportes também revelou como a imaginação humana pode ir longe, tanto de encontro com soluções impressionantes como com o absurdo. Mas nada disso se perderá, pois vou me esforçar em colocar os dados encontrados ao longo de outros artigos, inclusive sobre esportes que não coloquei nesta série. Agradeço aos leitores que levantaram algumas questões sobre os assuntos após as respectivas publicações e um agradecimento especial a Leonardo da Vinci, a revelação do ano na categoria colaboração na evolução de equipamentos de esportes radicais.

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