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Pescadores pedem socorro

Ao contrário dos índios, os pescadores artesanais são ignorados pelas políticas de desenvolvimento social. Uma boa solução é incentivá-los a deixar de pescar

3 de dezembro de 2004 · 19 anos atrás
  • Frederico Brandini

    Oceanógrafo e líder Avina que participou de várias expedições do Programa Antártico Brasileiro. Trabalhou como Professor do C...

Todos sabem que a pesca em nosso país tem mais valor social do que econômico. Se a Terra girasse ao contrário, o Brasil seria pelo menos 10 vezes mais rico em peixes, a pesca industrial prevaleceria e haveria um Ministério da Pesca tão politicamente forte quanto é o da Agricultura em nosso país.

Para aqueles que não sabem e nunca ouviram falar, os ventos alísios não apenas ajudaram os portugueses e o Amyr Klink a chegar no Brasil, como também trazem da África a água tropical e empobrecida que passa por Fernando de Noronha e se acumula nas costas do Nordeste brasileiro, espalhando-se para o norte e o sul através da Corrente do Brasil e da Corrente do Norte do Brasil.

Apesar da riqueza em biodiversidade costeira, que por enquanto só enche a barriga da indústria turística e da pesca esportiva, aqui tem pouco peixe. E esse pouco tem sido disputado por cerca de 1 milhão de pescadores “artesanais” (leia-se pesca de subsistência) registrados pelas Associações e Colônias de Pesca ao longo da costa brasileira. Fora os que não estão registrados. Eles dependem quase que exclusivamente da pesca, com poucas alternativas de renda.

O fato é que a estabilidade social dessa comunidade está seriamente ameaçada devido aos conflitos com a pesca industrial, principalmente a pesca de arrasto demersal, como descrito em coluna anterior. O caso deles é ainda pior do que o dos índios, cujas terras e identidade cultural bem ou mal são protegidas por lei. A defesa da cultura indígena brasileira já está institucionalizada. Apesar dos constantes conflitos por terra, e de alguns doidos varridos que gostam de pôr fogo em índio, a FUNAI existe e tenta cumprir o seu papel de defender a comunidade indígena. Mas, por causa do velho chavão que diz que quem mora à beira-mar não passa fome porque pode pescar, o pescador brasileiro tem sido totalmente esquecido pelos projetos de desenvolvimento social. Só tem valor cultural, pois inspirou obras literárias, artes plásticas e música baiana. Precisamos urgentemente de uma FUNAI para os pescadores.

Então, o que falta para melhorar as condições de vida dessas comunidades? A resposta pode estar em projetos inovadores com ações práticas no sentido de reverter a queda do patamar social dos pescadores brasileiros e a ameaça de degradação ambiental na zona costeira. Projetos de pequeno porte aplicados em comunidades pequenas e que sirvam de exemplo para outras comunidades.

Existem várias formas de ajudar comunidades costeiras. Programas paternalistas envolvem subsídios e não são autossustentáveis. Principalmente porque carecem de base técnica e, portanto, não levam em conta a capacidade suporte de um determinado recurso em relação à sua demanda. De que adianta subsidiar o pescador com óleo diesel e construção de barcos de pesca se a quantidade de peixes não é suficiente para todos os que pescam? O melhor que se pode fazer para ajudar essas comunidades é, primeiro, proteger seus recursos naturais; segundo, ensinar tecnologias alternativas para a produção artificial e programada de recursos; terceiro, apoiar o pescador a buscar renda em outras profissões. Assim ele pode sair da pesca, trabalhar em outro ramo de atividade. Deixar de “caçar” ou “garimpar” peixe, e de mendigar subsídios governamentais. É melhor para ele e diminui a concorrência e a pressão de pesca sobre o ecossistema marinho.

O Canadá já faz isso há muito tempo. Dá subsídios ao pescador não para pescar, mas para montar uma padaria, uma oficina especializada, bolsa de estudos para os filhos, etc. Aqui, ao contrário, tudo o que se tenta fazer pela socioeconomia costeira não vai adiante. Uma das várias iniciativas de ação governamental para o uso sustentado dos recursos marinhos foi a criação da Comissão Interministerial para os Recursos do Mar (CIRM). Através de seus planos plurianuais, a CIRM tenta conduzir (na minha opinião, em vão) uma Política Nacional para os Recursos do Mar desde 1980.

Recentemente foram estabelecidos os termos de seu VI Plano Setorial para os Recursos do Mar (PSRM) com vigência de quatro anos a partir de 2004. Esse Plano contempla as diretrizes de uso e apropriação da zona costeira e da Zona Econômica Exclusiva, em sintonia com os princípios de sustentabilidade preconizados na Rio 92 e demais foros de discussão sobre as questões socioeconômicas na zona costeira. As ações estratégicas do PSRM são basicamente pesquisa, criação de unidades de conservação da biodiversidade (APAS, Parques, Reservas, etc.) e educação para a capacitação de recursos humanos. No entanto, é apenas mais um documento político coberto de boas intenções.

A verdade é que após décadas de apoio a projetos de pesquisa científica e de conservação da biodiversidade marinha pelos editais específicos do Ministério da Ciência e Tecnologia (PRONEX, PADCT, MILENIO) e do Ministério do Meio Ambiente (FNMA, PRONABIO, etc.); do esforço de diagnóstico dos programas Recursos Vivos da Zona Econômica Exclusiva (REVIZEE) do Programa Nacional da Biodiversidade (PRONABIO); da intenção de ordenamento costeiro pelo Plano Nacional de Gerenciamento Costeiro do IBAMA; da recém-criada e já esquecida Política Nacional de Ciência e Tecnologia Marinha do MCT; dos últimos 20 anos de vigência do PSRM da CIRM; e de todos os documentos de diagnose produzidos nos níveis governamental e não-governamental, o patamar socioeconômico das comunidades costeiras continua aquém dos benefícios pretendidos por meio dessas políticas e fomentos.

Alguém precisa fazer alguma coisa grandiosa pela comunidade de pescadores do Brasil. E logo.

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