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Pisando leve

Veículos 4x4 na cidade são um contra-senso e um desperdício. Em trilhas, o impacto sobre o meio ambiente depende da educação e do bom senso de seus usuários.

4 de novembro de 2005 · 18 anos atrás

Os proprietários de veículos 4×4 e daquilo que a indústria automobilística chama de “utilitários esportivos” não são muito queridos entre os ambientalistas. Grande parte do apelo desses veículos está na sensação de liberdade derivada da sua capacidade de ir a qualquer lugar. Quem anda por São Paulo montado em um Land Rover com faróis de longo alcance, tanques extras de combustível, guincho elétrico no pára-choque dianteiro e bagageiro no teto parece estar dizendo que da mesma maneira que vai até o hipermercado fazer as compras do mês poderia estar partindo em uma expedição para a Patagônia.

Há quem diga que a realidade é outra. Essa sensação de liberdade não passaria de uma ilusão manipulada por publicitários e marqueteiros, já que a maior parte desses veículos jamais deixaria as vias pavimentadas. Uma coluna recente do colega Eduardo Pegurier fala sobre as conseqüências, quase inteiramente negativas, da explosão do número desses veículos nos últimos anos: mais consumo de combustível, mais poluição do ar e uma verdadeira corrida armamentista nas ruas, puxada pela sensação de segurança que vem de andar em um carro maior do que os outros.

Mas será que a crítica é justa? Veículos como um Defender, um Mercedes G ou um Pinzgauer são ferramentas altamente especializadas, desenhados para chegar em lugares onde os carros de rua não chegam. E dadas as condições das nossas estradas, eles são imprescindíveis para qualquer pessoa interessada em conhecer um pouco mais da nossa paisagem, estabelecer contato com a natureza ou praticar esportes radicais. Mas aqui surge mais uma dúvida: o que garante que essa liberdade de chegar a qualquer lugar será usada de maneira responsável?

Os clubes de jipeiros são um bom lugar para começar a responder a essa pergunta. O Clube do Land Rover, por exemplo, tem no seu site uma página sobre meio ambiente que defende os princípios da conduta consciente, isto é, aquela que busca deixar o menor impacto possível na natureza. São princípios simples e de bom senso, mas nem sempre princípios elevados são respeitados na prática.

Uma maneira de chegar mais perto do dia-a-dia dos trilheiros é através das listas de discussão e fóruns on-line, como o 4x4brasil e o fórum do Clube do Land Rover. A maior parte das discussões nesses fóruns é bastante especializada, concentrando-se nos problemas de cada veículo, nas soluções encontradas e na experiência de cada um nas trilhas. Mas de vez em quando o foco se desvia para os chamados off-topic, as discussões que fogem ao intuito da lista ou do fórum. Foi assim recentemente no Clube do Land Rover. Rolava uma discussão sobre hospedagens acessíveis somente para veículos off-road quando alguém mencionou uma pousada chamada Doladodela (do lado de lá), em Aiuruoca, Minas Gerais, como uma opção interessante. A pousada ficaria dentro do Parque Estadual Serra do Papagaio, criado em 1998 e portanto ainda bastante novo.

Discussão ambiental

Um dos jipeiros da lista abriu o debate, dizendo que a pousada havia sido interditada pelo Ibama ou algum órgão estadual, e que achava aquilo um absurdo. Outro participante disse apoiar a decisão do Ibama de fechar a pousada, pois ela estaria em local de preservação, operando sem autorização e jogando esgoto sem tratamento no rio que desce a serra. E que o acesso a um dos recantos mais interessantes da região, o Retiro dos Pedros, havia sido fechado por causa da degradação causada por jipeiros inconseqüentes.

Quem veio defender o dono da pousada foi Anderson Cunha, que tem documentadas no seu website algumas façanhas incríveis. Ele esteve por lá e constatou que a pousada tinha fossa séptica, que ela já estava lá antes da criação do parque, e que nas duas vezes que acampou no Retiro não viu degradação séria. Mas Anderson notou que a pousada está acima dos 1.800 metros de altitude, o que é ilegal, e que o proprietário a ampliou depois de 1998.

Outros comentaram que não existe nenhuma fiscalização no parque, e que apesar das proibições os madeireiros e caçadores vão acabar destruindo tudo mesmo. E que a área de preservação já está bastante degradada, sendo usada acima de tudo como pasto. Não se pode dizer que surgiu um consenso na discussão, mas a última palavra ficou com outro “landeiro” que também conhece a região, julga que a pousada está onde não devia, e que é preciso enorme cuidado para não estragar a natureza em cima de um veículo de duas toneladas. E que a única alternativa à proibição é a educação.

Com algumas semanas na lista já deu para perceber que há entre os jipeiros gente bastante consciente e educada, que dá valor à preservação e que conhece de perto o estado de abandono de muitas das nossas unidades de conservação. Mas o triste é que nem todos são assim, e que a tendência das autoridades é simplesmente proibir. Uma alternativa seria regulamentar as atividades dos veículos fora de estrada nas unidades de conservação, deixando algumas trilhas para eles, como está acontecendo nos Estados Unidos. Isso depende, é claro, da existência de planos de manejo, fiscais, e de um certo respeito às coisas públicas.

Na Serra do Papagaio, a pousada Doladodela, que de fato esteve fechada por ação do Instituto Estadual de Florestas de Minas Gerais e do Ibama, reabriu. Seu proprietário briga na Justiça, diz que nunca poluiu, e questiona os motivos daqueles que querem fechá-la. Argumenta ainda que o caminho deve ser o do diálogo, procurando estabelecer um modelo de turismo sustentável, que permitisse o uso de trilhas devidamente demarcadas com cobrança pelo privilégio. Já o Ibama da região diz que a pousada está em flagrante violação à lei e que os freqüentes encontros de jipeiros deixaram danos visíveis na área do parque. A briga vai longe.

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