Colunas

Quem entra, quem sai

Prestes a ser lançado, o Índice de Sustentabilidade Empresarial da Bovespa gera controvérsia. Empresas de setores “perversos” devem ser excluídas a priori?

25 de novembro de 2005 · 18 anos atrás

Uma semana antes da data prevista para seu lançamento formal, o Índice Bovespa de Sustentabilidade Empresarial (ISE) foi o objeto de uma audiência pública na Assembléia Legislativa do Estado de São Paulo. A convocação foi feita pelo Instituto de Defesa do Consumidor (IDEC), Rede Tabaco Zero e outras ONGs, que prometiam uma discussão acalorada. Falava-se em um verdadeiro “escândalo” cercando o ISE da Bovespa. Não foi bem isso o que se viu, mas para quem esteve lá o debate ajudou a entender o que é o ISE e por que um assunto aparentemente técnico suscita reações tão acaloradas.

Esse tema já foi tratado aqui no O Eco, por nós mesmos, e por Clarissa Lins, da FBDS. Recapitulando:

A Bolsa de Valores de São Paulo resolveu, ainda em 2003, criar um índice que pudesse servir de referência para investidores que procuram incorporar valores éticos nas suas estratégias de investimento. A demanda veio de investidores institucionais domésticos e internacionais. Em outras palavras, gente que administra o dinheiro de terceiros. Para medir o seu desempenho, eles precisam de alguma referência que mostre o que está acontecendo com o mercado – se sobe, se cai, e quanto – para que eles possam verificar se estão melhor ou pior do que a média. Não faz sentido compará-los com índices que medem o mercado como um todo, porque há uma série de ações que esses investidores não podem negociar.

Por entender muito de mercado de ações e muito pouco de responsabilidade social e ambiental, a Bovespa procurou ajuda para criar o seu Índice de Sustentabilidade Empresarial – ajuda de entidades que julgou representativas dos participantes do mercado e da sociedade civil, para criar uma estrutura de governança, e da Fundação Getúlio Vargas, na criação da metodologia do índice.

O ponto de partida foi o conceito da “triple bottom line”, isto é, a idéia de que o desempenho de uma empresa não deve ser medido só pelos resultados financeiros mas também por indicadores sociais e ambientais. Incorporaram-se também indicadores de governança corporativa e da sustentabilidade dos produtos de cada empresa. Mas a grande controvérsia metodológica aconteceu em torno dos critérios de inclusão ou exclusão de empresas.

Inclusão ou exclusão?

Há pelo menos duas maneiras de construir um índice desse tipo: por critério de inclusão ou por critério de exclusão. É possível fazer, para cada setor de atividade, uma lista das empresas e escolher entre elas as mais virtuosas. O outro critério possível é o de exclusão, onde se retira da lista a priori as empresas que atuam em setores considerados inaceitáveis, tais como álcool, fumo e armas.

Os dois critérios têm vantagens e desvantagens. O critério de inclusão funciona melhor em mercados onde há um número muito grande de empresas listadas em bolsa, como nos Estados Unidos. A sua principal vantagem é servir como estímulo para todas as empresas que participam do mercado. Os critérios de exclusão, por sua vez, satisfazem os investidores ativistas, que procuram mudar o mundo com a sua poupança. Mas tem um sério problema: é mais fácil começar a excluir do que parar. Há boas razões para excluir as mais diversas empresas dos mais diversos setores.

É claro que alguns setores são mais perversos do que outros. Fumo, por exemplo, que foi o centro das discussões da audiência pública. E a decisão de não excluir ninguém a priori, tomada pelo conselho que a Bovespa criou para dirigir a criação do índice, tem sido o centro das controvérsias desde então.

As ONGs que se dedicam ao assunto alegam que as empresas de fumo (na realidade a Souza Cruz, única empresa aberta do setor no Brasil) fizeram um lobby agressivo contra o princípio da exclusão. Alegam ainda que isso faz parte de uma estratégia mais ampla de persuasão que procura convencer a sociedade de que as empresas do setor são cidadãs responsáveis. Sob esse ponto de vista, sua inclusão em um índice de sustentabilidade seria premiar uma mentira, pois a indústria do tabaco polui, trata mal os fumicultores, escraviza e mata seus consumidores.

O assunto é técnico mas nem por isso deixa de ser importante. A inclusão de uma empresa no ISE talvez não seja um prêmio, mas será interpretada como tal. Além disso, a tendência é que sem esse tipo de reconhecimento ficará cada vez mais difícil para as empresas levantar recursos no mercado. O foco na questão da exclusão de empresas de setores pouco virtuosos não permitiu que se discutisse mais a fundo qual o conceito de sustentabilidade empresarial que o índice expressa. A partir do anúncio das empresas que farão parte do ISE talvez seja possível aprofundar a discussão.

Leia também

Análises
25 de abril de 2024

Escazú não é prioridade? 

Escazú chega à terceira COP sem que o Brasil o tenha ratificado. Delegação brasileira conta com ampla participação da sociedade civil, mas ausência de alto escalão grita

Notícias
24 de abril de 2024

Na abertura do Acampamento Terra Livre, indígenas divulgam carta de reivindicações

Endereçado aos Três Poderes, documento assinado pela Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB) e organizações regionais cita 25 “exigências e urgências” do movimento

Reportagens
24 de abril de 2024

Gilmar suspende processos e propõe ‘mediação’ sobre ‘marco temporal’

Ministro do STF desagrada movimento indígena durante sua maior mobilização, em Brasília. Temor é que se abram mais brechas para novas restrições aos direitos dos povos originários

Mais de ((o))eco

Deixe uma resposta

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.